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A «Biblioteca Jesuítico-Española» (1759-1799), de Lorenzo Hervás y Panduro. Uma enciclopédia bio-bibliográfica dos jesuitas exilados no século XVIII

António Julio Trigueiros, sj1




ArribaAbajoIntrodução

A publicação em 2007 desta obra do século XVIII, intitulada Biblioteca Jesuítico-Española (1759-1799), da autoria do ex-jesuíta espanhol Lorenzo Hervás y Panduro (1735-1809), reveste-se de capital interesse para o estudo dos cerca de 5.000 jesuítas luso-espanhóis desterrados nos Estados Pontifícios, durante a segunda metade do século XVIII, quer pela minuciosa informação bio-bibliográfica coeva que nos fornece o seu autor, quer pelo acervo de detalhada informação complementar que o seu editor, António Astorgano Abajo, criteriosamente seleccionou e ampliou. Evidentemente que, saindo da pena de um exilado espanhol, oitenta por cento da obra versa sobre os jesuítas daquele reino e dos seus domínios ultramarinos, expulsos por Carlos III em 1767, e que só puderam reentrar em Espanha trinta anos depois, em 1797, para serem de novo expulsos quatro anos mais tarde. Mesmo assim serão alvo de estudo, na parte III da obra, um total de 40 jesuítas portugueses, de que falarei adiante, e cuja referência é um precioso contributo para o conhecimento da história dos exilados portugueses, tão difícil de reconstituir.

Todas estas razões explicam então da importância do vir a lume desta incontornável referencia bio-bibliográfica, para quem quiser daqui por diante estudar os jesuítas e «ex-jesuítas» exilados nos Estados Pontificios, com especial relevância para o contributo da produção literária no período da chamada «Ilustração».

Importa ainda referir que a publicação da presente obra foi galardoada com um prémio na XIX Feira de Outono do Libro Viejo y Antiguo, realizada em Outubro de 2007.






ArribaAbajoO Estudo introdutório da Biblioteca Jesuítico-Española

A publicação deste inédito setecentista é antecedida por uma página de agradecimentos e por uma breve apresentação do seu editor, onde nos coloca diante da notícia de que esta é a primeiríssima edição impressa de um manuscrito redigido em Roma entre 1793 e 1799, e que se conservou inédito, ainda que infelizmente mutilado, no Arquivo Histórico de Loyola. O editor informa de imediato que a obra de Lorenzo Hervás y Panduro versará sobre 495 retratos bio-bibliograficos de jesuítas exilados e resenha a sua produção literária, numa totalidade de 808 manuscritos espanhóis e portugueses.

O seu editor, António Astorgano y Abajo, é professor na Universidade de Saragoça e estudioso da vida e obra dos jesuítas literatos desterrados, tendo já uma vastíssima gama de publicações sobre essas temáticas, com cerca de quarenta títulos, com especial relevo para estudos sobre as figuras dos exilados Vicente Requeno y Vives e Lorenzo Hervás y Panduro.

Após estas considerações preliminares, o estudo introdutório de António Astorgano Abajo, estende-se por sessenta páginas da obra, onde de modo bastante exaustivo se procura analisar em dois grandes blocos, a vida e obra de Hervás e a produção, estrutura, conteúdo e valor da obra em epígrafe, Biblioteca Jesuítico-Española. É sobre esse estudo preliminar que nos vamos deter maioritariamente.

Na parte primeira o editor trata da vida e obra de Hervás, segundo a Biblioteca Jesuítico-Española, procurando antes de mais elaborar um esboço biográfico de Lorenzo Hervás y Panduro (1735-1809). Ficamos, pois, a saber que o exilado jesuíta, nascido em 1735, em Cuenca, de família de camponeses, foi protegido por um tio abade e estudou no Colégio de Villarejo de Fuentes, entrando na Companhia de Jesus em 1749, em Madrid. Interessou-se desde novo por todos os saberes, possuindo uma verdadeira vocação enciclopédica, bem patente na dedicação com que escreveu a obra em epígrafe. Foi estudioso de línguas eruditas e matemáticas e ensinou latim, teologia e metafísica, primeiro no Colégio de Cáceres, depois no de Huete e no Seminário de Nobres, em Madrid e finalmente no Colégio de Múrcia. Surpreendido pela Real Pragmática de Carlos III, de 1767, que expulsava todos os jesuítas de Espanha e seus domínios, embarcou em Cartagena e sofreu as dificuldades de desembarque nos Estados Pontifícios, juntamente com seus companheiros. Esteve um ano na Córsega (1767-1768), na turbulenta acomodação naquela ilha, ante a patética recusa do pontífice Clemente XIII de acolher os exilados espanhóis. Entrando finalmente em Itália no Outono de 1767, veio a fixar-se na cidade de Forlí, local onde se alojaram os jesuítas da Província de Toledo, à qual pertencia e onde ensinou metafísica e matemática. Na Biblioteca Jesuítico-Española, Hervás, na autobiografia que esboça, omite praticamente tudo o que se relaciona com a sua permanência em Itália. Sabemos, pela investigação de Astorgano, que vive de 1774 (ou seja imediatamente a seguir à extinção da Companhia de Jesus por Clemente XIV) a 1784, na cidade de Cesena, no palácio dos marqueses Ghini, onde exerce as funções de bibliotecário e advogado daquela família patrícia. Muda-se depois para Roma, onde permanece até ao seu efémero regresso a Espanha, em 1798. Regressando a Roma, em 1802, pela nova expulsão, é nomeado bibliotecário do Papa Pio VII. Na cidade eterna virá a fechar os olhos em 1809.

A obra de Hervás, que é alvo de análise detalhada do ponto de vista cronológico, abarca um total de cerca de sessenta obras, em 90 volumes das quais a maioria se acha inédita ou mesmo desaparecida. A sua produção literária centra-se sobretudo na matemática, cosmografia, filosofia, teologia e linguística, para além do seu especial interesse pela bibliofilia, que esteve na origem da obra em epígrafe. A sua obra fundamental é uma vasta enciclopédia escrita em Italiano a que deu o nome de Idea dell'Universo (Cesena, 1778-1792), dividida em 11 tomos repartidos por 21 volumes e três partes «História da vida do homem», «Elementos cosmográficos» e «Língua». Esta última parte foi, sem dúvida a mais notável, pois contém um compêndio de muitas línguas, algumas exóticas, dando informação sobre todos os autores que conhecia, que tivessem escrito gramáticas e dicionários desses idiomas.

O autor deste estudo introdutório procura ainda documentar a existência da vasta obra de Hervás, com especial referência às bibliotecas e arquivos onde se encontram manuscritos seus ou exemplares impressos raros e que foram por ele pacientemente esquadrinhados.

Na parte segunda do estudo introdutório, procura o editor fazer uma análise da Biblioteca Jesuítico-Española, subdividida em nove secções: descrição, redacção, contexto literário, periodização da produção literária dos exilados, finalidades, dificuldades, comentários, estrutura e forma da obra e avaliação final.

Começando a sua análise da obra por aquilo que designa, de modo um tanto ambíguo, por descrição da Biblioteca Jesuítico-Española, o editor procura trazer à luz o modo como outros analistas descreveram o manuscrito do Arquivo de Loyola, e depois analisa a localização e estado em que o manuscrito lhe chegou às mãos.

Procura de seguida problematizar toda a questão da datação da redacção da Biblioteca Jesuítico-Española, fixando a sua produção entre 1793 e 1794, ainda que a fosse ampliando e retocando até 1799. Contextualiza a redacção desta obra, no todo da produção literária de Hervás, afirmando que «La Biblioteca Jesuítico-Española fue un descanso alegre en su trabajo enciclopédico-pedagógico y consecuencia de los múltiples contactos y conocimientos literarios y editoriales que había tenido durante los últimos veinte años»2.

Entra então numa tentativa de periodização da produção literária dos jesuítas expulsos. Procura definir quatro períodos, que se revestem de uma grande relevância histórica: Um primeiro a que chama repressivo (1767-1777), e que é vivido no rescaldo da violenta expulsão por Carlos III e da traumática supressão da Companhia de Jesus, em 1773, pelo Papa Clemente XIV, pelo Breve Dominus ac Redemptor. Um segundo período a que chama de esplendor (1778-1788) e que corresponde ao mais frutífero período de incentivo por parte das autoridades espanholas, por morte de Carlos III, com a concessão das duplas pensões aos escritores, pelo secretário de estado, Conde de Floridablanca e á mais intensa produção «ilustrada» dos jesuítas espanhóis. Um terceiro período, no rescaldo dos acontecimentos revolucionários franceses e de recuo no apoio das autoridades espanholas, que passam a censurar fortemente as obras de ex-jesuítas, a que chama de contracção (1789-1798). E por último um período de descontrole e decadência (1798-1816), com o regresso dos ex-jesuítas a Espanha de 1798 e nova expulsão quatro anos mais tarde, já sem contar com as convulsões bélicas da Europa Napoleónica, terminando com uma certa divisão dos ex-jesuítas, após a restauração da Companhia em 1814.

Pena foi que Astorgano utilizasse esta periodização apenas para os jesuítas espanhóis e não procurasse estabelecer um similar enquadramento para os jesuítas portugueses que viveram num quadro histórico substancialmente distinto.

Prossegue, Astorgano, com uma abordagem às motivações que estiveram na base da elaboração da Biblioteca Jesuítico-Española, dizendo que, apesar de se ter perdido o seu prólogo, onde seguramente o seu autor daria as razões da sua redacção, Hervás sentira necessidade de salvar e dar a conhecer a produção literária dos ex-jesuítas, que correria sérios riscos de cair no esquecimento. Outra finalidade da obra, seria também a de divulgar e satisfazer a curiosidade dos seus compatriotas, desejosos de saber o que faziam e a que se dedicavam os exilados espanhóis.

As dificuldades sentidas por Hervás para elaborar a Biblioteca Jesuítico-Española, ligaram-se sobretudo às circunstâncias de dispersão em que se achavam confinados os exilados (com especial relevo para os portugueses, como ele mesmo nos dirá) e às convulsões revolucionárias que ainda sacudiam a Europa nos anos de 1793 e 1794, somadas às dificuldades editoriais, de que nos dá minuciosa conta.

Importante referir ainda que a Biblioteca Jesuítico-Española se acha em estreita relação com outros reportórios de relevo, coevos ou posteriores, como sejam a Bibliothèque de la Compagnie de Jesús, da autoria de Sommervogel-Backer, a Biblioteca de escritores de la Compañia de Jesus pertenecientes a la antigua Asistencia de España desde los origenes hasta el año de 1773, da autoria de José Eugenio Uriarte e Mariano Lecina, a Bibliografia de Autores Españoles del Siglo XVIII, de Francisco Aguilar Piñal, ou a obra de referência de Miguel Batllori, La cultura hispano-italiana dos jesuítas expulsos. Estas obras serão, aliás, constantemente utilizadas por Astorgano nas notas criticas com que vai cotejando as publicações e seus autores referidos por Hervás.

Seguidamente, o editor da Biblioteca Jesuítico-Española, procura quantificar os ex-jesuitas tratados ao longo da obra de Hervás e fazer uma análise de dados que ajude a estabelecer uma classificação geográfica da produção literária dos jesuítas espanhóis expulsos, segundo províncias (com tábuas resumo da produção distribuída por províncias) e uma classificação temática da produção literária dos jesuítas espanhóis expulsos, segundo as suas «profissões» (com tábua resumo das principais profissões).

A Biblioteca Jesuítico-Española, conclui Astorgano, revela-se ainda como uma fonte bio-bibliografica de grande importância para conhecer a relevância da figura de Hervás, no panorama global dos refugiados, e as inter-relações que estabelecia com os outros refugiados, que procurou, dentro dos seus condicionalismos proteger e favorecer. Teve ainda papel preponderante como impulsionador da actividade literária e científica dos seus ex-companheiros, constituindo-se como figura de referência e verdadeiro líder entre os ex-jesuítas.




ArribaAbajo A Obra de Hervás

A publicação do manuscrito de Hervás, que no seu original se compunha de dois volumes, vem, como já referimos, profusamente enriquecida por abundante informação biográfica complementar. Tem o editor, particular cuidado em inserir longas e circunstanciadas notas de rodapé, com especial atenção àqueles autores que não foram objecto de tanta atenção por parte de Hervás.

Aquilo que corresponderia ao primeiro volume, no manuscrito, corresponde na presente edição a mais de 450 páginas (das pp. 93 a 560) e abarca o chamado 1º Catálogo Alfabético por Apelidos de Jesuítas com obras impressas, onde o autor resenha um total de 264 autores.

O segundo volume, no manuscrito, vai da página 565 a 764 e, como informa Hervás, nele se contem três catálogos de escritores e «noticias dos manuscritos que de escritores espanhóis há em sete bibliotecas insignes de Roma». Na prática esses três catálogos referem-se ao catalogo II, de jesuítas espanhóis sem obra publicada (das pp. 567 a 698) ao catalogo III, de Escritores Portugueses (699-740) e ao catalogo IV, de Escritores estrangeiros de obras impressas, estabelecidos em Espanha (741-764).

A estrutura é quase sempre semelhante, após nomear o autor, procura dar alguns dados biográficos, maiores ou menores, conforme a informação disponível, e a lista das obras que escreveu.




Arriba Contributo da Biblioteca Jesuítico-Española para a história dos Exilados Portugueses

A produção literária dos ex-jesuitas portugueses é tratada, como vimos no 3º catálogo, e abrange um grupo de 40 autores. O reportório português acha-se devidamente introduzido, como veremos, e abarca 40 páginas da obra, da página 699 a 740. Neste capitulo ressalta, desde logo, o grande relevo que é dado à figura do Padre Manuel de Azevedo, cuja entrada ocupa 14 páginas. Trata-se evidentemente de uma figura impar de humanista, liturgista e escritor e a sua vida e obra foi recentemente objecto de estudo numa tese de doutoramento3.

Mas outras grandes figuras serão tratadas como é o caso do famoso filósofo e matemático, Padre Inácio Monteiro4, professor na Universidade de Ferrara e quiçá o maior filósofo e matemático português do século XVIII; do último professor da Aula da Esfera do Colégio de Santo Antão, Padre Eusébio da Veiga5, matemático, geógrafo e astrónomo, protegido pela nobre duque de Sermoneta, Francesco Gaetani, que o nomeou director do Observatório Astronómico que havia instalado no seu palácio e falecido em Santo António dos Portugueses, em Roma, onde era capelão, em 17986; do engenheiro hidráulico, Padre Estêvão Cabral, que chamado a Portugal, pelos seus conhecimentos de hidrostática, foi encarregado pela corte do encanamento do Mondego, falecendo em Lisboa em 1811; ou ainda do escritor e apologeta, Padre José Caeiro, autor da volumosa obra História da Expulsão da Companhia de Jesus de Portugal, etc.

Para a história dos jesuítas portugueses exilados, a publicação deste inédito setecentista, reveste-se, pois, de especial interesse, tanto mais pela rica informação que nos fornece, quanto pela dificuldade de reconstituição da vida e actividade dos cerca de 1100 exilados portugueses, com que se debate o historiador, motivada, como nos diz o próprio Hervás, pela «summa dispersión de ellos y la vida totalmente retirada, que han tenido»7. De facto se compararmos o percurso dos jesuítas portugueses exilados com os dos seus vizinhos espanhóis ressaltam logo três diferenças substanciais:

a) Os exilados portugueses sofreram o desterro mais longo, desde 1759, ano da expulsão pombalina, do qual a esmagadora maioria nunca regressou (o último morre na cidade de Urbânia, em Itália, em 1824). Num total de 1092, possuímos notícia apenas de 39 repatriados no período da chamada Viradeira, após a morte do rei D. José, em 1777 e com a subida ao trono de D. Maria I, A Piedosa. O próprio Hervás dá conta dessa diferença, quando referindo-se aos exilados portugueses lembra que «a los españoles precedieron en la expulsión de sus respectivos dominios y en el arribo a Italia»8. Por seu turno os exilados espanhóis, sofreram o desterro desde 1767, por ordem de Carlos III, acaudatado pelo seu omnipotente ministro, o Conde de Aranda e puderam regressar em 1798, ainda que com restrições, graças à abertura de Manuel de Godoy, primeiro ministro de Carlos IV (de 1792 a 1808). Novamente expulsos em 1801, a maioria dos sobreviventes regressou de novo a Espanha, em 1816.

b) Os exilados espanhóis receberam desde o primeiro momento uma pensão, ainda que escassa, do seu soberano, que lhes permitiu viver de modo mais desafogado e que chegou mesmo a ser duplicada para os jesuítas escritores. Já no que se refere aos exilados portugueses, viveram no período que vai de 1759 a 1779, totalmente desprovidos de qualquer apoio monetário da parte dos soberanos portugueses, tendo que se defender dos mais variados modos, recorrendo a todo o tipo de expedientes para obter o sustento necessário. Apenas em 1779, por intermédio do Conde da Ericeira, a Rainha D. Maria I, atribuirá um subsídio régio de 100 mil cruzados, para ser distribuído pelos mais de 500 ex-jesuítas sobreviventes. Este subsídio, mal administrado por encarregados desonestos, será suspenso, com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 1808. Desta situação dá conta o próprio Hervás quando refere na introdução à referida Catalogo III, dizendo: «Las miserias, calamidades y desgracias, que la colonia de jesuitas portugueses padeció en su expulsión y la vida trabajosa que, después de ella, ha tenido por muchos años, hicieron perecer prontamente a muchos de ellos y a no pocos ocasionaron falta de salud, por lo que ellos, llegados a Italia, debieron pensar y ocuparse más en trabajar para vivir que en estudios literarios para instrucción propia o de otros. No obstante estas lamentables circunstancias, que suelen ser incompatibles con la profesión literaria, en esta se han distinguido algunos jesuitas portugueses9.

c) Os exilados espanhóis viveram unidos e cultivando laços de solidariedade e em permanente comunicação, como o próprio Astorgano refere10 e a sua permanência nos Estados da Igreja, após os desmandos do seu difícil desembarque, concentrou-se sobretudo em oito cidades pontifícias (Bolonha, Cesena, Imola, Faenza, Ferrara, Forlí, Ravenna, Rimini). Os exilados portugueses, por seu turno conheceram a já aludida «summa dispersión», de que fala Hervás, quando refere «La suma dispersión de ellos y la vida, totalmente retirada, que han tenido, me han dificultado la noticia, no solamente de sus manuscritos y obras impresas, mas también del carácter de los escritores. De algunos de ellos solamente he podido saber la pura existencia, por lo que no dudo que se me ocultará la noticia de algunos escritores y de no pocas producciones literarias o manuscritas de los autores que cito»11. Se até 1768 vivem concentrados em Roma (nos «convittos» do Trastevere, Gesù, Palácio Sora e Palácio Inglês) e nas villas da região dos Castelos Romanos, de Castelgandolfo, Frascati e Tivoli, após essa data fica um grupo menor em Roma e arredores e os restantes dispersam por inúmeras cidades e aldeias dos territórios mais remotos dos Estados Pontifícios.

De facto, em 1779, numa relação elaborada por D. Henrique de Meneses, Conde da Ericeira12, pode constatar-se que o número total de Ex-Jesuítas portugueses já reduzira para metade (por óbito dos restantes durante o reinado de D. José) e é já apenas de 522. Os grupos mais numerosos achavam-se nos designados «hospícios» ou «convittos» de Urbania, nas Marcas (91 sacerdotes e 15 leigos), de Pesaro, na mesma província (75 sacerdotes e 23 leigos), do Trastevere, em Roma (65 sacerdotes e 17 leigos), na villa Rufinella, em Frascati (50 sacerdotes e 17 leigos), em Tivoli (8 sacerdotes) e na Casa Professa do Gesù, em Roma (com 5 sacerdotes e 7 leigos).

Mas para além destes encontramos espalhados por diversos lugares dos Estados Pontifícios mais 132 ex-jesuítas, com grupos mais numerosos em Bolonha (10 sacerdotes e 2 leigos), Ferrara (7 sacerdotes e 1 leigo), Roma (11 sacerdotes dispersos por diversos ministérios, dois sacerdotes e dois leigos fora dos Hospícios e um internado na casa dos doidos), Imola (seis sacerdotes), Ravenna (seis sacerdotes), Cesena (cinco sacerdotes), Spoleto (dois sacerdotes e um leigo) e Ancona (três sacerdotes) especialmente ocupados como mestres nos colégios que a Companhia tinha nestas cidades. Mas muitos achavam-se isolados ou aos pares em mais de 40 povoações: Bagnacavallo, Cotignola, Viterbo, Ascoli, Fabriano, Fano, Cento, Rimini, Faenza, Forlí, Bertinoro, Macerata, Castelcellese, Colognola, Castelrigone, Govignano, Osimo, Nocera, Todi, Peruggia, Cascia, Norcia, Tarfa, Civitanuova, Orvieto, Ferni, Orticole, Farano, Roccantica, Licenza, Poggiomerleto, Cervetri, Fiano, Riofreddo, Bracciano, Isola Farnese, Castelgandolfo, Génova, Veneza, Civitavecchia, Città di Castello, Sellano, Stimilfano e Monteleone.

O exílio de funções e suma dispersão a que se viu forçado este grupo de homens com a expulsão de Portugal (em 1759) e de Espanha (em 1767) e depois supressão da Companhia (em 1773) encontra nesta obra uma possibilidade de resgate. Homens hábeis, muitos ocupando postos de relevo no âmbito pedagógico, académico, científico, ou mesmo político, viram-se no longo exílio por que passaram, impossibilitado de uma efectiva intervenção nos assuntos do mundo, tendo que se conformar com serem mestres escola, párocos, capelães de nobres e professores em pobres seminários de província. É fácil pressentir a angústia desta destituição. A situação de um desperdício. O trazer à luz alguma da sua produção literária é sem sombra de dúvida uma operação de resgate daquilo que, mesmo em condições adversas, foram capazes de produzir.

Concluímos esta recensão, regozijando-nos com a publicação desta obra bio-bibliográfica, que vem trazer um pouco mais de luz sobre a vida obscura e escondida que teve esta massa de homens, esperando que a sua leitura possa servir de pista para posteriores pesquisas, num conhecimento cada vez mais exacto da longa saga jesuítica setecentista.





 
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