Broquéis
João da Cruz e Sousa
Seigneur, mon Dieu! acordez-moila grace de produire quelquesbeaux vers qui me prouventà moi-même que je ne suis pas ledernier des hommes, que jene suis pas inferieur à ceux queje méprise.
Baudelaire
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
Formas do Amor, constelarmente puras,
5
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
10
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis,
soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
15
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
20
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
25
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
30
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas
correntezas...
Cristais diluídos de clarões álacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
35
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
40
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...
Num cortejo de cânticos alados
5
Os arcanjos, as cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal, límpido e leve,
10
Ondas nevoentas de Visões levanta...
E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...
Nesse lábio mordente e convulsivo,
5
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passa, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo...
Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
10
Das flamejantes atrações do gozo.
Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso...
Tua boca voraz se farta e ceva
5
Na carne e espalhas o terror maldito,
O grito humano, o doloroso grito
Que um vento estranho para os limbos leva.
Báratros, criptas, dédalos atrozes
Escancaram-se aos tétricos, ferozes
10
Uivos tremendos com luxúria e cio...
Ris a punhais de frígidos sarcasmos
E deve dar congélidos espasmos
O teu beijo de pedra horrendo e frio!...
As Águias imortais da Fantasia
5
Deram-te as asas e a serenidade
Para galgar, subir à Imensidade
Onde o clarão de tantos sóis radia.
Do espaço pelos límpidos velinos
Os Astros vieram claros, cristalinos,
10
Com chamas, vibrações, do alto, cantando...
Dos santos óleos do luar envolto
Teu corpo era o Astro nas esferas solto,
Mais Sóis e mais Estrelas fecundando!
Quisera ser a serpe veludosa
5
Para, enroscada em múltiplos novelos,
Saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
E babujá-los e depois mordê-los...
Talvez que o sangue impuro e flamejante
Do teu lânguido corpo de bacante,
10
Da langue ondulação de águas do Reno
Estranhamente se purificasse...
Pois que um veneno de áspide vorace
Deve ser morto com igual veneno...
Nas flóridas searas ondulosas,
5
Cuja folhagem brilha fosforeada,
Passam sombras angélicas, nivosas,
Lua, Monja da cela constelada.
Filtros dormentes dão aos lagos quietos,
Ao mar, ao campo, os sonhos mais secretos,
10
Que vão pelo ar, noctâmbulos, pairando...
Então, ó Monja branca dos espaços,
Parece que abres para mim os braços,
Fria, de joelhos, trêmula, rezando...
Ó Cristos de altivez intemerata,
5
Ó Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.
Cristos de pedra, de madeira e barro...
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
10
Amortalhado nas fatais injúrias...
Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxúrias!...
Tantas guerras bizarras e incoercíveis
5
No tempo e tanto, tanto imenso afeto,
São para vós menos que um verme e inseto
Na corrente vital pouco sensíveis.
No entanto nessas guerras mais bizarras
De sol, clarins e rútilas fanfarras,
10
Nessas radiantes e profundas guerras...
As minhas carnes se dilaceraram
E vão, das llusões que flamejaram,
Com o próprio sangue fecundando as terras...
As fascinantes, mórbidas dormências
5
Dos teus abraços de letais flexuras,
Produzem sensações de agres torturas,
Dos desejos as mornas florescências.
Braços nervosos, tentadoras serpes
Que prendem, tetanizam como os herpes,
10
Dos delírios na trêmula coorte...
Pompa de carnes tépidas e flóreas,
Braços de estranhas correções
marmóreas,
Abertos para o Amor e para a Morte!
Branca, do alvor das âmbulas sagradas
E das níveas camélias regeladas.
Das brancuras de seda sem desmaios
5
E da lua de linho em nimbo e raios.
Regina Coeli das sidéreas flores,
Hóstia da Extrema-Unção de tantas
dores.
Ave de prata e azul, Ave dos astros...
Santelmo aceso, a cintilar nos mastros...
10
Gôndola etérea de onde o Sonho emerge...
Água Lustral que o meu Pecado asperge.
Bandolim do luar, Campo de giesta,
Igreja matinal gorjeando em festa.
Aroma, Cor e Som das Ladainhas
15
De Maio e Vinha verde dentre as vinhas.
Dá-me, através de cânticos, de rezas,
O Bem, que almas acerbas torna ilesas.
O Vinho d'ouro, ideal, que purifica
Das seivas juvenis a força rica.
20
Ah! faz surgir, que brote e que floresça
A Vinha d'ouro e o vinho resplandeça.
Pela Graça imortal dos teus Reinados
Que a Vinha os frutos desabroche iriados.
Que frutos, flores, essa Vinha brote
25
Do céu sob o estrelado chamalote.
Que a luxúria poreje de áureos cachos
E eu um vinho de sol beba aos riachos.
Virgem, Regina, Eucaristia,
Coeli,
Vinho é o clarão que ao teu Amor impele.
30
Que desabrocha ensangüentadas rosas
Dentro das naturezas luminosas.
Ó Regina do Mar!
Coeli! Regina!
Ó Lâmpada das naves do Infinito!
Todo o Mistério azul desta Surdina
35
Vem d'estranhos Missais de um novo Rito!...
Por caminho aromal, enflorescido,
5
Alvo, sereno, límpido, direito,
Segues, radiante, no esplendor perfeito,
No perfeito esplendor indefinido...
As aves sonorizam-te o caminho...
E as vestes frescas, do mais puro linho
10
E as rosas brancas dão-te um ar nevado...
No entanto, Ó Sonho branco de quermesse!
Nessa alegria em que tu vais, parece
Que vais infantilmente amortalhado!
Sobe, cantando, à limpidez tranqüila
5
Da tu'alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor se perpetua e trila...
Canta e te alaga e se derrama e alaga...
Num rio de ouro, iriante, se propaga
10
Na tua carne alabastrina e pura.
Cintila e canta, na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!
As torres de outras regiões primeiras
5
No Amor, nas Glórias vãs arrebatadas,
Não elevam mais alto, desfraldadas,
Bravas, triunfantes, imortais bandeiras.
São pavilhões das hostes fugitivas,
Das guerras acres, sanguinárias, vivas,
10
Da luta que os Espíritos ufana.
Estandartes heróicos, palpitantes,
Vendo em marcha passar aniquilantes
As torvas catapultas do Nirvana!
Numa evaporação de branca espuma
5
Vão diluindo as perspectivas claras...
Com brilhos crus e fúlgidos de tiaras
As Estrelas apagam-se uma a uma.
E então, na treva, em místicas dormências,
Desfila, com sidéreas lactescências,
10
Das Virgens o sonâmbulo cortejo...
Ó Formas vagas, nebulosidades!
Essência das eternas virgindades!
Ó intensas quimeras do Desejo...
Lembrando as religiões, lembrando os ritos,
5
Avassalara os povos condenados,
Pela treva, no horror, desesperados,
Na convulsão de Tântalos aflitos.
Por buzinas e trompas assoprando
As gerações vão todas proclamando
10
A grande Dor aos frígidos espaços...
E assim parecem, pelos tempos mudos,
Raças de Prometeus titânios, rudos,
Brutos e colossais, torcendo os braços!
Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,
5
À noite, ao luar, intumescer os seios
Lácteos, de finos e azulados veios
De virgindade, de pudor, de pejos...
Sejam carnais todos os sonhos brumos
De estranhos, vagos, estrelados rumos
10
Onde as Visões do amor dormem geladas...
Sonhos, palpitações, desejos e ânsias
Formem, com claridades e fragrâncias,
A encarnação das lívidas Amadas!
Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,
5
Das Idéias as lanças sopesando,
Verás, a pouco e pouco, desfilando
Todos os teus desejos condoreiros...
Imaculado, sobre o lodo imundo,
Há de subir, com as vivas castidades,
10
Das tuas glórias o clarão profundo.
Há de subir, além de eternidades,
Diante do torvo crocitar do mundo,
Para o branco Sacrário das Saudades!
A alta cabeça no esplendor, cingindo
5
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre auréolas de clarões prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo...
Não és, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
10
Que as avalanches da Ilusão governa...
Mas ah! és da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!
Névoas e névoas frígidas ondulam...
5
Alagam lácteos e fulgentes rios
Que na enluarada refração tremulam
Dentre fosforescências, calafrios...
E ondulam névoas, cetinosas rendas
De virginais, de prônubas alvuras...
10
Vagam baladas e visões e lendas
No flórido noivado das Alturas...
E fria, fluente, frouxa claridade
Flutua como as brumas de um letargo...
E erra no espaço, em toda a imensidade,
15
Um sonho doente, cilicioso, amargo...
Da vastidão dos páramos serenos,
Das siderais abóbadas cerúleas
Cai a luz em antífonas, em trenos,
Em misticismos, orações e dúlias...
20
E entre os marfins e as pratas diluídas
Dos lânguidos clarões tristes e enfermos,
Com grinaldas de roxas margaridas
Vagam as Virgens de cismares ermos...
Cabelos torrenciais e dolorosos
25
Bóiam nas ondas dos etéreos gelos.
E os corpos passam níveos, luminosos,
Nas ondas do luar e dos cabelos...
Vagam sombras gentis de mortas, vagam
Em grandes procissões, em grandes alas,
30
Dentre as auréolas, os clarões que alagam,
Opulências de pérolas e opalas.
E a Lua vai clorótica fulgindo
Nos seus alperces etereais e brancos,
A luz gelada e pálida diluindo
35
Das serranias pelos largos flancos...
Ó Lua das magnólias e dos lírios!
Geleira sideral entre as geleiras!
Tens a tristeza mórbida dos círios
E a lividez da chama das poncheiras!
40
Quando ressurges, quando brilhas e amas,
Quando de luzes a amplidão constelas,
Com os fulgores glaciais que tu derramas
Dás febre e frio, dás nevrose, gelas...
A tua dor cristalizou-se outrora
45
Na dor profunda mais dilacerada
E das dores estranhas, ó Astro, agora,
És a suprema Dor cristalizada!...
Por verdes e por báquicos adornos
5
Vai c'roado de pâmpanos venustos
O deus pagão dos Vinhos acres, mornos,
Deus triunfador dos triunfadores justos.
Arcangélico e audaz, nos sóis radiantes,
A púrpura das glórias flamejantes,
10
Alarga as asas de relevos bravos...
O Sonho agita-lhe a imortal cabeça...
E solta aos sóis e estranha e ondeada e espessa
Canta-lhe a juba dos cabelos flavos!
No corpo, de um letárgico quebranto,
5
Corpo de essência fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.
Sente-se o canto errante, as harmonias
Quase apagadas, vagas, fugidias
10
E uns restos de clarão de Estrela acesa...
Como que ainda os derradeiros haustos
De opulências, de pompas e de faustos,
As relíquias saudosas da beleza.
Carne explosiva em pólvoras e fúria
5
De desejos pagãos, por entre assomos
Da virgindade - casquinantes momos
Rindo da carne já votada à incúria.
Votada cedo ao lânguido abandono,
Aos mórbidos delíquios como ao sono,
10
Do gozo haurindo os venenosos sucos.
Sonho-te a deusa das lascivas pompas,
A proclamar, impávida, por trompas,
Amores mais estéreis que os eunucos!
Um luar de pudor, sereno e breve,
5
De ignotos e de prônubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve...
Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
10
Na comunhão das níveas hóstias
frias...
Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volúpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias...
Través o céu mais tórrido, mais
quente,
5
Onde a luz mais flamívoma radia,
A voz dos teus, nostálgica, plangente,
Vibrou, chorou, clamou por ti, Judia!
Ave de melancólicos mistérios,
Ruflaste as asas por Azuis siderios,
10
Ébria dos vícios célebres que salvam...
Para alguns corações que ainda te buscam
És como os sóis que rútilos coruscam
E a torva terra do deserto escalvam!
Murmúrios incógnitos de gruta
5
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões - voz impoluta
De todas as titânicas grandezas.
Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
10
Na luz de eternos sóis glorificadas.
Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vão embora
No poente da Saudade amortalhadas!...
Do teu perfil os tímidos, incertos
5
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.
Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
Uma outra luz de lívidos martírios,
10
De agonias, de mágoa funerária...
E causas febre e horror, frio, delírios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarão dos círios!
Açucena dos vales da Escritura,
5
Da alvura das magnólias marcesáveis,
Branca Via-Láctea das indefiníveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.
Não veio, é certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
10
Tanta luz de luar e paz saudosa...
Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!
A forma delicada e alabastrina
5
Do teu corpo de límpidos arminhos
Tem a frescura virginal dos linhos
E da neve polar e cristalina.
Deslumbramento de luxúria e gozo,
Vem dessa carne o travo aciduloso
10
De um fruto aberto aos tropicais mormaços.
Teu coração lembra a orgia dos
triclínios...
E os reis dormem bizarros e sanguíneos
Na seda branca e pulcra dos teus braços.
Dos olhos divinais no doce abrigo
5
Não tinha laivos de Paixões e ciúmes:
Domadora do Mal e do perigo
Da montanha da Fé galgara os cumes.
Vestida na alva excelsa dos Profetas
Falou na ideal resignação de Ascetas,
10
Que a febre dos desejos aquebranta.
No entanto os olhos d'Ela vacilavam,
Pelo mistério, pela dor flutuavam,
Vagos e tristes, apesar de Santa!
Tardes para quebrantos e surdinas
5
E salmos virgens e cantos
De vozes celestiais, de vozes finas
De surdinas e quebrantos...
Quando através de altas vidraçarias
De estilos góticos, graves,
10
O sol, no poente, abre tapeçarias,
Resplandecendo nas naves...
Tardes augustas, bíblicas, serenas,
Com silêncio de ascetérios
E aromas leves, castos, de açucenas
15
Nos claros ares sidéreos...
Tardes de campos repousados, quietos,
Nos longes emocionantes...
De rebanhos saudosos, de secretos
Desejos vagos, errantes...
20
Ó Tardes de Beethoven, de sonatas,
De um sentimento aéreo e velho...
Tardes da antiga limpidez das pratas,
De Epístolas do Evangelho!...
Ah! que agonia tenebrosa e ardente!
5
Que convulsões, que lúbricos anseios,
Quanta volúpia e quantos bamboleios,
Que brusco e horrível sensualismo quente.
O ventre, em pinchos, empinava todo
Como reptil abjeto sobre o lodo,
10
Espolinhando e retorcido em fúria.
Era a dança macabra e multiforme
De um verme estranho, colossal, enorme,
Do demônio sangrento da luxúria!
Brancura virgem do cristal das frases,
5
Neve serena das regiões alpinas,
Willis juncal de mãos alabastrinas,
De fugitivas correções vivazes.
Floresces no meu Verso como o trigo,
O trigo de ouro dentre o sol floresce
10
E és a suprema Religião que eu sigo...
O Missal dos Missais, que resplandece,
A igreja soberana que eu bendigo
E onde murmuro a solitária prece!...
Raro perfil de mármores exatos,
5
Os olhos de astros vivos que flamejam,
Davam-lhe o aspecto excêntrico dos cactus
E esse alado das pombas, quando adejam...
Radiava nela a incomparável messe
Da saúde brotando vigorosa,
10
Como o sol que entre névoas resplandece,
Por entre a fina pele cor-de-rosa.
Era assim luminosa e delicada,
Tão nobre sempre de beleza e graça
Que recordava pompas de alvorada,
15
Sonoridades de cristais de taça.
Mas, pouco a pouco, a ideal delicadeza
Daquele corpo virginal e fino,
Sacrário da mais límpida beleza,
Perdeu a graça e o brilho diamantino.
20
Tísica e branca, esbelta, frígida e alta
E fraca e magra e transparente e esguia,
Tem agora a feição de ave pernalta,
De um pássaro alvo de aparência fria.
Mãos liriais e diáfanas, de neve,
25
Rosto onde um sonho aéreo e polar flutua,
Ela apresenta a fluidez, a leve
Ondulação da vaporosa lua.
Entre vidraças, como numa estufa,
No inverno glacial de vento e chuva
30
Que sobre as telhas tamborila e rufa,
Vejo-a, talhada em nitidez de luva...
E faz lembrar uma esquisita planta
De profundos pomares fabulosos
Ou a angélica imagem de uma Santa
35
Dentre a auréola de nimbos religiosos.
A enfermidade vai-lhe, palmo a palmo,
Ganhando o corpo, como num terreno...
E com prelúdios místicos de salmo
Cai-lhe a vida em crepúsculo sereno.
40
Jamais há de ela ter a cor saudável
Para que a carne do seu corpo goze,
Que o que tinha esse corpo de inefável
Cristalizou-se na tuberculose.
Foge ao mundo fatal, arbusto débil,
45
Monja magoada dos estranhos ritos,
Ó trêmula harpa soluçante,
flébil,
Ó soluçante, flébil eucaliptos...
Possuis do mar o deslumbrante afeto,
5
As dormências nervosas e o sombrio
E torvo aspecto aterrador, bravio
Das ondas no atro e proceloso aspecto.
Num fundo ideal de púrpuras e rosas
Surges das águas mucilaginosas
10
Como a lua entre a névoa dos espaços...
Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços...
Carnes virgens e tépidas do Oriente
5
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente...
Passei, dilaceradas pelos zelos,
Através dos profundos pesadelos
10
Que me apunhalam de mortais horrores...
Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em dores...
Todos os mais recônditos martírios,
5
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lírios,
Num trêmulo de frases inaudito.
Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos d'estranhos, místicos enleios,
10
Já nas Mágoas estão divinizados.
Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.
Ânsias mortais, angústias que palpitam,
5
Vãs dilacerações de um sonho esquivo,
Perdido, errante, pelos céus, que fitam
Do alto, nas almas, o tormento vivo.
Vãs dilacerações de um Sonho estranho,
Errante, como ovelhas de um rebanho,
10
Na noite de hóstias de astros constelada...
Errante, errante, ao turbilhão dos ventos,
Sentimentos carnais, vãos sentimentos
De chama pelos tempos apagada...
Era um som feito luz, eram volatas
5
Em lânguida espiral que iluminava,
Brancas sonoridades de cascatas...
Tanta harmonia melancolizava.
Filtros sutis de melodias, de ondas
De cantos volutuosos como rondas
10
De silfos leves, sensuais, lascivos...
Como que anseios invisíveis, mudos,
Da brancura das sedas e veludos,
Das virgindades, dos pudores vivos.
Sacrários virgens, sacrossantas urnas,
5
Os céus resplendem de sidéreas rosas,
Da Lua e das Estrelas majestosas
Iluminando a escuridão das furnas.
Ah! por estes sinfônicos ocasos
A terra exala aromas de áureos vasos,
10
Incensos de turíbulos divinos.
Os plenilúnios mórbidos vaporam...
E como que no Azul plangem e choram
Cítaras, harpas, bandolins, violinos...
Flor de sangue, talvez, e flor dolente
5
De uma paixão espiritual de artista,
Flor de Pecado sentimentalista
Sangrando em riso desdenhosamente.
Da alma sombria de tranqüilo asceta
Bebeste, entanto, a morbidez secreta
10
Que a febre das insânias adormece.
Mas no teu lábio convulsivo e mudo
Mesmo até riem, com desdéns de tudo,
As sílabas simbólicas da Prece!
Pelos raios fluídicos, diluentes
5
Dos Astros, pelos trêmulos velários,
Cantam Sonhos de místicos templários,
De ermitões e de ascetas reverentes...
Cânticos vagos, infinitos, aéreos
Fluir parecem dos Azuis etéreos,
10
Dentre os nevoeiros do luar fluindo...
E vai, de Estrela à Estrela, à luz da Lua,
Na láctea claridade que flutua,
A surdina das lágrimas subindo...
Luxúria deslumbrante e aveludada
5
Através desse mármore maciço
Da carne, o meu olhar nela espreguiço
Felinamente, nessa trança ondeada.
E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
10
Dentre a vertigem túrbida dos zelos.
És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!...
Quando as níveas Estrelas invioláveis,
5
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.
Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
10
Pés e faces e mãos e olhos gelados...
Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!
Alta, feita no talhe das palmeiras,
5
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas,
Lembra ter asas e asas condoreiras.
Pássaros, astros, cânticos, incensos
Formam-lhe auréolas, sóis, nimbos imensos
10
Em torno à carne virginal e rara.
Alda faz meditar nas monjas alvas,
Salvas do Vício e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
5
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta
clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
10
Nessas macabras piruetas d'aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
Serenidades etereais d'incensos,
5
De salmos evangélicos, sagrados,
Saltérios, harpas dos Azuis imensos,
Névoas de céus espiritualizados.
Ângelus fluidos, de luar dormente,
Diafaneidades e melancolias...
10
Silêncio vago, bíblico, pungente
De todas as profundas liturgias.
É nas horas dos Ângelus, nas horas
Do claro-escuro emocional aéreo,
Que surges, Flor do Sol, entre as sonoras
15
Ondulações e brumas do Mistério.
Surges, talvez, do fundo de umas eras
De doloroso e turvo labirinto,
Quando se esgota o vinho das Quimeras
E os venenos românticos do absinto.
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Apareces por sonhos neblinantes
Com requintes de graça e nervosismos,
Fulgores flavos de festins flamantes,
Como a Estrela Polar dos Simbolismos.
Num enlevo supremo eu sinto, absorto,
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Os teus maravilhosos e esquisitos
Tons siderais de um astro rubro e morto,
Apagado nos brilhos infinitos.
O teu perfil todo o meu ser esmalta
Numa auréola imortal de formosuras
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E parece que rútilo ressalta
De góticos missais de iluminuras.
Ressalta com a dolência das Imagens,
Sem a forma vital, a forma viva,
Com os segredos da Lua nas paisagens
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E a mesma palidez meditativa.
Nos êxtases dos místicos os braços
Abro, tentado de carnal beleza...
E cuido ver, na bruma dos espaços,
De mãos postas, a orar, Santa Teresa!...
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Que outros se lembrem dos sutis e exatos
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Traços, que hoje não lembro e não revelo
E se recordem, com profundo anelo,
Da tua voz de siderais contatos...
Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrantos,
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Linhas, perfil e tanta dor saudosa.
Tanto martírio, tanta mágoa e pena,
Precisaria de uma luz serena,
De uma luz imortal maravilhosa!...
Aladas alegrias sugestivas
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De asa radiante e branca de albornozes,
Tribos gloriosas, fúlgidas, altivas,
De condores e de águias e albatrozes...
Espiritualizai nos Astros louros,
Do sol entre os clarões imorredouros
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Toda esta dor que na minh'alma clama...
Quero vê-la subir, ficar cantando
Na chama das Estrelas, dardejando
Nas luminosas sensações da chama.
II
Canções, leves canções de
gondoleiros,
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Canções do Amor, nostálgicas baladas,
Cantai com o Mar, com as ondas esverdeadas,
De lânguidos e trêmulos nevoeiros!
III
Tritões marinhos, belos deuses rudes,
Divindades dos tártaros abismos,
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Vibrai, com os verdes e acres eletrismos
Das vagas, flautas e harpas e alaúdes!
IV
Ó Mar supremo, de flagrância crua,
De pomposas e de ásperas realezas,
Cantai, cantai os tédios e as tristezas
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Que erram nas frias solidões da Lua...
De ironias o momo picaresco
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Abre-lhe a boca e uns dentes de ferrugem,
Verdes gengivas de ácida salsugem
Mostra e parece um Sátiro dantesco.
Mas ninguém nota as cóleras horríveis,
Os chascos, os sarcasmos impassíveis
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Dessa estranha e tremenda Majestade.
Do torvo deus hediondo, atroz, nefando,
Senil, que embora, rindo, está chorando
Os Noivados em flor da Mocidade!
Rolos d'incensos alvadios, finos
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E transparentes, fúlgidos, radiantes,
Que elevam-se aos espaços, ondulantes,
Em Quimeras e Sonhos diamantinos.
Relembrando turíbulos de prata
Incensos aromáticos desata
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Teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos.
Claros incensos imortais que exalam,
Que lânguidas e límpidas trescalam
As luas virgens dos teus seios brancos.
Há prelúdios e cânticos e trenos
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Tristes, nos ares ermos, solitários...
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões,
venenos...
Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
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Sensações sepulcrais de larvas frias...
Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisíveis
Com o tóxico das cóleras sombrias...
Tortura eterna
Impotência cruel, ó vã tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, ó luta secular, insana!
Que tu não possas, Alma soberana,
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Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.
Que tu não possas, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
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Por entre as chamas, os clarões supernos.
Ó Sons intraduzíveis, Formas, Cores!...
Ah! que eu não possa eternizar as dores
Nos bronzes e nos mármores eternos!