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No mesmo ninho nascidos

haviam lindos pombinhos,

e o seu ninho começaram

entre copados raminhos.

No ninho, sob o arvoredo,
5

gemia a saudosa amante.

enquanto que o triste amado,

vagava dela distante.

Laço cruel aqui armado

o inocentinho esperava;
10

caiu na falsa arapuca,

que ele sequer suspeitava.

A triste da companheira

lá do arvoredo o chamando,

ternos ais, ternos gemidos
15

ia do peito soltando.

E já preso na gaiola

o seu amante gemia;

da ausência o cruel efeito

por seu martírio sentia.
20

A amante deixando o ninho

por toda a parte o buscava,

e depois para o seu ninho

inda mais triste tornava.

Saudoso da cara amante,
25

pela qual inda gemia,

o triste do desgraçado

já na gaiola morria.

E ela também sentida,

lamentando-se da sorte,
30

debatia-se ansiosa

nas agonias da morte.

Por que estava o triste preso,

longe de sua metade?11

Que delito cometera
35

A perder a liberdade?

Ah neste quadro contemplo,

Dirceu, a nossa existência!

tu sofres, eu também sofro

tão injusta violência!
40


Sempre a teu lado

vivi ditosa,

fui venturosa

e mui feliz;

porém agora,
5

de ti distante,

por ser constante

vivo infeliz!

E tu padeces

duro tormento,
10

vil sofrimento

nessa prisão;

a cada passo

teu compassado,

tine arrastado
15

negro grilhão.

Nessa masmorra,

que te molesta,

por fina fresta,

só vês a luz;
20

ah tudo isto

a este estado,

tão desgraçado,

só me conduz.

A chave soa,
25

e a porta dura

se abre da escura

forte prisão;

o juiz entra,

indaga o crime,
30

e não te exime

da escravidão.

Sucede a noite

ao triste dia,

sem que alegria
35

tu possas ter;

que triste sina!

Antes da morte

provar o corte,

que assim viver.
40

Em breve o tempo,

trará a morte,

e minha sorte

se findará;

e só destarte
45

a dura pena,

que me envenena

se acabará.


Deusas, que a lira eternizou na terra

tecendo altos louvores

à vossa formosura e gentileza,

aos vossos sãos amores;

ouvi primeiramente os meus suspiros,
5

se vos mereço tanto,

atendei-me depois os tristes rogos,

que vos dirijo em pranto.

Ah pelo meu amante

benignas implorai;
10

os deuses irritados

benignas aplacai!

Safo, que foste em musa convertida,

Safo que tanto amaste,

ah tu que sabes quanto amor nos custa,
15

que por ele findaste;

Safo divina, atende os meus suspiros;

não corro sem ventura

após amante falso e fementido

que falta à própria jura.
20

Ah pelo meu amante

ajuda-me a implorar;

os deuses irritados

ajuda-me a aplacar.

Ó Beatriz, que foste decantada
25

na lira dos amores,

e na lira divina, que cantara

os infernais horrores;

Beatriz celeste, atende os meus suspiros;

ah também decantada
30

eu fui na sua lira, e minha sina

tornou-me desgraçada!

Ah pelo meu amante

ajuda-me a implorar;

os deuses irritados
35

ajuda-me a aplacar!

Ó Clorinda, que tanto mereceste

por teu peito constante,

que foste celebrada e eternizada

por teu tão grato amante;
40

Clorinda grata, atende os meus suspiros;

também se na sua lira

ele canta de amor, é porque a minha

constância é que lhe inspira.

Ah pelo meu amante
45

ajuda-me a implorar;

os deuses irritados

ajuda-me a aplacar.

Ó Natércia, que deste eterno assunto

ao canto da saudade,
50

com que o grande cantor enchia os ares

da sua soledade;

natércia bela, atende os meus suspiros;

também por mim saudoso

ele geme sem ver a luz do dia
55

em cárcere horroroso.

Ah pelo meu amante

ajuda-me a implorar;

os deuses irritados

ajuda-me a aplacar!
60

Ó Laura, que inda ouves em Vauclusa

as águas repetindo

os versos, que decantam tuas graças,

teu rosto belo e lindo;

Laura ditosa, atende os meus suspiros;
65

tenha eu a ventura

de jazer, como tu, com o terno amante,

na mesma sepultura.

Ah pelo meu amante

ajuda-me a implorar;
70

os deuses irritados

ajuda-me a aplacar!

Deusas, que a lira eternizou na terra

tecendo altos louvores

a vossa formosura e gentileza,
75

aos vossos sãos amores;

ó deuses, atendei os meus suspiros;

se sofrestes outrora,

pranteando de dor e de saudade,

Marília sofre agora.
80

Ah pelo meu amante

benignas implorai;

os deuses irritados

benignas aplacai.


Não só comigo

o duro fado

fero e inimigo

se irou, Dirceu.

      Não só Marília,
5

também Eulina

o seu amante

triste perdeu.

O desgraçado

em vil masmorra,
10

ah malfadado,

por fim morreu.

      Não só Marília,

também Eulina

o seu amante
15

triste perdeu.

Tal desventura

de alguma forma

a mágoa dura

me alívio deu.
20

      Não só Marília,

também Eulina

o seu amante

triste perdeu.

E na lembrança
25

inda conservo

essa esperança,

que ela me deu.

      Não só Marília,

também Eulina
30

o seu amante

triste perdeu.

«O teu amante

ainda vive,

bem que distante
35

ah não morreu!

      Somente Eulina,

e não Marília,

o seu amante

triste perdeu.
40

E brevemente

talvez que volte

ledo e contente

ao peito teu.

      Somente Eulina,
45

e não Marília,

o seu amante

triste perdeu.

Fosse verdade

essa esperança,
50

e realidade

ao peito meu!

      Que só Eulina

e não Marília,

de todo o amante
55

triste perdeu.

Corre, vem dar-me

essa alegria;

vem abraçar-me,

caro Dirceu
60

      que só Eulina,

e não Marília,

de todo o amante

triste perdeu.

Porém, ó sorte,
65

estou mostrando

o peso forte

do grilhão teu

      não só Eulina,

também Marília
70

o seu amante

triste perdeu!»


O sítio onde outrora

alegre passaste

os anos mimosos,

que tanto gozaste,

em triste deserto,
5

Dirceu, se trocou.

      e tua Marília

ah também mudou;

de alegre, que era,

triste se tornou!
10

Disposto a servir-me

levavas meu gado

à fonte mais clara,

à vargem e ao prado;

agora meu gado
15

de fome expirou.

      A tua Marília

ah também mudou;

de alegre, que era,

triste se tornou!
20

Daqueles penhascos

um rio caía,

que vezes sentado

ali não te via;

mas agora o rio
25

de todo secou!

      A tua Marília

ah também mudou;

de alegre, que era,

triste se tornou!
30

Aqui uma moita

crescia de flores,

aqui te assentavas

com os outros pastores;

agora em abrolhos
35

tudo se trocou

      a tua Marília

ah também mudou;

de alegre, que era,

triste se tornou!
40

Aqui se estendia

formosa floresta,

aonde passavas

a tarde e a sesta;

porém o incêndio
45

tudo devastou.

      A tua Marília

ah também mudou;

de alegre, que era,

triste se tornou!
50

O eco que dantes

tua voz repetia,

teus versos amados,

e quanto te ouvia;

sendo a meus suspiros
55

ah já se calou!

      A tua Marília

ah também mudou;

de alegre, que era,

triste se tornou!
60

Os pássaros dantes

aqui revoavam,

seus hinos contentes

aqui entoavam;

mas agora tudo
65

aqui se calou

      a tua Marília

ah também mudou;

de alegre, que era,

triste se tornou!
70

Tão bela que estava

a olaia frondosa,

aonde escrevemos

a jura amorosa;

as folhas largando
75

de toda secou

      só tua Marília

na fé não mudou,

se firme te era,

mais firme ficou.
80


Aos dias, meu Dirceu, sucedem anos,

sem que te veja aos teus restituído,

e dos bens,que roubou-te13 a sorte ímpia,

      de novo enriquecido.

Oh como não desejo ver ainda
5

abertas as janelas da tua herdade,

e tu gozando ao lado dos amigos

      da tua liberdade!

Parece que te vejo vir entrando

por este sítio dantes tão fagueiro,
10

e mal te vê, te desconhece e late

      o teu fiel rafeiro.

Porém mal pelo nome teu lhe14 chamas

as orelhas bate, a cauda abana;

uiva, e salta, e te lambe os brancos dedos,
15

      com grande festa insana.

Lá vem correndo dos confins do campo,

ou daquela sonora fontezinha,

as brancas ovelhinhas, porque ouvem

      a tua sanfoninha.
20

Aquela vaca com tardio passo

vem inda a verde relva mastigando;

a boca, que de negro e branco é tinta,

      fumaça vem lançando.

Pára ante ti e a cabeça abaixa,
25

suspende a cauda no quadril burnido;

tu lhe corres a mão de levemente

      sobre o pêlo luzido.

Porém ao longe muge a bezerrinha,

ela responde-lhe também mugindo;
30

com a tosca língua a branca mão te lambe

      e pronta vai seguindo.

Aqui te felicitam, te cortejam

os pobres pegureiros e pastores,

e torna a repetir o eco vizinho
35

      o canto dos amores.

É um sonho, Dirceu, de um doce sono,

do qual me acorda a atroz diversidade,

porém que ainda pode converter-se

      em uma realidade.
40


Ah que tu gemes

nessa masmorra

de mágoa e dor;

ah que eu suspiro

na minha aldeia,
5

ah que eu deliro,

porém de amor!

Aí procuras

doces lembranças

do que passou;
10

e eu ante as cenas

destas campinas,

cruentas penas

sofrendo estou.

Lá na masmorra
15

fechas os olhos,

que é tudo horror;

e eu suspiro

triste e aflita,

que este retiro
20

recorda amor.

A meiga Hero

porque se esqueça

do seu pesar,

chorando a sorte
25

do caro amante

a dura morte

soube afrontar.

Eu inda vivo,

que inda a esperança
30

me não deixou;

mas isto é vida?

Ah desgostosa

aborrecida

morrendo vou.
35


Dirceu, que pensas

da tua amante,

que ela de rir-se

e de alegrar-se

tenha um instante?
5

Assaz me aflijo

da tua sorte,

e aos Deuses peço

a meu alívio

rápida morte.
10

Ah nem me é dado

ao meu discurso,

ao triste pranto,

a dor cruenta

dar livre curso.
15

Pesar contínuo

sofre meu peito,

que da tua ausência

ocultamente

sente o efeito.
20

Choro às ocultas,

sofro em segredo,

gemo sozinha,

como o proscrito

em seu degredo.
25

Ah também dantes

o meu sorriso,

por imperfeito

mal me traía

do rosto o siso.
30

Também a vista

era furtiva,

e só de ver-te

dentro em mim mesmo

ficava altiva.
35

Mas minha sina

e desventuras

fizeram amar-te,

por que eu sofresse

tais amarguras.
40

Mas fica certo

desta verdade,

de que agora

bem te assegura

minha saudade:
45

«Não mais queixumes

farei constante;

sofrerei tudo

por teu respeito

que sou tua amante.»
50


Se há desgostos, Dirceu, é a lembrança

dos bens que já gozamos16 neste mundo,

      quando a desgraça avança;

assim ao me lembrar dos tenros anos,

não sei como de mágoa não sucumbo,
5

      a tão cruentos danos.

Ah tudo me recorda os belos dias,

nossas venturas cheias de esperanças,

      e nossas alegrias;

não é a memória que me está lembrando,
10

são objetos que os meus tristes olhos

      estão só divisando.

Saio à janela, saio descuidada,

e sem que o queira logo dou com a vista

      em tua morada,
15

que me vem recordar passados dias

em que as horas gastavas em esperar-me,

      até que enfim me vias.

Vejo a floresta cheia de pinheiros,

onde passamos juntos sossegados
20

      mil dias prazenteiros;

vejo o rio que inda se despenha

com murmúrio sentido e malformado

      da alcantilada penha.

Tudo mudou-se em triste desventura;
25

trocaram-se os momentos preciosos

      de nossa sã ventura,

que tudo muda o tempo e muda a sorte,

porém dele a lembrança tão saudosa

      mudar só pode a morte.
30


Aqui me chegaram

aos tristes ouvidos

uns ternos gemidos,

e vi que eram teus;

aqui os conservo,
5

conservo nos peitos,

em laços estreitos,

unidos aos meus.

E Dirceu pensava

que eles desprezados,
10

ou mal abrigados

haviam de ser;

que importa a injustiça,

que importam teus ferros?

Quais foram teus erros
15

para os merecer?

Tu mesmo me dizes,

e já me dizias

nos felizes dias

de nossa união:
20

«Os crimes desonram

se são existentes,

mas os inocentes

infames não são.»

Mas fosses culpado
25

que inda te amaria,

e me inflamaria

no fogo de amor;

mas és inocente,

tua sorte deploro,
30

e aos Deuses imploro

com todo o fervor.

Em uma masmorra

são noites teus dias;

tuas alegrias
35

contínuo pesar;

porém tal estado,

tal padecimento,

tanto sofrimento,

não devem durar.
40

E eu sem que viva

em duros desterros,

sem sofrer teus ferros

não estou a gemer?

Mas sempre à esperança
45

tenho o peito aberto,

e ainda liberto

te hei de cedo ver.

Sofre, mas espera

e espera, que um dia,
50

de grande alegria

nos há de inda vir;

e então estes braços,

Dirceu inocente,

alegre e contente
55

te hei de eu abrir.


      Ah que nem eu possua

      a lira, que pulsada

      a famosa cidade

      viu logo edificada!

Vinham de longe os penedos duros
5

a escutar de mais perto os sons divinos,

a formar os robustos, longos muros.

      Ah que nem sequer tenha

      a sonora lira,

      que os rios suspendera,
10

      que os troncos atraíra,

e os feros, bravos brutos amansara,

que extraindo das cordas sons celestes

capaz de ações maiores me julgara!

      Não ergueria os muros
15

      à famosa cidade,

      por competir com os vates,

      que teve a antiguidade.

Nem quisera p'ra mim a sua fama,

que o desejado louco amor de glória
20

a inchados peitos vãos somente inflama.

      Não fora ao negro Averno,

      onde soam lamentos,

      onde vagam suspiros,

      gerados por tormentos,
25

a abrandar de Plutão a eterna ira,

e suspender os duros sofrimentos;

assunto mais feliz amor me inspira.

      Ah Dirceu, mais faria!

      teus fados aplacara,
30

      e da infame masmorra

      contente te arrancara!

Aos sons da lira os ferros teus desfeitos,

ficarias então de todo preso

em laços mais suaves e estreitos.
35

      Porém se falha a lira,

      também a não careces,

      que por culpáveis erros

      tais ferros não mereces;

só falha da justiça a diligência,
40

que reta procurasse em ti delitos

para em ti encontrar honra e inocência.


Donde vens, oh passarinho,

que terras atravessaste,

que assim cheio de fadigas

sobre o meu seio chegaste?

Vens de terras tão distantes,
5

vens do Rio de Janeiro!

Ah não me digas que trazes

tristes novas, mensageiro!

De uma masmorra saíste

sim já sei quem enviou-te19,
10

quem estas tristes palavras,

meu passarinho ensinou-te.

Ah volta à tua masmorra,

passarinho sonoroso;

volta para aquele peito,
15

que enviou-te tão saudoso!

Deixa esta triste morada

e passa a ponte primeira,

passa depois a segunda,

passa depois a terceira.
20

Segue, deixa Vila Rica,

e toma do Rio a estrada,

segue a serra, e fatigado

pousa em árvore copada.

Retoma depois o vôo,
25

desce pelas abas dela;

rompe os ares velozmente,

e ganha o porto da Estrela.

E na formosa baía,

de montanhas torneada,
30

ganha e segue sem descanso

a sua triste morada.

Penetra nas grossas grades

e entra a sua masmorra

aonde o triste suspira,
35

sem ter lá quem o socorra.

Dá meu terno passarinho

conta de tua viagem;

e dá-lhe mais, passarinho,

conta de tua mensagem.
40

Dize-lhe como me achaste,

pinta-lhe em pranto meu rosto,

narra-lhe como meu peito

padece cruel desgosto.

E depois, ó passarinho,
45

entoa os teus ternos cantos,

afugenta as suas mágoas,

mitiga seus tristes prantos.


Era alta noite,

e eu suspirava,

e amargo pranto

dos baços olhos

triste soltava.
5

Ouvia ao longe,

zunir o vento,

correr a fonte,

piar o mocho

em seu lamento.
10

E vela acesa

só derramava

luz tão mortiça,

que a escuridade

mais realçava.
15

Eis que a meu lado

sinto um ruído;

depressa os olhos

volto, e conheço

que é o deus Cupido.
20

Com minhas tranças

me enxuga o pranto,

e que não chore,

e não suspire

pede-me entanto.
25

«E por que choras,

por que suspiras,

se aqui te trago

novas do amante

nas novas liras?»
30

Porém meu pranto

mais aumentou-se,

porque ao lê-las

a dor no peito

exacerbou-se.
35

Amor que ouvia

o meu lamento,

também o pranto

soltou, sentido

de meu tormento.
40

«Não me lembrava

que essas notícias,»

me disse ele,

«Te agravariam

por não propícias.
45

Porém não chores,

aos deuses corro;

para salvá-lo

hei-de de todos

ter o socorro.
50

Se me negarem,

em céus e terra

com minha tropa

de Cupidinhos

lhes farei guerra.»
55

Disse, e já longe

se alevantando

nas azasinhas,

foi pelos ares

destro voando.
60

Ah se te vejo

por inocente

livre dos ferros,

e da masmorra,

serei contente!
65

Aqui ditosos

nesta floresta

celebraremos

tal qual não vista

tamanha festa.
70

Que a nossa aldeia

por todo o dia

andará farta

de mil prazeres,

e alegria.
75

Oh que não seja

ele tardonho!

Oh que não fique

tanta ventura

num mero sonho!
80


Teus pulsos denegridos pelos ferros

não me hão incutir, Dirceu, horrores;

apenas lembrarão o infortúnio

      em nossos sãos amores.

Qual mostra o capitão da nau veleira
5

o escapo resto do traquete roto,

quando lutou com as ondas irritadas,

      com o audaz e rijo Noto.

Assim tu mostrarás teus negros ferros;

com o dedo apontarás a vil cadeia,
10

e as paredes escritas de teus versos

      com o fumo da candeia.

Aqui renovarás passados dias;

verei de novo no teu rosto o riso;

dirás inda lembrado da masmorra:
15

      «Estou num paraíso!»

Aqui conversarás com os teus amigos,

as passadas venturas recordando,

novos projetos cheios de esperança,

      nos ares figurando.
20

De novo em torna à rede em que pouzares

assentar-se virão filhos queridos,

para escutar da tua própria boca

      os contos divertidos.

E tu lhe contarás algumas vezes,
25

por que tenho em ti o exemplo claro,

como zomba dos ferros da calúnia

      um coração preclaro.

Cheios de pranto, cheios de ansiedade,

ouvirão os tormentos que sofreste;
30

praguejarão com a mãe a vil calúnia,

      que enfim vencer pudeste.

Depois lhes mostrarás os roxos pulsos

e os lívidos sinais serão beijados;

sobre eles cairão as quentes gotas
35

      dos olhos orvalhados.

Mas tu os abraçando ternamente,

os beijarás também banhado em pranto,

que um coração tão terno e agradecido

      ah não resiste a tanto!
40


Flores, que ides21

assim murchando,

reverdecei;

também convosco

me animarei,
5

que em breve instante

o caro amante

receberei.

Volta a seus lares,

volta inocente
10

o bom Dirceu,

que a vil calúnia

não o perdeu;

nova tão grata

ah me relata,
15

que ele a venceu!

Ó ovelhinhas,

que ides balando

nesse clamor,

tereis de novo
20

vosso pastor,

sombria selva,

macia relva,

trato de amor.

Ó fontezinhas
25

limpas e puras,

podeis correr,

aqui de novo

haveis de o ver

ao som das mágoas
30

de vossas águas

adormecer.

Ó passarinhos,

de novo vinde,

vinde cantar,
35

vinde com as vozes

tudo animar,

que há de ele cedo

um canto ledo

vos ensinar.
40

Eco, que outrora

lhes repetias

pronto e veloz,

a doce, e terna,

mimosa voz,
45

não mais condiz-te

silêncio triste,

que a ausência impôs.

Ó Laura, ó Laura,

o teu Alceste,
50

também virá,

somente Eulina

não tomará

parte na festa,

que o seu Glauceste
55

não tornará.

Ó desta aldeia

lindos pastores,

eia, exultai!

Vossas cantigas
60

eia, entoai!

Para enramá-lo

de hera, e abraçá-lo

vos preparai.

Ele vem cedo
65

em Vila Rica

contente entrar,

a aurora há de

o anunciar,

que alegre e amena
70

virá tal cena

abrilhantar.

E eu, que chorosa,

triste e aflita

vi-o partir,
75

oh como alegre

verei-o vir!

E a esse efeito

poderá meu peito

mais resistir?
80

Porém que glória

para uma amante

não deve ser,

se pelo amado,

tornar a ver,
85

só da alegria

que a extasia,

chega a morrer.

Torna a teus lares,

volta a teus campos,
90

meu bom pastor;

contigo acaba

da ausência a dor;

ah nos teus braços

em doces laços
95

respira amor!


Deixemos a triste herdade,

aonde apenas respiro,

aonde chorar mal posso,

aonde sequer suspiro

o meu fado, o meu pesar;
5

longe das vistas serenas

soltarei o amargo pranto,

mitigarei meus pesares,

como a ave com seu canto

alivia o seu penar.
10

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Já não me resta uma Eulina,
15

com quem dantes conversava;

já não me resta uma Laura,

com que dantes passeava,

sem no futuro cuidar;

vamos, pois, eia, coragem,
20

coração tão malfadado;

recorda antigas venturas

de um amor tão desgraçado,

que bem vale o recordar.

      Tais queixumes de saudade
25

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

São estes os belos sítios,

os belos sítios formosos
30

aonde Dirceu contente

passou seus anos mimosos,

que bem foram de invejar;

ah nestes tão verdes prados

satisfeito ele brincava,
35

enquanto a macia relva

o seu rebanho pastava

a mugir e a balar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;
40

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Aqui está o penhasco,

aonde constante o via,

e ao sussurro deste Rio
45

por vezes adormecia,

para logo despertar;

e para que o ouvisse

suas letras repetia,

o eco as suas palavras
50

três vezes fiel dizia,

para mais o ajudar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,
55

não mos vás tu divulgar!

Aqui está o regato,

inda corre tão sereno

por estas margens cobertas

de lindas flores e feno,
60

que o vento está a abanar;

à minha esquerda eis o bosque,

o lindo bosque fechado,

que intentou em vão mudá-lo

o duro tempo apressado,
65

pois há de sempre durar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!
70

Aqui ele confessou-me

seus inocentes amores,

como Cupido feri-o

com seus duros passadores,

para obrigá-lo a me amar;
75

«Mal vi, me disse, o teu rosto

o sangue todo gelou-se,

tremi, a língua prendeu-se,

e a cor das faces mudou-se,

estive quase a expirar.»
80

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!23

Aqui meu olhar furtivo,
85

meu terno riso imperfeito,

traíram-me a casta chama,

que ardia dentro em meu peito,

e que eu buscava ocultar;

e de amor tão inocente
90

mútua jura nos prestamos,

e ainda a olaia é vaidosa

da jura que aqui gravamos,

e que há de eterna durar.

      Tais queixumes de saudade
95

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Então, disposto a servir-me,

levava meu nédio gado,
100

a beber em clara fonte,

a pastar em brando prado,

para vê-lo prosperar;

de volta me dava as aves,

que me trazia dos ninhos
105

ou de temor ou de fome

abrindo os tenros biquinhos,

para eu as sustentar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;
110

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Aqui se ele se alegrava,

e eu ternamente me ria

mostrando nas minhas faces
115

a sua própria alegria,

que eu nem sabia prezar;

mas se o contemplava triste

logo o seu pranto limpava,

com meus trançados cabelos
120

que ele pronto me beijava,

para grato se mostrar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,
125

não mos vás tu divulgar!

Nestes sítios, que matizam

murtas viçosas e lírios,

cantou os nossos amores,

engrandeceu seus delírios
130

para mais me cativar;

aqui se a lira tomando

alegremente cantava,

cantava eu também com ele,

e o eco nos imitava,
135

para mais nos provocar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!
140

À sombra deste alto cedro

meditamos na beleza,

que em tudo quanto respira

apresenta a natureza,

sem o seu fundo esgotar;
145

nesta frondosa roseira,

ante ele receosa,

sem temer oculta abelha,

colhi um botão de rosa,

que lhe não pude negar.
150

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

E muitas e muitas vezes
155

aqui ele se assentava;

lavrava-me as finas rocas

em que eu fiando andava,

com tenção de lhe ofertar;

narrava-me lindos contos,
160

dizia-me seus desejos,

dava-me depois nos dedos

doces beijos amorosos,

para me fazer corar.

      Tais queixumes de saudade
165

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Ah aqui por estas horas

ver-me logo procurava;
170

defronte de minha herdade

horas inteiras ficava

tristemente a suspirar;

eu mal me erguia da cama

que apressado a porta abria,
175

e somente para vê-lo

logo à janela corria

inda os olhos esfregar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;
180

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Ele então me comparava

à aurora, que destoucada

surge no roxo horizonte,
185

de seus prantos orvalhada

para o dia anunciar;

e então seus versos me lia,

depois os versos me dava,

e no seio prontamente
190

prontamente eu os guardava,

para aos outros ajuntar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,
195

não mos vás tu divulgar!

Do cerco apenas soltava,

soltava o meu nédio gado,

que me amimava a ovelhinha,

que eu trazia em mais agrado,
200

também para me agradar;

dava-lhe sempre no prado

da relva tenra e macia,

dava-lhe sempre na fonte

d'água que mais pura havia,
205

com o prazer de a engordar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!
210

Depois no seu colo a pondo

contra o coração unia,

e como que me falava

coisas ternas lhe dizia,

para eu as escutar;
215

eu disso tudo me ria

e disfarçar procurava,

e ele de perceber-me

nem sequer o sinal dava,

para não se atraiçoar.
220

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Lá está sua morada,
225

e a janela onde o via;

lá está sua varanda,

aonde se reunia

com os seus a conversar;

ali escutava atento
230

os versos de seu Alceste,

ali os seus versos lia

ao seu amigo Glauceste,

que os bem sabia prezar.

      Tais queixumes de saudade
235

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,

não mos vás tu divulgar!

Ali de ferros cobertos

partiu para longe terra,
240

aonde horrenda masmorra

estreita e escura o esconde,

sem o que deixe respirar;

dali o triste me envia

os seus suspiros saudosos,
245

os seus queixumes sentidos,

os seus gemidos chorosos,

que mal me podem chegar.

      Tais queixumes de saudade

Não venha alguém escutar;
250

Ah eco, por piedade,

Não mos vás tu divulgar!

Geme o pai, geme a família,

em pesares mergulhada;

geme toda Vila Rica,
255

em tristeza sepultada,

por seu injusto penar;

e a triste amante chorosa,

nem mesmo pode carpir-se;

com a dor oculta no peito,
260

vê-se obrigada a sorrir-se,

para seu mal disfarçar.

      Tais queixumes de saudade

não venha alguém escutar;

ah eco, por piedade,
265

não mos vás tu divulgar!

Porém a noite já desce;

deixemos as cenas tristes,

que, ó coração desgraçado,

a tanto já não resistes,
270

cansado de suspirar;

talvez, que amanhã o dia

mais favorável me seja,

que só de esperanças vive

quem neste mundo deseja,
275

que bem há que desejar.

      Cesso as queixas de saudade,

que me não venham escutar,

que o eco, por piedade,

não mais há de divulgar.
280


Aqui do tronco pendente

tristemente hoje te deixa,

e p'ra sempre te deleixa24,

a minha cruenta dor.

      Não mais ressoes,
5

      lira de amor.

Feliz e ditoso o tempo

em que eu aqui te tangia;

tinha por mim a alegria,

era tudo inspirador.
10

      Não mais ressoes,

      lira de amor.

Se eu aqui te esquecia,

triste, doída e queixosa

tu suspiravas saudosa
15

com o vento gemedor.

      Não mais ressoes,

      lira de amor.

Ah para meu triste canto

não tenho mais que o lamento,
20

nascido do sofrimento

cruento e consumidor!

      Não mais ressoes,

      lira de amor.


Lira XXVI

Como mente e engana o sonho

da humana felicidade,

mas o sonho da desgraça

torna-se sempre verdade.

De ser, Dirceu, tua esposa
5

tenho perdida a esperança;

em mares de dor e mágoa

a sorte cruel me lança.

E o tio me diz agora

que ele não quer, nem consente,
10

que eu jamais esposa seja

de um réu, de um inconfidente.

Em vão eu lhe digo quanto

me dizes em teu abono:

«Não é contra um cetro justo
15

a alma digna de um trono.»

Ele me volta que partas,

que partas p'ra teu destino,

que cumpras tua sentença,

segundo o fado ferino.
20

E o pai e toda a família,

oh como triste e sentida

não ficarão ao saberem

da tua infausta partida!

Desertos duros, cruentos,
25

ah lá te estão esperando,

onde viverás somente

de mágoa e dor pranteando!

Desertos duros, cruentos,

que nos seus campos adustos
30

que nos seus vales de areias

não brotam ervas e arbustos.

O céu, é um céu de bronze;

o sol cresta tudo e inflama;

e a morte nos densos ares
35

e negra peste derrama.

Leões, elefantes, tigres,

e serpentes tão-somente

respirar e viver podem

nesta atmosfera ardente.
40

Nas caras terras da pátria,

por seu próprio e infausto dano,

chega, suspira e sofre

o pobre negro africano.

Infeliz lá, alta noite,
45

sente na tosca choupana,

roubarem-lhe os tenros filhos,

que o não veda lei humana.

Escravos, de livres que eram

nos seus malfadados lares,
50

os leva a avareza humana

a estranhos longes lugares.

A esses cruéis desertos

irás, Dirceu, sem a amante,

que em vão jurara em teus braços
55

um amor fino e constante.

Mas no funesto degredo,

em tão remotos retiros,

ouvirás os meus lamentos,

receberás meus suspiros.
60

Até que um dia cansada

da tanta dor e amargura,

irei também esconder-me

no fundo da sepultura.

Então talvez que tu me digas
65

«Morreu Marília, essa amante,

que foi sempre a Dirceu grato,

que lhe foi sempre constante.»

Porém não, não me lamentes,

que eu mesmo desejo a morte,
70

que é mais suave sofrê-la,

do que sofrer esta sorte.

Assim a rola, que geme,

a piar na triste selva,

cai ferida pelo tiro,
75

tinge de seu sangue a relva.

Bate as empenadas asas,

e os olhinhos revira,

e, por que nunca mais gema,

com a sua dor expira.
80