No ninho, sob o arvoredo,
5
gemia a saudosa amante.
enquanto que o triste amado,
vagava dela distante.
Laço cruel aqui armado
o inocentinho esperava;
10
caiu na falsa arapuca,
que ele sequer suspeitava.
A triste da companheira
lá do arvoredo o chamando,
ternos ais, ternos gemidos
15
ia do peito soltando.
E já preso na gaiola
o seu amante gemia;
da ausência o cruel efeito
por seu martírio sentia.
20
A amante deixando o ninho
por toda a parte o buscava,
e depois para o seu ninho
inda mais triste tornava.
Saudoso da cara amante,
25
pela qual inda gemia,
o triste do desgraçado
já na gaiola morria.
E ela também sentida,
lamentando-se da sorte,
30
debatia-se ansiosa
nas agonias da morte.
Ah neste quadro contemplo,
Dirceu, a nossa existência!
tu sofres, eu também sofro
tão injusta violência!
40
E tu padeces
duro tormento,
10
vil sofrimento
nessa prisão;
a cada passo
teu compassado,
tine arrastado
15
negro grilhão.
Nessa masmorra,
que te molesta,
por fina fresta,
só vês a luz;
20
ah tudo isto
a este estado,
tão desgraçado,
só me conduz.
A chave soa,
25
e a porta dura
se abre da escura
forte prisão;
o juiz entra,
indaga o crime,
30
e não te exime
da escravidão.
Sucede a noite
ao triste dia,
sem que alegria
35
tu possas ter;
que triste sina!
Antes da morte
provar o corte,
que assim viver.
40
Em breve o tempo,
trará a morte,
e minha sorte
se findará;
e só destarte
45
a dura pena,
que me envenena
se acabará.
Ah pelo meu amante
benignas implorai;
10
os deuses irritados
benignas aplacai!
Safo, que foste em musa convertida,
Safo que tanto amaste,
ah tu que sabes quanto amor nos custa,
15
que por ele findaste;
Safo divina, atende os meus suspiros;
não corro sem ventura
após amante falso e fementido
que falta à própria jura.
20
Ah pelo meu amante
ajuda-me a implorar;
os deuses irritados
ajuda-me a aplacar.
Ó Beatriz, que foste decantada
25
na lira dos amores,
e na lira divina, que cantara
os infernais horrores;
Beatriz celeste, atende os meus suspiros;
ah também decantada
30
eu fui na sua lira, e minha sina
tornou-me desgraçada!
Ah pelo meu amante
ajuda-me a implorar;
os deuses irritados
35
ajuda-me a aplacar!
Ó Clorinda, que tanto mereceste
por teu peito constante,
que foste celebrada e eternizada
por teu tão grato amante;
40
Clorinda grata, atende os meus suspiros;
também se na sua lira
ele canta de amor, é porque a minha
constância é que lhe inspira.
Ah pelo meu amante
45
ajuda-me a implorar;
os deuses irritados
ajuda-me a aplacar.
Ó Natércia, que deste eterno assunto
ao canto da saudade,
50
com que o grande cantor enchia os ares
da sua soledade;
natércia bela, atende os meus suspiros;
também por mim saudoso
ele geme sem ver a luz do dia
55
em cárcere horroroso.
Ah pelo meu amante
ajuda-me a implorar;
os deuses irritados
ajuda-me a aplacar!
60
Ó Laura, que inda ouves em Vauclusa
as águas repetindo
os versos, que decantam tuas graças,
teu rosto belo e lindo;
Laura ditosa, atende os meus suspiros;
65
tenha eu a ventura
de jazer, como tu, com o terno amante,
na mesma sepultura.
Ah pelo meu amante
ajuda-me a implorar;
70
os deuses irritados
ajuda-me a aplacar!
Deusas, que a lira eternizou na terra
tecendo altos louvores
a vossa formosura e gentileza,
75
aos vossos sãos amores;
ó deuses, atendei os meus suspiros;
se sofrestes outrora,
pranteando de dor e de saudade,
Marília sofre agora.
80
Ah pelo meu amante
benignas implorai;
os deuses irritados
benignas aplacai.
O desgraçado
em vil masmorra,
10
ah malfadado,
por fim morreu.
Não só Marília,
também Eulina
o seu amante
15
triste perdeu.
Tal desventura
de alguma forma
a mágoa dura
me alívio deu.
20
Não só Marília,
também Eulina
o seu amante
triste perdeu.
E na lembrança
25
inda conservo
essa esperança,
que ela me deu.
Não só Marília,
também Eulina
30
o seu amante
triste perdeu.
«O teu amante
ainda vive,
bem que distante
35
ah não morreu!
Somente Eulina,
e não Marília,
o seu amante
triste perdeu.
40
E brevemente
talvez que volte
ledo e contente
ao peito teu.
Somente Eulina,
45
e não Marília,
o seu amante
triste perdeu.
Fosse verdade
essa esperança,
50
e realidade
ao peito meu!
Que só Eulina
e não Marília,
de todo o amante
55
triste perdeu.
Corre, vem dar-me
essa alegria;
vem abraçar-me,
caro Dirceu
60
que só Eulina,
e não Marília,
de todo o amante
triste perdeu.
Porém, ó sorte,
65
estou mostrando
o peso forte
do grilhão teu
não só Eulina,
também Marília
70
o seu amante
triste perdeu!»
Disposto a servir-me
levavas meu gado
à fonte mais clara,
à vargem e ao prado;
agora meu gado
15
de fome expirou.
A tua Marília
ah também mudou;
de alegre, que era,
triste se tornou!
20
Daqueles penhascos
um rio caía,
que vezes sentado
ali não te via;
mas agora o rio
25
de todo secou!
A tua Marília
ah também mudou;
de alegre, que era,
triste se tornou!
30
Aqui uma moita
crescia de flores,
aqui te assentavas
com os outros pastores;
agora em abrolhos
35
tudo se trocou
a tua Marília
ah também mudou;
de alegre, que era,
triste se tornou!
40
Aqui se estendia
formosa floresta,
aonde passavas
a tarde e a sesta;
porém o incêndio
45
tudo devastou.
A tua Marília
ah também mudou;
de alegre, que era,
triste se tornou!
50
O eco que dantes
tua voz repetia,
teus versos amados,
e quanto te ouvia;
sendo a meus suspiros
55
ah já se calou!
A tua Marília
ah também mudou;
de alegre, que era,
triste se tornou!
60
Os pássaros dantes
aqui revoavam,
seus hinos contentes
aqui entoavam;
mas agora tudo
65
aqui se calou
a tua Marília
ah também mudou;
de alegre, que era,
triste se tornou!
70
Tão bela que estava
a olaia frondosa,
aonde escrevemos
a jura amorosa;
as folhas largando
75
de toda secou
só tua Marília
na fé não mudou,
se firme te era,
mais firme ficou.
80
Oh como não desejo ver ainda
5
abertas as janelas da tua herdade,
e tu gozando ao lado dos amigos
da tua liberdade!
Parece que te vejo vir entrando
por este sítio dantes tão fagueiro,
10
e mal te vê, te desconhece e late
o teu fiel rafeiro.
Porém mal pelo nome teu lhe14 chamas
as orelhas bate, a cauda abana;
uiva, e salta, e te lambe os brancos dedos,
15
com grande festa insana.
Lá vem correndo dos confins do campo,
ou daquela sonora fontezinha,
as brancas ovelhinhas, porque ouvem
a tua sanfoninha.
20
Aquela vaca com tardio passo
vem inda a verde relva mastigando;
a boca, que de negro e branco é tinta,
fumaça vem lançando.
Pára ante ti e a cabeça abaixa,
25
suspende a cauda no quadril burnido;
tu lhe corres a mão de levemente
sobre o pêlo luzido.
Porém ao longe muge a bezerrinha,
ela responde-lhe também mugindo;
30
com a tosca língua a branca mão te lambe
e pronta vai seguindo.
Aqui te felicitam, te cortejam
os pobres pegureiros e pastores,
e torna a repetir o eco vizinho
35
o canto dos amores.
É um sonho, Dirceu, de um doce sono,
do qual me acorda a atroz diversidade,
porém que ainda pode converter-se
em uma realidade.
40
Aí procuras
doces lembranças
do que passou;
10
e eu ante as cenas
destas campinas,
cruentas penas
sofrendo estou.
Lá na masmorra
15
fechas os olhos,
que é tudo horror;
e eu suspiro
triste e aflita,
que este retiro
20
recorda amor.
A meiga Hero
porque se esqueça
do seu pesar,
chorando a sorte
25
do caro amante
a dura morte
soube afrontar.
Eu inda vivo,
que inda a esperança
30
me não deixou;
mas isto é vida?
Ah desgostosa
aborrecida
morrendo vou.
35
Assaz me aflijo
da tua sorte,
e aos Deuses peço
a meu alívio
rápida morte.
10
Ah nem me é dado
ao meu discurso,
ao triste pranto,
a dor cruenta
dar livre curso.
15
Pesar contínuo
sofre meu peito,
que da tua ausência
ocultamente
sente o efeito.
20
Choro às ocultas,
sofro em segredo,
gemo sozinha,
como o proscrito
em seu degredo.
25
Ah também dantes
o meu sorriso,
por imperfeito
mal me traía
do rosto o siso.
30
Também a vista
era furtiva,
e só de ver-te
dentro em mim mesmo
ficava altiva.
35
Mas minha sina
e desventuras
fizeram amar-te,
por que eu sofresse
tais amarguras.
40
Mas fica certo
desta verdade,
de que agora
bem te assegura
minha saudade:
45
«Não mais queixumes
farei constante;
sofrerei tudo
por teu respeito
que sou tua amante.»
50
Ah tudo me recorda os belos dias,
nossas venturas cheias de esperanças,
e nossas alegrias;
não é a memória que me está
lembrando,
10
são objetos que os meus tristes olhos
estão só divisando.
Saio à janela, saio descuidada,
e sem que o queira logo dou com a vista
em tua morada,
15
que me vem recordar passados dias
em que as horas gastavas em esperar-me,
até que enfim me vias.
Vejo a floresta cheia de pinheiros,
onde passamos juntos sossegados
20
mil dias prazenteiros;
vejo o rio que inda se despenha
com murmúrio sentido e malformado
da alcantilada penha.
Tudo mudou-se em triste desventura;
25
trocaram-se os momentos preciosos
de nossa sã ventura,
que tudo muda o tempo e muda a sorte,
porém dele a lembrança tão saudosa
mudar só pode a morte.
30
E Dirceu pensava
que eles desprezados,
10
ou mal abrigados
haviam de ser;
que importa a injustiça,
que importam teus ferros?
Quais foram teus erros
15
para os merecer?
Tu mesmo me dizes,
e já me dizias
nos felizes dias
de nossa união:
20
«Os crimes desonram
se são existentes,
mas os inocentes
infames não são.»
Mas fosses culpado
25
que inda te amaria,
e me inflamaria
no fogo de amor;
mas és inocente,
tua sorte deploro,
30
e aos Deuses imploro
com todo o fervor.
Em uma masmorra
são noites teus dias;
tuas alegrias
35
contínuo pesar;
porém tal estado,
tal padecimento,
tanto sofrimento,
não devem durar.
40
E eu sem que viva
em duros desterros,
sem sofrer teus ferros
não estou a gemer?
Mas sempre à esperança
45
tenho o peito aberto,
e ainda liberto
te hei de cedo ver.
Sofre, mas espera
e espera, que um dia,
50
de grande alegria
nos há de inda vir;
e então estes braços,
Dirceu inocente,
alegre e contente
55
te hei de eu abrir.
Ah que nem sequer tenha
a sonora lira,
que os rios suspendera,
10
que os troncos atraíra,
e os feros, bravos brutos amansara,
que extraindo das cordas sons celestes
capaz de ações maiores me julgara!
Não ergueria os muros
15
à famosa cidade,
por competir com os vates,
que teve a antiguidade.
Nem quisera p'ra mim a sua fama,
que o desejado louco amor de glória
20
a inchados peitos vãos somente inflama.
Não fora ao negro Averno,
onde soam lamentos,
onde vagam suspiros,
gerados por tormentos,
25
a abrandar de Plutão a eterna ira,
e suspender os duros sofrimentos;
assunto mais feliz amor me inspira.
Ah Dirceu, mais faria!
teus fados aplacara,
30
e da infame masmorra
contente te arrancara!
Aos sons da lira os ferros teus desfeitos,
ficarias então de todo preso
em laços mais suaves e estreitos.
35
Porém se falha a lira,
também a não careces,
que por culpáveis erros
tais ferros não mereces;
só falha da justiça a diligência,
40
que reta procurasse em ti delitos
para em ti encontrar honra e inocência.
Vens de terras tão distantes,
5
vens do Rio de Janeiro!
Ah não me digas que trazes
tristes novas, mensageiro!
De uma masmorra saíste
sim já sei quem enviou-te19,
10
quem estas tristes palavras,
meu passarinho ensinou-te.
Ah volta à tua masmorra,
passarinho sonoroso;
volta para aquele peito,
15
que enviou-te tão saudoso!
Deixa esta triste morada
e passa a ponte primeira,
passa depois a segunda,
passa depois a terceira.
20
Segue, deixa Vila Rica,
e toma do Rio a estrada,
segue a serra, e fatigado
pousa em árvore copada.
Retoma depois o vôo,
25
desce pelas abas dela;
rompe os ares velozmente,
e ganha o porto da Estrela.
E na formosa baía,
de montanhas torneada,
30
ganha e segue sem descanso
a sua triste morada.
Penetra nas grossas grades
e entra a sua masmorra
aonde o triste suspira,
35
sem ter lá quem o socorra.
Dá meu terno passarinho
conta de tua viagem;
e dá-lhe mais, passarinho,
conta de tua mensagem.
40
Dize-lhe como me achaste,
pinta-lhe em pranto meu rosto,
narra-lhe como meu peito
padece cruel desgosto.
E depois, ó passarinho,
45
entoa os teus ternos cantos,
afugenta as suas mágoas,
mitiga seus tristes prantos.
Ouvia ao longe,
zunir o vento,
correr a fonte,
piar o mocho
em seu lamento.
10
E vela acesa
só derramava
luz tão mortiça,
que a escuridade
mais realçava.
15
Eis que a meu lado
sinto um ruído;
depressa os olhos
volto, e conheço
que é o deus Cupido.
20
Com minhas tranças
me enxuga o pranto,
e que não chore,
e não suspire
pede-me entanto.
25
«E por que choras,
por que suspiras,
se aqui te trago
novas do amante
nas novas liras?»
30
Porém meu pranto
mais aumentou-se,
porque ao lê-las
a dor no peito
exacerbou-se.
35
Amor que ouvia
o meu lamento,
também o pranto
soltou, sentido
de meu tormento.
40
«Não me lembrava
que essas notícias,»
me disse ele,
«Te agravariam
por não propícias.
45
Porém não chores,
aos deuses corro;
para salvá-lo
hei-de de todos
ter o socorro.
50
Se me negarem,
em céus e terra
com minha tropa
de Cupidinhos
lhes farei guerra.»
55
Disse, e já longe
se alevantando
nas azasinhas,
foi pelos ares
destro voando.
60
Ah se te vejo
por inocente
livre dos ferros,
e da masmorra,
serei contente!
65
Aqui ditosos
nesta floresta
celebraremos
tal qual não vista
tamanha festa.
70
Que a nossa aldeia
por todo o dia
andará farta
de mil prazeres,
e alegria.
75
Oh que não seja
ele tardonho!
Oh que não fique
tanta ventura
num mero sonho!
80
Qual mostra o capitão da nau veleira
5
o escapo resto do traquete roto,
quando lutou com as ondas irritadas,
com o audaz e rijo Noto.
Assim tu mostrarás teus negros ferros;
com o dedo apontarás a vil cadeia,
10
e as paredes escritas de teus versos
com o fumo da candeia.
Aqui renovarás passados dias;
verei de novo no teu rosto o riso;
dirás inda lembrado da masmorra:
15
«Estou num paraíso!»
Aqui conversarás com os teus amigos,
as passadas venturas recordando,
novos projetos cheios de esperança,
nos ares figurando.
20
De novo em torna à rede em que pouzares
assentar-se virão filhos queridos,
para escutar da tua própria boca
os contos divertidos.
E tu lhe contarás algumas vezes,
25
por que tenho em ti o exemplo claro,
como zomba dos ferros da calúnia
um coração preclaro.
Cheios de pranto, cheios de ansiedade,
ouvirão os tormentos que sofreste;
30
praguejarão com a mãe a vil calúnia,
que enfim vencer pudeste.
Depois lhes mostrarás os roxos pulsos
e os lívidos sinais serão beijados;
sobre eles cairão as quentes gotas
35
dos olhos orvalhados.
Mas tu os abraçando ternamente,
os beijarás também banhado em pranto,
que um coração tão terno e agradecido
ah não resiste a tanto!
40
Volta a seus lares,
volta inocente
10
o bom Dirceu,
que a vil calúnia
não o perdeu;
nova tão grata
ah me relata,
15
que ele a venceu!
Ó ovelhinhas,
que ides balando
nesse clamor,
tereis de novo
20
vosso pastor,
sombria selva,
macia relva,
trato de amor.
Ó fontezinhas
25
limpas e puras,
podeis correr,
aqui de novo
haveis de o ver
ao som das mágoas
30
de vossas águas
adormecer.
Ó passarinhos,
de novo vinde,
vinde cantar,
35
vinde com as vozes
tudo animar,
que há de ele cedo
um canto ledo
vos ensinar.
40
Eco, que outrora
lhes repetias
pronto e veloz,
a doce, e terna,
mimosa voz,
45
não mais condiz-te
silêncio triste,
que a ausência impôs.
Ó Laura, ó Laura,
o teu Alceste,
50
também virá,
somente Eulina
não tomará
parte na festa,
que o seu Glauceste
55
não tornará.
Ó desta aldeia
lindos pastores,
eia, exultai!
Vossas cantigas
60
eia, entoai!
Para enramá-lo
de hera, e abraçá-lo
vos preparai.
Ele vem cedo
65
em Vila Rica
contente entrar,
a aurora há de
o anunciar,
que alegre e amena
70
virá tal cena
abrilhantar.
E eu, que chorosa,
triste e aflita
vi-o partir,
75
oh como alegre
verei-o vir!
E a esse efeito
poderá meu peito
mais resistir?
80
Porém que glória
para uma amante
não deve ser,
se pelo amado,
tornar a ver,
85
só da alegria
que a extasia,
chega a morrer.
Torna a teus lares,
volta a teus campos,
90
meu bom pastor;
contigo acaba
da ausência a dor;
ah nos teus braços
em doces laços
95
respira amor!
aonde apenas respiro,
aonde chorar mal posso,
aonde sequer suspiro
o meu fado, o meu pesar;
5
longe das vistas serenas
soltarei o amargo pranto,
mitigarei meus pesares,
como a ave com seu canto
alivia o seu penar.
10
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Já não me resta uma Eulina,
15
com quem dantes conversava;
já não me resta uma Laura,
com que dantes passeava,
sem no futuro cuidar;
vamos, pois, eia, coragem,
20
coração tão malfadado;
recorda antigas venturas
de um amor tão desgraçado,
que bem vale o recordar.
Tais queixumes de saudade
25
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
São estes os belos sítios,
os belos sítios formosos
30
aonde Dirceu contente
passou seus anos mimosos,
que bem foram de invejar;
ah nestes tão verdes prados
satisfeito ele brincava,
35
enquanto a macia relva
o seu rebanho pastava
a mugir e a balar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
40
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Aqui está o penhasco,
aonde constante o via,
e ao sussurro deste Rio
45
por vezes adormecia,
para logo despertar;
e para que o ouvisse
suas letras repetia,
o eco as suas palavras
50
três vezes fiel dizia,
para mais o ajudar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
55
não mos vás tu divulgar!
Aqui está o regato,
inda corre tão sereno
por estas margens cobertas
de lindas flores e feno,
60
que o vento está a abanar;
à minha esquerda eis o bosque,
o lindo bosque fechado,
que intentou em vão mudá-lo
o duro tempo apressado,
65
pois há de sempre durar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
70
Aqui ele confessou-me
seus inocentes amores,
como Cupido feri-o
com seus duros passadores,
para obrigá-lo a me amar;
75
«Mal vi, me disse, o teu rosto
o sangue todo gelou-se,
tremi, a língua prendeu-se,
e a cor das faces mudou-se,
estive quase a expirar.»
80
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!23
Aqui meu olhar furtivo,
85
meu terno riso imperfeito,
traíram-me a casta chama,
que ardia dentro em meu peito,
e que eu buscava ocultar;
e de amor tão inocente
90
mútua jura nos prestamos,
e ainda a olaia é vaidosa
da jura que aqui gravamos,
e que há de eterna durar.
Tais queixumes de saudade
95
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Então, disposto a servir-me,
levava meu nédio gado,
100
a beber em clara fonte,
a pastar em brando prado,
para vê-lo prosperar;
de volta me dava as aves,
que me trazia dos ninhos
105
ou de temor ou de fome
abrindo os tenros biquinhos,
para eu as sustentar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
110
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Aqui se ele se alegrava,
e eu ternamente me ria
mostrando nas minhas faces
115
a sua própria alegria,
que eu nem sabia prezar;
mas se o contemplava triste
logo o seu pranto limpava,
com meus trançados cabelos
120
que ele pronto me beijava,
para grato se mostrar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
125
não mos vás tu divulgar!
Nestes sítios, que matizam
murtas viçosas e lírios,
cantou os nossos amores,
engrandeceu seus delírios
130
para mais me cativar;
aqui se a lira tomando
alegremente cantava,
cantava eu também com ele,
e o eco nos imitava,
135
para mais nos provocar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
140
À sombra deste alto cedro
meditamos na beleza,
que em tudo quanto respira
apresenta a natureza,
sem o seu fundo esgotar;
145
nesta frondosa roseira,
ante ele receosa,
sem temer oculta abelha,
colhi um botão de rosa,
que lhe não pude negar.
150
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
E muitas e muitas vezes
155
aqui ele se assentava;
lavrava-me as finas rocas
em que eu fiando andava,
com tenção de lhe ofertar;
narrava-me lindos contos,
160
dizia-me seus desejos,
dava-me depois nos dedos
doces beijos amorosos,
para me fazer corar.
Tais queixumes de saudade
165
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Ah aqui por estas horas
ver-me logo procurava;
170
defronte de minha herdade
horas inteiras ficava
tristemente a suspirar;
eu mal me erguia da cama
que apressado a porta abria,
175
e somente para vê-lo
logo à janela corria
inda os olhos esfregar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
180
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Ele então me comparava
à aurora, que destoucada
surge no roxo horizonte,
185
de seus prantos orvalhada
para o dia anunciar;
e então seus versos me lia,
depois os versos me dava,
e no seio prontamente
190
prontamente eu os guardava,
para aos outros ajuntar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
195
não mos vás tu divulgar!
Do cerco apenas soltava,
soltava o meu nédio gado,
que me amimava a ovelhinha,
que eu trazia em mais agrado,
200
também para me agradar;
dava-lhe sempre no prado
da relva tenra e macia,
dava-lhe sempre na fonte
d'água que mais pura havia,
205
com o prazer de a engordar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
210
Depois no seu colo a pondo
contra o coração unia,
e como que me falava
coisas ternas lhe dizia,
para eu as escutar;
215
eu disso tudo me ria
e disfarçar procurava,
e ele de perceber-me
nem sequer o sinal dava,
para não se atraiçoar.
220
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Lá está sua morada,
225
e a janela onde o via;
lá está sua varanda,
aonde se reunia
com os seus a conversar;
ali escutava atento
230
os versos de seu Alceste,
ali os seus versos lia
ao seu amigo Glauceste,
que os bem sabia prezar.
Tais queixumes de saudade
235
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
não mos vás tu divulgar!
Ali de ferros cobertos
partiu para longe terra,
240
aonde horrenda masmorra
estreita e escura o esconde,
sem o que deixe respirar;
dali o triste me envia
os seus suspiros saudosos,
245
os seus queixumes sentidos,
os seus gemidos chorosos,
que mal me podem chegar.
Tais queixumes de saudade
Não venha alguém escutar;
250
Ah eco, por piedade,
Não mos vás tu divulgar!
Geme o pai, geme a família,
em pesares mergulhada;
geme toda Vila Rica,
255
em tristeza sepultada,
por seu injusto penar;
e a triste amante chorosa,
nem mesmo pode carpir-se;
com a dor oculta no peito,
260
vê-se obrigada a sorrir-se,
para seu mal disfarçar.
Tais queixumes de saudade
não venha alguém escutar;
ah eco, por piedade,
265
não mos vás tu divulgar!
Porém a noite já desce;
deixemos as cenas tristes,
que, ó coração desgraçado,
a tanto já não resistes,
270
cansado de suspirar;
talvez, que amanhã o dia
mais favorável me seja,
que só de esperanças vive
quem neste mundo deseja,
275
que bem há que desejar.
Cesso as queixas de saudade,
que me não venham escutar,
que o eco, por piedade,
não mais há de divulgar.
280
Feliz e ditoso o tempo
em que eu aqui te tangia;
tinha por mim a alegria,
era tudo inspirador.
10
Não mais ressoes,
lira de amor.
Se eu aqui te esquecia,
triste, doída e queixosa
tu suspiravas saudosa
15
com o vento gemedor.
Não mais ressoes,
lira de amor.
Ah para meu triste canto
não tenho mais que o lamento,
20
nascido do sofrimento
cruento e consumidor!
Não mais ressoes,
lira de amor.
Lira XXVI
Como mente e engana o sonho
da humana felicidade,
mas o sonho da desgraça
torna-se sempre verdade.
De ser, Dirceu, tua esposa
5
tenho perdida a esperança;
em mares de dor e mágoa
a sorte cruel me lança.
E o tio me diz agora
que ele não quer, nem consente,
10
que eu jamais esposa seja
de um réu, de um inconfidente.
Em vão eu lhe digo quanto
me dizes em teu abono:
«Não é contra um cetro justo
15
a alma digna de um trono.»
Ele me volta que partas,
que partas p'ra teu destino,
que cumpras tua sentença,
segundo o fado ferino.
20
E o pai e toda a família,
oh como triste e sentida
não ficarão ao saberem
da tua infausta partida!
Desertos duros, cruentos,
25
ah lá te estão esperando,
onde viverás somente
de mágoa e dor pranteando!
Desertos duros, cruentos,
que nos seus campos adustos
30
que nos seus vales de areias
não brotam ervas e arbustos.
O céu, é um céu de bronze;
o sol cresta tudo e inflama;
e a morte nos densos ares
35
e negra peste derrama.
Leões, elefantes, tigres,
e serpentes tão-somente
respirar e viver podem
nesta atmosfera ardente.
40
Nas caras terras da pátria,
por seu próprio e infausto dano,
chega, suspira e sofre
o pobre negro africano.
Infeliz lá, alta noite,
45
sente na tosca choupana,
roubarem-lhe os tenros filhos,
que o não veda lei humana.
Escravos, de livres que eram
nos seus malfadados lares,
50
os leva a avareza humana
a estranhos longes lugares.
A esses cruéis desertos
irás, Dirceu, sem a amante,
que em vão jurara em teus braços
55
um amor fino e constante.
Mas no funesto degredo,
em tão remotos retiros,
ouvirás os meus lamentos,
receberás meus suspiros.
60
Até que um dia cansada
da tanta dor e amargura,
irei também esconder-me
no fundo da sepultura.
Então talvez que tu me digas
65
«Morreu Marília, essa amante,
que foi sempre a Dirceu grato,
que lhe foi sempre constante.»
Porém não, não me lamentes,
que eu mesmo desejo a morte,
70
que é mais suave sofrê-la,
do que sofrer esta sorte.
Assim a rola, que geme,
a piar na triste selva,
cai ferida pelo tiro,
75
tinge de seu sangue a relva.
Bate as empenadas asas,
e os olhinhos revira,
e, por que nunca mais gema,
com a sua dor expira.
80