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ArribaAbajoAs três irmãs do poeta


Traduzido de E. Berthoud


ArribaAbajoÉ noite! as sombras correm nebulosas.
Vão três pálidas virgens silenciosas
através da procela irrequieta.
Vão três pálidas virgens... vão sombrias
rindo colar num beijo as bocas frias...  5

Na fronte cismadora do -Poeta-
«Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença.
Sou eu quem te sepulta a idéia imensa,
quem no teu nome a escuridão projeta...
Fui eu que te vesti do meu sudário...  10
Que vais fazer tão triste e solitário?...»

-«Eu lutarei! -responde-lhe o Poeta.
Saúde, meu irmão! Eu sou a Fome.
Sou eu quem o teu negro pão consome...
O teu mísero pão, mísero atleta!  15
Hoje, amanhã, depois... depois (qu'importa?)
Virei sempre sentar-me à tua porta...»

-«Eu sofrerei!» -responde-lhe o Poeta.

Saúde, meu irmão! Eu sou a Morte!
Suspende em meio o hino augusto e forte.  20
Marquei-te a fronte, mísero profeta!
Volve ao nada! Não sentes neste enleio
teu cântico gelar-se no meu seio?!...»

-«Eu cantarei no céu» -diz-lhe o Poeta!

São Paulo, 25 de agosto de 1868




ArribaAbajoO vôo do gênio


À atriz Eugênia Câmara




ArribaAbajoUm dia, em que na terra a sós vagava
pela estrada sombria da existência,
sem rosas -nos vergéis da adolescência,
sem luz d'estrela -pelo céu do amor,
senti as asas de um arcanjo errante  5
roçar-me brandamente pela fronte,
como o cisne, que adeja sobre a fonte
Às vezes toca a solitária flor.

E disse então: «Quem és, pálido arcanjo!
tu, que o poeta vens erguer do pego?  10
Eras acaso tu, que Milton cego
ouvia em sua noite erma de sol?
Quem és tu? Quem és tu?» -«Eu sou o gênio»
disse-me o anjo «vem seguir-me o passo,
quero contigo me arrojar no espaço,  15
onde tenho por c'roas o arrebol!»

«Onde me levas, pois!...» -«Longe te levo
ao país do ideal, terra das flores,
onde a brisa do céu tem mais amores
e a fantasia -lagos mais azuis...»  20
E fui... e fui... ergui-me no infinito,
lá onde o vôo d'águia não se eleva...
Abaixo -via a terra- abismo em treva!
Acima -o firmamento- abismo em luz!

«Arcanjo! arcanjo! que ridente sonho!»  25
-«Não, poeta, é o vedado paraíso,
onde os lírios mimosos do sorriso
eu abro em todo o seio, que chorou,
onde a loura comédia canta alegre,
onde eu tenho o condão de um gênio infindo,  30
que a sombra de Molière vem sorrindo
beijar na fronte, que o Senhor beijou...»

«Onde me levas mais, anjo divino?»
-«Vem ouvir, sobre as harpas inspiradas,
o canto das esferas namoradas,  35
quando eu encho de amor o azul dos céus,
quero levar-te das paixões nos mares.
Quero levar-te a dédalos profundos,
onde refervem sóis... e céus... e mundos...
Mais sóis... mais mundos, e onde tudo é meu...»  40

«Mulher! mulher! Aqui tudo é volúpia:
a brisa morna, a sombra do arvoredo,
a linfa clara, que murmura a medo,
a luz que abraça a flor e o céu ao mar.
ó princesa, a razão já se me perde,  45
és a sereia da encantada Sila,
anjo, que transformaste-te em Dalila,
Sansão de novo te quisera amar!

»Porém não páras neste vôo errante!
a que outros mundos elevar-me tentas?  50
Já não sinto o soprar de auras sedentas,
nem bebo a taça de um fogoso amor.
Sinto que rolo em báratros profundos...
já não tens asas, águia da Tessália,
maldição sobre ti... tu és Onfália,  55
ninguém te ergue das trevas e do horror.

»Porém silêncio! No maldito abismo,
onde caí contigo criminosa,
canta uma voz, sentida e maviosa,
que arrependida sobe a Jeová!  60
Perdão! Perdão! Senhor, pra quem soluça,
talvez seja algum anjo peregrino...
...Mas não! inda eras tu, gênio divino,
também sabes chorar, como Eloá!

»Não mais, ó serafim! suspende as asas!  65
Que, através das estrelas arrastado,
meu ser arqueja louco, deslumbrado,
sobre as constelações e os céus azuis.
Arcanjo! Arcanjo! basta... Já contigo
mergulhei das paixões nas vagas cérulas...  70
Mas nos meus dedos -já não cabem -pérolas-
mas na minh'alma -já não cabe- luz!...»

Recife, maio de 1866




ArribaAbajoO «Adeus» de Teresa


ArribaAbajoA vez primeira que eu fitei Teresa,
como as plantas que arrasta a correnteza,
a valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos... E depois na sala
«Adeus» eu disse-lhe a tremer co'a fala...  5

E ela, corando, murmurou-me: «adeus».

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
e da alcova saía um cavaleiro
inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!  10
«Adeus» lhe disse conservando-a presa...

E ela entre beijos murmurou-me: «adeus:»

Passaram tempos... sec'los de delírio
prazeres divinais... gozos do Empíreo...
...Mas um dia volvi aos lares meus.  15
Partindo eu disse -«Voltarei!... descansa!...»
Ela, chorando mais que uma criança,

ela em soluços murmurou-me: «adeus:»

Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra  20
preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
foi a última vez que eu vi Teresa!...

E ela arquejando murmurou-me: «adeus!»

São Paulo, 28 de agosto de 1868




ArribaAbajoA volta da primavera



Aime, et tu renaîtras; fais-toi fleur pour éclore.
Après avoir souffert, il faut souffrir encore.
Il faut aimer sans cesse, après avoir aimé.

Alfred de Musset                



ArribaAbajoAi não maldigas minha fronte pálida,
e o peito gasto ao referver de amores.
Vegetam louros -na caveira esquálida
e a sepultura se reveste em flores.

Bem sei que um dia o vendaval da sorte  5
do mar lançou-me na gelada areia.
Serei... que importa? o D. Juan da morte
dá-me o teu seio -e tu serás Haidéia!

Pousa esta mão -nos meus cabelos úmidos!...
Ensina à brisa ondulações suaves!  10
Dá-me um abrigo nos teus seios túmidos!
Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!

Já viste às vezes, quando o sol de Maio
inunda o vale, o matagal e a veiga?
Murmura a relva: «Que suave raio.»  15
Responde o ramo: «Como a luz é meiga!»

E, ao doce influxo do clarão do dia,
o junco exausto, que cedera à enchente,
levanta a fronte da lagoa fria...
Mergulha a fronte na lagoa ardente...  20

Se a natureza apaixonada acorda
ao quente afago do celeste amante,
diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda,
não vês minh'alma reviver ovante?

É que teu riso me penetra n'alma-  25
como a harmonia de uma orquestra santa-
é que teu riso tanta dor acalma...
Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!

Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
«o céu consola toda dor que existe.  30
Deus fez a neve -para o negro monte!
Deus fez a virgem -para o bardo triste!»

Rio de Janeiro, junho de 1869




ArribaAbajoA Maciel Pinheiro


Dieu soit en aide au pieux pélerin.


Bouchard                



ArribaAbajoPartes, amigo, do teu antro de águias,
onde gerava um pensamento enorme,
tingindo as asas no levante rubro,
quando nos vales inda a sombra dorme...
Na fronte vasta, como um céu de idéias,  5
aonde os astros surgem mais e mais...
Quiseste a luz das boreais auroras...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

Verás a terra da infeliz Moema,
bem como a Vênus se elevar das vagas;  10
das serenatas ao luar dormida,
que o mar murmura nas douradas plagas.
Terra de glórias, de canções e brios,
Esparta, Atenas, que não tem rivais...
Que, à voz da pátria, deixa a lira e ruge...  15
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E quando o barco atravessar os mares,
quais pandas asas, desfraldando a vela,
há de surgir-te esse gigante imenso,
que sobre os morros campeando vela...  20
Símbolo de pedra, que o cinzel dos raios
talhou nos montes, que se alteiam mais...
Atlas com a forma do gigante povo...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

Vai nas planícies dos infindos pampas  25
erguer a tenda do soldado vate...
Livre... bem livre a Marselhesa aos ecos
soltar bramindo no feroz combate...
E após do fumo das batalhas tinto
canta essa terra, canta os seus gerais,  30
onde os gaúchos sobre as éguas voam...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E nesse lago de poesia virgem,
quando boiares nas sutis espumas,
sacode estrofes, qual do rio a garça  35
pérolas solta das brilhantes plumas.
Pálido moço -como o bardo errante-
teu barco voa na amplidão fugaz.
A nova Grécia quer um Byron novo...
Deus acompanhe o peregrino audaz.  40

E eu, cujo peito como uma harpa homérica
ruge estridente do que é grande ao sopro,
saúdo o artista, que ao talhar a glória,
pega da espada, sem deixar o escopro.
Da caravana guarda a areia a pegada:  45
No chão da história o passo teu verás...
Deus, que o Masepa nos estepes guia...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

Recife, 1865




ArribaAbajoA uma taça feita de um crânio humano


Traduzido de Byron




ArribaAbajo«Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás -pobre caveira fria-
único crânio, que ao invés dos vivos,
só derrama alegria.

Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte  5
arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-se!... que a larva
tem beijos mais sombrios do que os teus.

Mas val guardar o sumo da parreira
do que ao verme do chão ser pasto vil;  10
-Taça- levar dos deuses a bebida,
que o pasto do reptil.

Que este vaso, onde o espírito brilhava,
vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro  15
... Podeis de vinho o encher!

Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
quando tu e os teus fordes nos fossos,
pode do abraço te livrar da terra,
e ébria folgando profanar teus ossos.  20

E por que não? Se no correr da vida
tanto mal, tanta dor aí repousa?
é bom fugindo à podridão do lodo
servir na morte enfim pra alguma coisa!...»

Bahia, 15 de dezembro de 1869




ArribaAbajoPedro ivo



Sonhava nesta geração bastarda
glórias e liberdade!...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Era um leão sangrento, que rugia,
da glória nos clarins se embriagava,
e vossa gente pálida recuava,
quando ele aparecia.

Álvares de Azevedo                




I

ArribaAbajoRebramam os ventos... Da negra tormenta
nos montes de nuvens galopa o corcel...
Relincha -troveja... galgando no espaço
mil raios desperta co'as patas revel.

É noite de horrores... nas grunas celestes,
nas naves etéreas o vento gemeu...
E os astros fugiram, qual bando de garças
das águas revoltas do lago do céu.

E a terra é medonha... As árvores nuas
espectros semelham fincados de pé,
com os braços de múmias, que os ventos retorcem,
tremendo a esse grito, que estranho lhes é.

Desperta o infinito... Co'a boca entreaberta
respira a borrasca do largo pulmão.
ao longe o oceano sacode as espáduas
-Encélado novo calcado no chão.

É noite de horrores... Por ínvio caminho
um vulto sombrio sozinho passou,
co'a noite no peito, co'a noite no busto
subiu pelo monte, -nas cimas parou.

Cabelos esparsos ao sopro dos ventos,
olhar desvairado, sinistro, fatal,
diríeis estátua roçando nas nuvens,
pra qual a montanha se fez pedestal.

Rugia a procela -nem ele escutava!...
mil raios choviam -nem ele os fitou!
Com a destra apontando bem longe a cidade,
após largo tempo sombrio falou!...


II

Dorme, cidade maldita,
teu sono de escravidão!...
Dorme, vestal da pureza,
sobre os coxins do Sultão!...
Dorme, filha da Geórgia
prostituta em negra orgia
sê hoje Lucrécia Bórgia
da desonra no balcão!...

Dormir?!... Não! Que a infame grita
lá se alevanta fatal...
Corre o champagne e a desonra
na orgia descomunal...
Na fronte já tens o laço...
Cadeia de ouro no braço,
de pérolas um baraço,
-Adornos da saturnal!

Louca!... Nem sabe que as luzes,
que acendeu pra as saturnais,
são do enterro de seus brios
tristes círios funerais...
Que o seu grito de alegria
é o estertor da agonia,
a que responde a ironia
do riso de Satanás!...

Morreste... E ao teu saimento
dobra a procela no céu.
E os astros -olhar dos mortos-
a mão da noite escondeu.
Vê!... Do raio mostra a lampa
mão de espectro, que destampa
com dedos de ossos a campa,
onde a glória adormeceu.

E erguem-se as lápidas frias,
saltam bradando os heróis:
«Quem ousa da eternidade
roubar-nos o sono a nós?»
Responde o espectro: «A desgraça!
Que a realeza, que passa,
com o sangue da vossa raça,
cospe o lodo sobre vós!...»

Fugi, fantasmas augustos!
Caveiras que coram mais,
do que essas faces vermelhas
dos infames párias!...
Fugi do solo maldito...
Embuçai-vos no infinito!...
E eu por detrás do granito
dos montes ocidentais...

Eu também fujo... Eu fugindo!!...
Mentira desses vilões!
Não foge a nuvem trevosa
quando em asas de tufões,
sobe dos céus à esplanada,
para tomar emprestada
de raios uma outra espada,
à luz das constelações!...

Como o tigre na caverna
afia as garras no chão,
como em Elba amola a espada
nas pedras -Napoleão,
tal eu -vaga encapelada,
recuo de uma passada,
pra levar de derribada
rochedos, reis, multidões...!


III

«Pernambuco! Um dia eu vi-te
dormindo imenso ao luar,
com os olhos quase cerrados,
com os lábios -quase a falar...
Do braço o clarim suspenso,
-O punho no sabre extenso
de pedra -recife imenso,
que rasga o peito do mar...

E eu disse: Silêncio, ventos!
Cala a boca, furacão!
No sonho daquele sono
perpassa a Revolução!
Este olhar que não se move
Stá fito em -Oitenta e nove-
Lê Homero -escuta Jove...
-Robespierre -Dantão.

Naquele crânio entra em ondas
o verbo de Mirabeau...
Pernambuco sonha a escada,
que também sonhou Jacó...
Cisma a República alçada,
e pega os copos da espada,
enquanto em su'alma brada:
«Somos irmãos, Vergniaud.»

Então repeti ao povo:
-Desperta do sono teu!
Sansão -derroca as colunas!
Quebra os ferros -Prometeu!
Vesúvio curvo -não pares,
ígnea coma solta aos ares,
em lavas inunda os mares,
mergulha o gládio no céu.

República!... Vôo ousado
do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta,
que beija a fronte ao Tabor!
Deus! Por que enquanto que o monte
bebe a luz desse horizonte,
deixas vagar tanta fronte,
no vale envolto em negror?!...

Inda me lembro... Era, há pouco,
a luta!... Horror!... Confusão!...
a morte voa rugindo
da garganta do canhão!...
O bravo a fileira cerra!...
Em sangue ensopa-se a terra!...
E o fumo -o corvo da guerra-
com as asas cobre a amplidão...

Cheguei!... Como nuvens tontas,
ao bater no monte -além,
topam, rasgam-se, recuam...
Tais a meus pés vi também
hostes mil na luta inglória...
... Da pirâmide da glória
são degraus... Marcha a vitória,
porque este braço a sustém.

Foi uma luta de bravos,
como a luta do jaguar.
De sangue enrubesce a terra,
-De fogo enrubesce o ar!...
... Oh!... mas quem faz que eu não vença?
-O acaso... -avalanche imensa,
da mão do Eterno suspensa,
que a idéia esmaga ao tombar!...

Não importa! A liberdade
é como a hidra, o Anteu.
Se no chão rola sem forças,
mais forte do chão se ergueu...
São os seus ossos sangrentos
gládios terríveis, sedentos...
E da cinza solta aos ventos
mais um Graco apareceu!...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Dorme, cidade maldita!
Teu sono de escravidão!
Porém no vasto sacrário
do templo do coração,
ateia o lume das lampas,
talvez que um dia dos pampas
eu surgindo quebre as campas,
onde te colam no chão.

Adeus! Vou por ti maldito
vagar nos ermos pauis.
Tu ficas morta, na sombra,
sem vida, sem fé, sem luz!...
Mas quando o povo acordado
te erguer do tredo valado,
virá livre, grande, ousado,
de pranto banhar-me a cruz!...


IV

Assim falara o vulto errante e negro,
como a estátua sombria do revés.
Uiva o tufão nas dobras de seu manto,
como um cão do senhor ulula aos pés...

Inda um momento esteve solitário
da tempestade semelhante ao deus,
trocando frases com os trovões no espaço
raios com os astros nos sombrios céus...

Depois sumiu-se dentre as brumas densas
da negra noite -de su'alma irmã...
E longe... longe... no horizonte imenso
ressonava a cidade cortesã!...

Vai!... Do sertão esperam-te as Termópilas
a liberdade inda pulula ali...
Lá não vão vermes perseguir as águias,
não vão escravos perseguir a ti!

Vai!... Que o teu manto de mil balas roto
é uma bandeira, que não tem rival.
-Desse suor é que Deus faz os astros...
Tens uma espada, que não foi punhal.

Vai, tu que vestes do bandido as roupas,
mas não te cobres de uma vil libré
se te renega teu país ingrato
o mundo, a glória tua pátria é!...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .


V

E foi-se... E inda hoje nas horas errantes,
que os cedros farfalham, que ruge o tufão,
e os lábios da noite murmuram nas selvas
e a onça vagueia no vasto sertão.

Se passa o tropeiro nas ermas devesas,
caminha medroso, figura-lhe ouvir
o infrene galope d'Espectro soberbo,
com um grito de glória na boca a rugir.

Que importa se o túm'lo ninguém lhe conhece?
nem tem epitáfio, nem leito, nem cruz?...
seu túmulo é o peito do vasto universo,
do espaço -por cúpula- as conchas azuis!...

... Mas contam que um dia rolara o oceano
seu corpo na praia, que a vida lhe deu...
enquanto que a glória rolava sua alma
nas margens da história, na areia do céu!...

Recife, maio de 1865




ArribaAbajoOitavas a Napoleão


Tradução de Lozano




ArribaAbajoÁguia das solidões!... Ninho atrevido
foram-te as borrascosas tempestades,
flamígero cometa suspendido
sobre o céu infinito das idades.
Tu que, no lago intérmino do olvido,  5
lançaste tuas régias claridades...
Deus caído do trono dos mais deuses...
Quem recebeu teus últimos adeuses?...

Não foram as pirâmides, que ouviram
de teus passos o som e se inclinaram...  10
Nem as águas do Nilo, que te viram,
e co'as ondas teu nome murmuraram...
Não foram as cidades, que brandiram
as torres como facho... e te aclararam...
Quem foi? Silêncio!... tremulo de medo  15
vejo apenas -um mar... vejo- um rochedo...

A terra, o mar, os céus... espaço estreito
eram pra tua planta de gigante.
Para teto dos paços teus foi feito
o firmamento colossal, flutuante  20
como diadema -os sóis... E como leito
o antártico pólo de diamante...
Teu féretro qual foi?... Titão do Sena,
o penhasco fatal de Santa Helena...

Assassina do Encélado da guerra  25
só tu foste, Albion... do mar senhora...
Por quê? Por um pedaço aí de terra
foi pedir-te o gigante em negra hora...
E lhe deste um penhasco... Oh! Lá s'encerra
tua lenda mais hórrida... Traidora!  30
Lá seu espectro envolto na mortalha
aos quatro céus a maldição espalha...

Ao leão, que temias, enjaulaste;
e de longe escutando seu rugido,
tu, senhora do mar... tu desmaiaste!  35
Pelo punhal traidor ele ferido
caiu-te aos pés... Então tu respiraste,
cobarde vencedora do vencido...
Nem mesmo todo o oceano poderia
lavar este padrão de covardia...  40

Tu não és tão culpada!... Aonde estava
a França tão potente e tão temida?...
Oh! Por que o não salvou?... se o contemplava
lá do gelo dos Alpes -soerguida!?...
E ele que a fez tão grande?... Ela folgava!...  45
Enquanto ao longe do colosso a vida
como um vulcão antigo e moribundo
lento expirava nesse mar profundo.

São Paulo




ArribaAbajoBoa-noite



Veux-tu doné partir? Le jour est encore éloigné;
c'etait le rossignol et non pas l'alouette,
dont le chant a frappé ton oreille inquiète;
il chante la nuit sur les branches de ce grenadier,
crois-moi, cher ami, c'etait le rossignol.

Shakespeare                



ArribaAbajoBoa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
não me apertes assim contra teu seio.

Boa-noite!... E tu dizes -Boa-noite.  5
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
-Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve... a calhandra
já rumoreja o canto da matina.  10
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
... Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
derrama nos jardins do Capuleto,
eu direi, me esquecendo d'alvorada:  15
«É noite ainda em teu cabelo preto...»

É noite, ainda! Brilha na cambraia
-Desmanchado o roupão, a espádua nua-
o globo de teu peito entre os arminhos
como entre as névoas se balouça a lua...  20

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas...
-São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada  25
lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
treme tua alma, como a lira ao vento,  30
das teclas de teu seio que harmonias,
que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio
ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.  35
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,
sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
-Boa-noite!-, formosa Consuelo!...  40

São Paulo, 27 de agosto de 1868




ArribaAbajoAdormecida



Ses longs cheveux épars la couvrent sonie entière.
La croix de son collier repose dans sa main,
comme pour témoigner qu'elle a fait sa prière.
Et qu'elle va la faire en s'éveillant demain.

Alfred de Musset                



ArribaAbajoUma noite, eu me lembro... Ela dormia
numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão.... solto o cabelo
e o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste  5
exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
indiscretos entravam pela sala,  10
e de leve oscilando ao tom das auras,
iam na face trêmulos -beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago
mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...  15
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante
brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
fazia-lhe ondear as negras tranças!  20

E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
pra não zangá-la... sacudia alegre
uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia  25
naquela noite lânguida e sentida:
«Ó flor! -tu és a virgem das campinas!
Virgem! -tu és a flor de minha vida!...».

São Paulo, novembro de 1868




ArribaAbajoJesuítas


Século XVIII


Ó mes frères, je viens vous apporter mon Dieu,
je viens vous apporter ma tête!

Chátiments - Victor Hugo                



ArribaAbajoQuando o vento da Fé soprava Europa,
como o tufão, que impele ao ar a tropa
das águias, que pousavam no alcantil;
do zimbório de Roma -a ventania
o bando dos Apost'los sacudia  5
aos cerros do Brasil.

Tempos idos! Extintos luzimentos!
O pó da catequese aos quatro ventos
revoava nos céus...
Floria após na Índia, ou na Tartária,  10
no Mississipi, no Peru, na Arábia
uma palmeira -Deus!-

O navio Maltês, do Lácio a vela,
a lusa nau, as quinas de Castela,
do Holandês a galé  15
levavam sem saber ao mundo inteiro
os vândalos sublimes do cordeiro,
Os átilas da fé.

Onde ia aquela nau? -Ao Oriente.
A outra? -Ao Pólo. A outra? -Ao Ocidente.  20
Outra? -Ao Norte. Outra? -Ao Sul.
E o que buscava? A foca além do pólo;
o âmbar, o cravo do indiano solo,
mulheres em 'Stambul.

Ouro -na Austrália; pedras- em Misora!...  25
«Mentira!» respondia em voz canora
o filho de Jesus...
«Pescadores!... nós vamos no mar fundo
pescar almas pra o Cristo em todo o mundo,
com um anzol -a cruz-!»  30

Homens de ferro! Mal na vaga fria
colombo ou Gama um trilho descobria
do mar nos escarcéus,
um padre atravessava os equadores,
dizendo: «Gênios!... sois os batedores  35
da matilha de Deus.»

Depois as solidões surpresas viam
esses homens inermes, que surgiam
pela primeira vez.
E a onça recuando s'esgueirava  40
julgando o crucifixo... alguma clava
invencível talvez!

O martírio, o deserto, o cardo, o espinho,
a pedra, a serpe do sertão maninho,
a fome, o frio, a dor,  45
os insetos, os rios, as lianas,
chuvas, miasmas, setas e savanas,
horror e mais horror...

Nada turbava aquelas frontes calmas,
nada curvava aquelas grandes almas  50
voltadas pra amplidão...
No entanto eles só tinham na jornada
por couraça -a sotaina esfarrapada...
e uma cruz -por bordão.

Um dia a taba do Tupi selvagem  55
tocava alarma... embaixo da folhagem
rangera estranho pé...
O caboc'lo da rede ao chão saltava,
a seta ervada o arco recurvava...
Estrugia o boré.  60

E o tacape brandindo, a tribo fera
de um tigre ou de um jaguar ficava à espera
com gesto ameaçador...
Surgia então no meio do terreiro
o padre calmo, santo, sobranceiro,  65
o Piaga do amor.

Quantas vezes então sobre a fogueira,
aos estalos sombrios da madeira,
entre o fumo e a luz...
A voz do mártir murmurava ungida  70
«irmãos! Eu vim trazer-vos -minha vida...
vim trazer-vos -Jesus!»

Grandes homens! Apóstolos heróicos!...
eles diziam mais do que os estóicos:
«Dor, -tu és um prazer!  75
Grelha, -és um leito! Brasa,- és uma gema!
Cravo, -és um cetro! Chama,- um diadema
ó morte, -és o viver!»

Outras vezes no eterno itinerário
o sol, que vira um dia no Calvário  80
do Cristo a santa cruz,
enfiava de vir achar nos Andes
a mesma cruz, abrindo os braços grandes
aos índios rubros, nus.

Eram eles que o verbo de Messias  85
pregavam desde o vale às serranias,
do Pólo ao Equador...
E o Niágara ia contar aos mares...
e o Chimboraço arremessava aos ares
o nome do Senhor!...  90

São Paulo, 1868

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