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Poemas humorísticos e irônicos de Cruz e Sousa

João da Cruz e Sousa

Paranaguadas

Que importa que tu fales

Que importa que tu files

Que importa que não cales,

Que importa que tu fales

Que importa que te rales,
5

Que importa-me essa bílis

Que importa que tu fales

Que importa que tu files.


Questão brocardo

-Pife, pufe, pafe, pefe

Pafe, pefe, pife, pufe-

A cacholeta no chefe-

-Pife, pufe, pafe, pefe

Estoure como um tabefe
5

E o ventre de raiva entufe-

-Pife, pufe, pafe, pefe

Pafe, pefe, pife, pufe!


Se é certo que o amor é um bem profundo

Se é certo que o amor é um sol ardente,

Eu hei de amar-te sempre neste mundo

E sempre, sempre, sempre - eternamente.


Nesta Tebaida infinita

Da vida, na sombra oculto,

Eu gosto de olhar o vulto

De uma criança bonita.

Porque afinal as crianças,
5

Como eu deslumbro-me ao vê-las,

Cintilam como as estrelas,

Florescem como esperanças.

Dentro de mim se projeta

A luz cambiante dos prismas
10

E batem asas as cismas

Qual passarada irrequieta.

E batem asas e ruflam,

Pelas artísticas plagas,

As auras que as grandes vagas
15

Dos fundos mares insuflam.

E digo, ó mães, se uma aurora

Fosse a minh'alma sincera,

Os clarões todos eu dera

A uma criança que chora.
20

Porque se a luz fortalece

Arbustos e as andorinhas,

Também por certo às criancinhas

Conforta, avigora, aquece.

E eu que aplaudo e que rimo
25

Tudo isso que à luz se regre,

Na vibração mais alegre

As criancinhas estimo.

Portanto, assim, sem refolhos

Beijando a Olga, beijando
30

Meus sonhos vão, irradiando,

Se derramar em seus olhos!


Questão brocardo

Triolé fura essa pança

Do Delegado - és um russo,

Revolução n'esta dança...

Triolé fura essa pança,

Fura, fura como a lança
5

Ou como no boi um chuço;

Triolé fura essa panca

Do Delegado - és um russo.


[Pinto, pinta - ponta à ponta]

Pinto, pinta - ponta à ponta

Tanta ponta, Pinto pinta

Que pinta se pinta a pinta

Pinto - pinta - ponta à ponta.

Pinto é ponto mas não ponta
5

Mas se pinta por um pinto

E já que o Pinto se pinta

Eu pinto-lhe a pinta ao Pinto.


Finou-se um tal inglês

Gastrônomo e patife

Que tanto -de uma vez

Comeu, comeu e esparramou-se em bife;

Que um dia de jejum,
5

Pela pança rotunda e quixotesca,

Teve um parto... comum,

Um feto original... de carne fresca.


I

Enquanto o sino bimbalha,

Bimbalha, bimbalha e tine,

Lançai do olhar a migalha

-Enquanto o sino bimbalha-

À raça que se amortalha
5

No horror que não se define...

Enquanto o sino bimbalha

Bimbalha, bimbalha e tine.

II

Perto da Igreja a senzala,

O Cristo junto aos escravos
10

E, pois, deveis visitá-la,

Perto da Igreja, a senzala

E procurar transformá-la

Da luz às palmas, aos bravos!...

Perto da Igreja a senzala,
15

O Cristo junto aos escravos.

III

E tão-somente por isto

Enquanto o sino bimbalha,

Bem antes de terdes visto

-E tão-somente por isto-
20

Todo o martírio do Cristo,

O vosso amor que lhes valha,

E tão-somente por isto,

Enquanto o sino bimbalha.


[De claque, casaca e luva]

De claque, casaca e luva,

De luva, casaca e claque

Ao rendez-vous da viúva,

De claque, casaca e luva,

Tu vais-arrostas a chuva
5

No macadam -plaque, plaque...

De claque, casaca e luva,

De luva, casaca e claque.


[Meus esplêndidos desejos]

Meus esplêndidos desejos

Emigram, como beijos,

Pelo azul espaço, em curvas,

Rasgando essas brumas turvas;

Pelo sol das primaveras,
5

Batendo as asas brancas,

Como, batem, quimeras...

...............................................

Voai, andorinhas francas!


[Nunca se cala o Callado]

Nunca se cala o Callado

E sempre o Callado, fala

Callado que não se cala,

Nunca se cala o Callado,

Callado sem ser calado,
5

Callado que é tão falado...

Nunca se cala o Callado

E sempre o Callado, fala.


[Estoure como o champagne]

Estoure como o champagne

O triolé -pule e salte

E como os gatos arranhe,

Estoure como o champagne

E a cara dos erros lanhe
5

E como o sol nunca falte...

Estoure como o champagne

O triolé -pule e salte.


[Parece um céu estrelado]

Parece um céu estrelado

Esta vida de nós dois

Depois d'aquele passado...

Parece um céu estrelado

Largo, puro, undiflavado
5

Depois do pesar, depois,

Parece um céu estrelado

Esta vida de nós dois.


[Levantem esta bandeira]

Levantem esta bandeira

Da posição de farrapo;

Da terra azul brasileira

Levantem esta bandeira

Que sente o horror da esterqueira
5

Da escravidão -negro sapo.

Levantem esta bandeira

Da posição de farrapo.


Teus traquinantes olhinhos

Continhas, Ziza, parecem;

Zigzagam sempre, tontinhos

Teus traquinantes olhinhos;

Tão pretos, tão redondinhos
5

Olhinhos que me embevecem,

Teus traquinantes olhinhos

Continhas, Ziza, parecem.


[Nas explosões de bons risos]

Nas explosões de bons risos

Os triolés petulantes

Chocalhem, tinam, precisos

Nas explosões de bons risos,

Tilintem como mil guisos
5

Sonoros, raros, vibrantes

Nas explosões de bons risos,

Os triolés petulantes.


[Preso ao trapézio da rima]

Preso ao trapézio da rima

Triolé -pega estes zotes

E dá-lhes de baixo acima

Preso ao trapézio da rima

Na mais artística esgrima
5

D'estouros e piparotes,

Preso, ao trapézio da rima

Triolé -pega estes zotes.


Grito de guerra

Aos senhores que libertam escravos


Bem! A palavra dentro em vós escrita

Em colossais e rubros caracteres,

É valorosa, pródiga, infinita,

Tem proporções de claros rosicleres.

Como uma chuva olímpica de estrelas
5

Todas as vidas livres, fulgurosas,

Resplandecendo, -vós tereis de vê-las

Rolar, rolar nas vastidões gloriosas.

Basta do escravo, ao suplicante rogo,

Subindo acima das etéreas gazas,
10

Do sol da idéia no escaldante fogo,

Queimar, queimar as rutilantes asas.

Queimar nas chamas luminosas, francas

Embora o grito da matéria apague-as;

Porque afinal as consciências brancas
15

São imponentes como as grandes águias.

Basta na forja, no arsenal da idéia,

Fundir a idéia que mais bela achardes,

Como uma enorme e fúlgida Odisséia

Da humanidade aos imortais alardes.
20

Quem como vós principiou na festa

Da liberdade vitoriosa e grande,

Há de sentir no coração a orquestra

Do amor que como um bom luar se expande.

Vamos! São horas de rasgar das frontes
25

Os véus sangrentos das fatais desgraças

E encher da luz dos vastos horizontes

Todos os tristes corações das raças...

A mocidade é uma falena de ouro,

Dela é que irrompe o sol do bem mais puro:
30

Vamos! Erguei vosso ideal tão louro

Para remir o universal futuro...

O pensamento é como o mar -rebenta,

Ferve, combate -herculeamente enorme

E como o mar na maior febre aumenta,
35

Trabalha, luta com furor -não dorme.

Abri portanto a agigantada leiva,

Quebrando a fundo os espectrais embargos,

Pois que entrareis, numa explosão de seiva,

Muito melhor nos panteões mais largos.
40

Vão desfilando como azuis coortes

De aves alegres nas esferas calmas,

Na atmosfera espiritual dos fortes,

Os aguerridos batalhões das almas.

Quem vai da sombra para a luz partindo
45

Quanta amargura foi talvez deixando

Pelas estradas da existência -rindo

Fora- mas dentro, que ilusões chorando.

Da treva o escuro e aprofundado abismo

Enchei, fartai de essenciais auroras,
50

E o americano e fértil organismo

De retumbantes vibrações sonoras.

Fecundos germens racionais produzam

Nessas cabeças, claridões de maios...

Cruzem-se em vós-como também se cruzam
55

Raios e raios na amplidão dos raios.

Os britadores sociais e rudes

Da luz vital às bélicas trombetas,

Hão de formar de todas as virtudes

As seculares, brônzeas picaretas.
60

Para que o mal nos antros se contorça

Ante o pensar que o sangue vos abala,

Para subir -é necessário- é força

Descer primeiro a noite da senzala.


[Da Lua aos raios prateados]

Da Lua aos raios prateados

Que no horizonte se espargem,

Como fulguram os prados

Da lua aos raios prateados,

Há vagos silfos alados
5

Do rio azul pela margem

Da lua aos raios prateados

Que no horizonte se espargem.


[Teus olhos belos por dentro]

Teus olhos belos por dentro

De grandes colorações,

Parecem ter pelo centro

Teus olhos belos por dentro

A luz vital onde eu entro
5

E saio imerso em clarões...

Teus olhos belos, por dentro

De grandes colorações.


[Teus olhos -esses carinhos]

Teus olhos -esses carinhos,

Esse casal de ilusões

Tão doces como os arminhos,

Teus olhos -esses carinhos

Parecem ser os dois ninhos
5

Das minhas consolações,

Teus olhos -esses carinhos

Esse casal de ilusões!...


[Enquanto este sangue ferve]

Enquanto este sangue ferve

Com força, com toda a força,

Palpite a fibra da verve

Enquanto este sangue ferve

Esmague-se o que não serve
5

Na treva o Mal se contorça,

Enquanto este sangue ferve,

Com força, com toda a força.


[Merece o bom do Vidal]

Merece o bom do Vidal

Que é mesmo um Joca de truz,

Ter também com o seu Fiscal,

Merece o bom do Vidal

Um banquete bambual,
5

De cem milhões de bambus

Merece o bom do Vidal

Que é mesmo um Joca de truz!


[Quando ela está de colete]

Quando ela está de colete,

Espartilhada, irradiante

Vestida de azul-ferrete

Quando ela está de colete

Em mim cruzando o florete
5

Do seu olhar -que elegante

Quando ela está de colete,

Espartilhada, irradiante.


[Se estala a estrofe de fogo]

Se estala a estrofe de fogo,

Se explose a estrofe do Bem,

Como o verbo demagogo

Se estala a estrofe de fogo,

Não ceda o espírito ao rogo
5

Do Mal que os erros contêm,

Se estala a estrofe de fogo,

Se explose a estrofe do Bem!


[Embora eu não tenha louros]

Embora eu não tenha louros

Como esses grandes heróis

E nem da idéia os tesouros,

Embora eu não tenha louros,

Talvez nos tempos vindouros
5

Traduza o poema dos sóis,

Embora eu não tenha louros

Como esses grandes heróis.


[Aos relâmpagos sulfúreos]

Aos relâmpagos sulfúreos

Na esfera zigue-zagando

Como esses pobres tugúrios,

Aos relâmpagos sulfúreos

Se douram, brilham purpúreos
5

Fulguram de quando em quando,

Aos relâmpagos sulfúreos

Na esfera zigue-zagando.


[À sombra espessa de um álamo]

À sombra espessa de um álamo

Quando nasceu-me a paixão,

Crescendo aos beijos do tálamo

À sombra espessa de um álamo

Que de harpas senti, que cálamo
5

Por dentro do coração

À sombra espessa de um álamo

Quando nasceu-me a paixão.


[Quando estás de laçarotes]

Quando estás de laçarotes

E de plissês e fichus,

De rendas e de decotes,

Quando estás de laçarotes,

Toilette de chamalotes,
5

Quanto esplendor, quanta luz,

Quando estás de laçarotes

E de plissês e fichus.


[Da idéia nos mares jônios]

Da idéia nos mares jônios

A barca das tuas cismas

Soprada por bons favônios

Da idéia nos mares jônios,

Vai livre dos maus demônios,
5

Batida da luz dos prismas,

Da idéia nos mares jônios

A barca das tuas cismas.


[Assombro de assombros]

Como um assombro de assombros

A rapariga -um rainúnculo,

Da serra pelos escombros

Como um assombro de assombros,

Quando vê de enxada aos ombros
5

O noivo -lembra um carbúnculo,

Como um assombro de assombros

A rapariga -um rainúnculo.


[Como fortes gargalhadas]

Como fortes gargalhadas

Por um templo de cristal,

Sonoramente vibradas,

Como fortes gargalhadas,

Sinto idéias baralhadas
5

N'um frágil descomunal

Como fortes gargalhadas

Por um templo de cristal.


«Diatribe»

Dois zoilos mui completos deste mundo,

Dois zoilos há terríveis e zelosos,

Que estando sem fazer, mui ociosos

Só tratam dum falar nauseabundo.

Eu sei mui bem seus nomes -não confundo
5

Com esses bem sensatos, talentosos,

Com esses lidadores mui briosos

Que têm estudo imenso e bem profundo!

Mas ah! pra que tempo hei-de gastar

Com quem só vive imerso na caligem
10

D'inveja torpe e vil a esbravejar!

Isto, meus amigos, é impigem

Que quanto se procura mais coçar

Tanto e tanto mais só dá prurigem!


[Da bruma pelos países]

Da bruma pelos países

Pelos países da bruma,

Longe dos astros felizes,

Da bruma pelos países,

Tu vais perdendo os matizes
5

Da luz e da glória em suma,

Da bruma pelos países,

Pelos países da bruma.


Escravocratas

Oh! Trânsfugas do bem que sob o manto régio

Manhosos, agachados -bem como um crocodilo,

Viveis sensualmente à luz dum privilégio

Na pose bestial dum cágado tranqüilo.

Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
5

Ardentes do olhar -formando uma vergasta

Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,

E vibro-vos à espinha -enquanto o grande basta

O basta gigantesco, imenso, extraordinário-

Da branca consciência -o rútilo sacrário
10

No tímpano do ouvido- audaz me não soar.

Eu quero em rude verso altivo adamastórico,

Vermelho, colossal, d'estrépito, gongórico,

Castrar-vos como um touro -ouvindo-vos urrar!


Da senzala...

De dentro da senzala escura e lamacenta

Aonde o infeliz

De lágrimas em fel, de ódio se alimenta

Tornando meretriz

A alma que ele tinha, ovante, imaculada
5

Alegre e sem rancor;

Porém que foi aos poucos sendo transformada

Aos vivos do estertor...

De dentro da senzala

Aonde o crime é rei, e a dor -crânios abala
10

Em ímpeto ferino;

Não pode sair, não,

Um homem de trabalho, um senso, uma razão...

e sim, um assassino!


Ao cons. Luís Alvares dos Santos


Vai-se acentuando,

Senhores da justiça -heróis da humanidade,

O verbo tricolor da confraternidade...

E quando, em breve, quando

Raiar o grande dia
5

Dos largos arrebóis -batendo o preconceito...

O dia da razão, da luz e do direito

-Solene trilogia-

Quando a escravatura

Surgir da negra treva -em ondas singulares
10

De luz serena e pura;

Quando um poder novo

Nas almas derramar os místicos luares,

Então seremos povo!


A Cassiano César


O século é de revolta -do alto transformismo,

De Darwin, de Littré, de Spencer, de Laffite-

Quem fala, quem dá leis é o rubro niilismo

Que traz como divisa a bala-dinamite!...

Se é força, se é preciso erguer-se um evangelho,
5

Mais reto, que instrua -estético- mais novo

Esmaguem-se do trono os dogmas de um Velho

E lance-se outro sangue aos músculos do povo!...

O vício azinhavrado e os cérebros raquíticos,

É pô-los ao olhar dos sérios analíticos,
10

Na ampla, social e esplêndida vitrine!...

À frente!... -Trabalhar à luz da idéia nova!...

-Pois bem! Seja a idéia, quem lance o vício à cova,

-Pois bem! Seja a idéia, quem gere e quem fulmine!...


Escárnio perfumado

Quando no enleio

De receber umas notícias tuas,

Vou-me ao correio,

Que é lá no fim da mais cruel das ruas,

Vendo tão fartas,
5

D'uma fartura que ninguém colige,

As mãos dos outros, de jornais e cartas

E as minhas, nuas -isso dói, me aflige...

E em tom de mofa,

Julgo que tudo me escarnece, apoda,
10

Ri, me apostrofa,

Pois fico só e cabisbaixo, inerme,

A noite andar-me na cabeça, em roda,

Mais humilhado que um mendigo, um verme...


Richepin, Rollinat! gritos sangrentos

Da carne alvoroçada de desejos,

Mosto de risos, lágrimas e beijos,

Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frêmito dos ventos,
5

De harpas, sutis, fantásticos harpejos,

Clarins de guerra, e cânticos e adejos

De aves -todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,

Estruge, zune, em borbotões levanta
10

Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte

Tudo isso é triste como a flor da morte

Que brota dentro das caveiras frias...


As unhas perigosas da bronquite

Nas tuas carnes sensuais e moles

Não deixarão que o teu amor palpite

Nem que os olhares pelos astros roles.

É fatal a moléstia. Só permite
5

Que te acabes por fim e que te estioles,

Sem que em teu peito o coração se agite,

Sem que te animes, sem que te consoles.

Vai se extinguindo a polpa dessas faces...

Mas se ainda hoje em mim acreditasses,
10

Como no tempo virginal de outrora,

Tu curar-te-ias com pequeno esforço

Das serranias através do dorso,

Pela saúde dos vergéis afora.


Crianças negras

Em cada verso um coração pulsando,

Sóis flamejando em cada verso, e a rima

Cheia de pássaros azuis cantando,

Desenrolada como um céu por cima.

Trompas sonoras de tritões marinhos
5

Das ondas glaucas na amplidão sopradas

E a rumorosa música dos ninhos

Nos damascos reais das alvoradas.

Fulvos leões do altivo pensamento

Galgando da era a soberana rocha,
10

No espaço o outro leão do sol sangrento

Que como um cardo em fogo desabrocha.

A canção de cristal dos grandes rios

Sonorizando os florestais profundos,

A terra com seus cânticos sombrios,
15

O firmamento gerador de mundos.

Tudo, como panóplia sempre cheia

Das espadas dos aços rutilantes,

Eu quisera trazer preso à cadeia

De serenas estrofes triunfantes.
20

Preso à cadeia das estrofes que amam,

Que choram lágrimas de amor por tudo,

Que, como estrelas, vagas se derramam

Num sentimento doloroso e mudo.

Preso à cadeia das estrofes quentes
25

Como uma forja em labareda acesa,

Para cantar as épicas, frementes

Tragédias colossais da Natureza.

Para cantar a angústia das crianças!

Não das crianças de cor de oiro e rosa,
30

Mas dessas que o vergel das esperanças

Viram secar, na idade luminosa.

Das crianças que vêm da negra noite,

Dum leite de venenos e de treva,

Dentre os dantescos círculos do açoite,
35

Filhas malditas da desgraça de Eva.

E que ouvem pelos séculos afora

O carrilhão da morte que regela,

A ironia das aves rindo a aurora

E a boca aberta em uivos da procela.
40

Das crianças vergônteas dos escravos

Desamparadas, sobre o caos, à toa

E a cujo pranto, de mil peitos bravos,

A harpa das emoções palpita e soa.

Ó bronze feito carne e nervos, dentro
45

Do peito, como em jaulas soberanas,

Ó coração! és o supremo centro

Das avalanches das paixões humanas.

Como um clarim a gargalhada vibras,

Vibras também eternamente o pranto
50

E dentre o riso e o pranto te equilibras

De forma tal que a tudo dás encanto.

És tu que à piedade vens descendo.

Como quem desce do alto das estrelas

E a púrpura do amor vais estendendo
55

Sobre as crianças, para protegê-las.

És tu que cresces como o oceano, e cresces

Até encher a curva dos espaços

E que lá, coração, lá resplandeces

E todo te abres em maternos braços.
60

Te abres em largos braços protetores,

Em braços de carinho que as amparam,

A elas, crianças, tenebrosas flores,

Tórridas urzes que petrificaram.

As pequeninas, tristes criaturas
65

Ei-las, caminham por desertos vagos,

Sob o aguilhão de todas as torturas,

Na sede atroz de todos os afagos.

Vai, coração! na imensa cordilheira

Da Dor, florindo como um loiro fruto
70

Partindo toda a horrível gargalheira

Da chorosa falange cor do luto.

As crianças negras, vermes da matéria,

Colhidas do suplício a estranha rede,

Arranca-as do presídio da miséria
75

E com teu sangue mata-lhes a sede!


Velho vento vagabundo!

No teu rosnar sonolento

Leva ao longe este lamento,

Além do escárnio do mundo.

Tu que erras dos campanários
5

Nas grandes torres tristonhas

E és o fantasma que sonhas

Pelos bosques solitários.

Tu que vens lá de tão longe

Com o teu bordão das jornadas
10

Rezando pelas estradas

Sombrias rezas de monge.

Tu que soltas pesadelos

Nos campos e nas florestas

E fazes, por noites mestas,
15

Arrepiar os cabelos.

Tu que contas velhas lendas

Nas harpas da tempestade,

Viajas na Imensidade,

Caminhas todas as sendas.
20

Tu que sabes mil segredos,

Mistérios negros, atrozes

E formas as dúbias vozes

Dos soturnos arvoredos.

Que tornas o mar sanhudo,
25

Implacável, formidando,

As brutas trompas soprando

Sob um céu trevoso e mudo.

Que penetras velhas portas,

Atravessando por frinchas...
30

E sopras, zargunchas, guinchas

Nas ermas aldeias mortas.

Que ao luar, pelos engenhos,

Nos miseráveis casebres

Espalhas frios e febres
35

Com teus aspectos ferrenhos.

Que soluças nos zimbórios

Os teus felinos queixumes,

Uivando nos altos cumes

Dos montes verdes e flóreos.
40

Que te desprendes no espaço

Perdido no estranho rumo

Por entre visões de fumo,

Das estrelas no regaço.

Que de Réquiens e surdinas
45

E de hieróglifos secretos

Enches os lagos quietos

Revestidos de neblinas.

Que ruges, brames, trovejas

Ó velho vândalo amargo,
50

No sonâmbulo letargo

De um mocho rondando igrejas.

Que falas também baixinho

Lá da origem do mistério,

Trazendo o augúrio sidéreo
55

E certa voz de carinho...

Que nas ruas mais escusas,

Por tardes de nuvens feias,

Como um ébrio cambaleias

Rosnando pragas confusas.
60

Que és o boêmio maldito,

O renegado boêmio,

Em tudo o turvo irmão gêmeo

Do sonhador Infinito.

Que és como louco das praças
65

Nos seus gritos delirantes

Clamando a pulmões possantes

Todo o Inferno das desgraças.

Que lembras dragões convulsos,

Bufantes, aéreos, soltos,
70

Noctambulando revoltos

Mordendo as caudas e os pulsos.

Ó velho vento saudoso,

Velho vento compassivo,

Ó ser vulcânico e vivo,
75

Taciturno e tormentoso!

Alma de ânsias e de brados,

Consolador companheiro

Sinistro deus forasteiro

D'espaços ilimitados!
80

Tu que andas, além, perdido,

Tateando na esfera imensa

Como um cego de nascença

Nos desertos esquecido...

Que gozas toda a paragem,
85

Toda a região mais diversa,

Levando sempre dispersa

A tua queixa selvagem.

Que no trágico abandono,

No tédio das grandes horas
90

Desoladamente choras,

Sem fadigas e sem sono.

Que lembras nos teus clamores,

Nas fúrias negras, dantescas,

Torturas medievalescas
95

Dos ímpios inquisidores.

Que és sempre a ronda das casas,

A gemente sentinela

Que tudo desgrenha e gela

Com o torvo rumor das asas.
100

Que pareces hordas e hordas

De hirsutos, intonsos bardos

Vibrando cânticos tardos

Por liras de cem mil cordas.

Ó vento lânguido e vago,
105

Ó fantasista das brumas,

Sopro equóreo das espumas,

Ó dá-me o teu grande afago!

Que a tua sombra me envolva

Que o teu vulto me console
110

E o meu Sentimento role

E nos astros se dissolva...

Que eu me liberte das ânsias

De ansiedades me liberte,

Pairando no espasmo inerte
115

Das mais longínquas distâncias.

Eu quero perder-me a fundo

No teu segredo nevoento,

Ó velho e velado vento,

Velho vento vagabundo!
120


A Emiliano Perneta


Oh sapo! eu vou cantar tuas misérias, sapo,

Vou tirar, nesse lodo onde habitas de rastros,

Umas vivas canções do teu nojento papo,

Da crosta esverdeada umas centelhas de astros.

E canções de tal forma e tais e tais centelhas,
5

Que todas possam ir, miraculosamente,

Transformadas, pelo ar, em rútilas abelhas

Com o íris voador de cada asa fulgente.

Que tu, tredo animal, tu, triste sapo hediondo,

Não és o vil, o torpe, o irracional, que a lama
10

Em camadas envolve o atro ventre redondo,

Dos tempos imortais nessa fecunda chama.

Não és o sapo histrião de imundas esterqueiras,

O sombrio Caim nos lamaçais errantes,

O clown gargalhador das charnecas rasteiras,
15

Que ri-se para o sol com riso ironizante.

Não és o sapo atroz, coaxador, visguento,

Que rouco ruge e raiva à noite os seus horrores,

E para o constelado e mudo firmamento

Faz ecoar os mais surdos e ásperos tambores.
20

Mas és o sapo humano, esse asqueroso e feio,

Nascido de roldão na lúgubre miséria

E que do mundo vão no pavoroso seio

Lembra o negro sarcasmo enorme da Matéria.

Mas és o sapo humano, o sapo mais abjeto
25

Do crime aterrador, do tenebroso vício,

Mas que ainda possuis o brilho de um afeto

Que te livra, talvez, do eterno precipício.

Por ora na tua alma a noite cruel, cerrada,

Não caiu de uma vez, como terrível fora;
30

Nela ainda há clarões de límpida alvorada,

Um prenúncio feliz de aurora redentora.

Ainda tens coração que pulsa no teu peito

Por uns filhos gentis, ingênuos, pequeninos,

Que são o grande amor, o sentimento eleito
35

Vencendo esses fatais instintos assassinos.

Tu semelhas de um charco a superfície nua

E vítrea, que no campo, aos ares, adormece,

Que se em cheio lhe bate a luz do sol, da lua,

Para a vasta amplidão cintila e resplandece.
40

Pois no teu organismo, assim sinistro e torvo,

Repleto de vibriões do vício -essas crianças,

Sorriem virginais, oh! solitário corvo,

Com sorrisos de luzes e barcarolas mansas.

O amor que regenera os ínfimos bandidos,
45

Não reduziu, enfim, tu'alma a ignóbil trapo.

E eis por que, num viver de pântano e gemidos,

Cantam dentro de ti aves e estrelas, sapo!


Marche aux flambeaux

I

Rompe na aurora o sol que a terra esbofeteia

Com látegos de chama, iriando o pó e a areia,

Iriando os vegetais de ricas pedrarias,

Dos rubis e cristais das ourivesarias;

Aurora acesa em cor de púrpura de cravos
5

Opulentos, febris, ensanguinados, bravos;

De ritmos leves de harpa e frêmitos e beijos

Que são da natureza os trêmulos arpejos;

Aurora que sorri, que traz pomposamente

Todo o raro esplendor da luz resplandecente,
10

Das paisagens louçãs no fúlgido matiz

O aroma a derramar da meiga flor de lis.

Na alegria dos tons os pássaros cantando

Vão as asas abrindo, entre os clarões ruflando,

Asas emocionais, que assim dentre clarões
15

Palpitam num fervor de alados corações.

E no luxo oriental de etéreo Grão-Mogol

Como um Baco feliz rubro flameja o sol.

II

Filósofos titãs, filósofos insanos

Que destes turbilhões, que destes oceanos
20

De lutas e paixões, de sonho e pensamentos

Espalhastes no mundo aos clamorosos ventos

A Ciência fatal, talvez como um veneno,

Que os tempos abalou no caminhar sereno;

Filósofos titãs, que os séculos austeros
25

No flanco da Matéria abris, graves, severos,

Sobre o escombro da fé, da crença e da esperança,

Da civilização o trilho que hoje alcança

No seu aço viril as regiões supremas,

Traçado em novas leis, doutrinas e problemas;
30

Vós que sois no Saber os monges da existência

E só acreditais na força da Ciência,

Que da morte sabeis os filtros invisíveis,

Narcóticos, sutis, incógnitos, terríveis,

Não sabeis, entretanto, apóstolos sombrios,
35

Como à luz da Ciência os homens estão frios,

Como tudo ficou num doloroso caos

E os seres que eram bons, rudes, egoístas, maus.

Em vão! em vão! em vão! os vossos largos crânios

Lutaram pelo Bem dos Bens contemporâneos!
40

Tudo está corrompido e até mais imperfeito...

Não há um lírio são a florescer num peito,

De piedade, de amor e de misericórdia...

Se brota uma virtude o ascoso vício morde-a,

Envilece, corrompe e abate essa virtude
45

Com o cinismo revel dum epigrama rude...

E até muita alma vil, feroz, patibular,

Impunemente sobe ao mais sagrado altar.

Por isso vão passar perante a turbamulta

Como abrupta avalanche, enorme catapulta,
50

Numa marche aux flambeaux, os famulentos vícios

Que cavaram no globo horrendos precipícios,

Os vícios imortais, que infestam tribos, greis,

Povos e gerações, seitas, templos e reis

E que são como a lava obscura da cratera
55

Que subterraneamente em tudo se invetera.

Com toda intrepidez hercúlea de acrobata

Vou sobre eles soltar, gloriosa, intemerata,

A sátira que tem esporas de galhardo

Cavaleiro ideal que joga a lança e o dardo.
60

Vou com esse altanado e muscular esforço

De quem galga triunfal o soberano dorso,

A crista vigorosa, altiva, sobranceira,

Da mais agigantada e vasta cordilheira.

III

Lobos, tigres, chacais, camelos, elefantes,
65

Hipopótamos, ursos e rinocerontes,

Leopardos e leões, panteras acirrantes,

Hienas do furor, membrudos mastodontes,

Tredas feras do mal, soturnos dromedários,

Serpentes colossais que rastejais na treva,
70

Monstros, monstros cruéis, medonhos, sangüinários,

Cuja pata esmagante a presa aos antros leva;

Ó ventrudos judeus, opíparos, obesos,

De consciência obtusa, ignóbil e caolha

Que no mundo passais grotescamente tesos
75

Com honras de entremez e grandezas de rolha;

Gafentos histriões, ridículos da moda,

Que fingis entender Berlim, Londres, Paris,

Mas nos altos salões, por entre a fina roda,

Meteis sordidamente o dedo no nariz;
80

Brasonados truões, inúteis como eunuco,

Que as pompas ostentais de aurífero nababo

Mas apenas valeis como um limão sem suco,

Tendes rabo no corpo e dentro d'alma rabo;

Nobres de papelão, milionários vândalos
85

De ventre confortado e rosto rubicundo,

Que no torvo cancã, no cancã dos escândalos

Sois o horrendo espantalho, a ignomínia do mundo;

Ó deuses do milhão, ó deuses da barriga,

Que sentindo a aguilhada intensa da luxúria
90

Buscais a mais em flor e linda rapariga

Para então vos fartar na luxuriante fúria;

Gamenhos de toilette e convicções de lama

Onde tudo afinal se atola e se chafurda,

Que do clube e do sport sintetizais a fama
95

Mas tendes para o Bem a fibra sempre surda;

Palhaços, clowns senis, hediondos borrachos

Que aos trambolhões urrais afora no universo,

Desdenhando de tudo e até rindo dos fachos,

Do clarão do saber em toda a parte imerso;
100

Almas negras, servis, d'ergástulos caóticos,

Gerado no paul das lúgubres voragens,

Do crime nos bulcões, nos vícios mais despóticos

Aos quais tanto rendeis eternas homenagens,

Manequins, charlatães, devassos do bom-tom,
105

Que viveis nas Babéis das grandes capitais

Apodrecendo sempre infamemente com

O cancro do dinheiro as forças virginais;

Mascarados tafuis de gordos ventres de ouro,

Ó bonzos do deboche e cínicos esgares,
110

Que sois o único sol esterlinado e louro

Das parvas multidões, das multidões alvares;

Fidalgos de barril, sicofantas, malandros

Do templo e do bordel, da crápula de harém

Que ao puro mar do Ideal, com torpes escafandros,
115

Arrancais, p'ra vender, a pérola do Bem;

Ó trânsfugas, ladrões que difamais a terra,

Que tudo poluís, do próprio lodo à flor,

À serena humildade, intrepidez da guerra.

Aos beijos maternais, ao nupcial amor;
120

Espíritos de treva, espíritos de barro

Que enegreceis de horror o sangue das papoulas

E das ostentações vos aclamais no carro,

Cobertos de cetins, arminho e lantejoulas;

Que se vem de repente o Nada sepulcral
125

Nunca deixais, sequer, no tétrico leilão,

No leilão da memória, estranho, universal,

Nem um som a vibrar do estéril coração!

Dentre feras brutais de ríspidos penhascos

E a torrente caudal de rijos versos francos
130

E a zombaria e o riso e as sátiras e os chascos,

Nesta marche aux flambeaux ides passar, aos trancos!

Do mundo os naturais, zoológicos museus

Despejem para fora as pavorosas massas,

Para virem reunir-se aos tábidos judeus
135

Irromper e seguir e desfilar nas praças.

Que a cada mata, a entranha, o seio virgem se abra

Jorrando tigres, leões, panteras do seu centro

E na dança infernal, estrupida, macabra,

Siga a marche aux flambeaux pelo universo a dentro.
140

Gargalhadas abri a rubra flor sangrenta

Da humanidade vã na amargurada boca,

Vai agora passar a marcha truculenta

Sob o espingardear duma ironia louca.

E desfila e desfila em becos e vielas
145

E torna a desfilar por vielas e por becos,

Às risadas da turba, estultas e amarelas

Que têm o áspero som de gonzos perros, secos...

E desfila e desfila, estrídula e execranda,

Das praças na amplidão, rugindo em mar desfila,
150

Enquanto além dardeja, heróica e formidanda,

A metralha do sol que rútilo fuzila...

E mastodontes vão de braço dado a sérios

Burgueses que já são bem bons comendadores

E marqueses de truz, com ares de mistérios,
155

De lunetas gentis e aspectos sonhadores

Dão o braço fidalgo e airoso das nobrezas

Aos ursos boreais, enquanto os conselheiros,

Os condes, os barões, os duques e as altezas

Lá vão de braço dado aos lobos carniceiros.
160

E nessa singular, atroz promiscuidade,

Animais e truões de catadura suína,

Gordalhudos heróis da infâmia e da maldade,

Vendidos da honradez, velhacos de batina

Bobos, cães, imbecis, humanos crocodilos
165

E déspotas, jograis, todos os miseráveis

De todas as feições e todos os estilos,

Uns aos outros lá vão jungidos, formidáveis!...

Mas a marche aux flambeaux derrama um pesadelo,

A agonia dum tigre, em sonhos, sobre um ventre,
170

Agonia mortal que envolve tudo em gelo...

E desfila e desfila entre sarcasmos e entre

As sátiras-fuzis, relampejando açoite,

Por essa imensa aurora, estranhamente imensa

Por um sol que angustia e que não tem da noite
175

Para a Miséria a sombra atenuante e densa.

Os vícios, as paixões, os crimes, ódios e erros,

Na marcha, de roldão, caminham fraternais

Com bandidos, vilões, burgueses rombos, perros

E focas e mastins, macacos e chacais.
180

Aos sobressaltos vão como visões, fantasmas

Bichos de toda a casta, anões de chapéu alto,

Deixando em convulsão todas as almas pasmas

E o globo num tremendo e fundo sobressalto.

E nas praças, ao sol, confundem-se os bramidos,
185

Os uivos com a expressão humana misturados,

Através do sussurro e bruscos alaridos

Das chacotas bestiais, dos risos trovejados.

E segue e segue e segue, afora, légua a légua

Essa marche aux flambeaux, ciclópica, estupenda
190

Caminha atravessando um longo sol sem trégua,

Um dia secular, um dia de legenda;

Caminha atravessando um sol de foco aberto,

Por um dia fatal, interminável, mudo,

O dia do remorso, aterrador, incerto
195

Que em todo o coração crava um punhal agudo.

Mas eu quero assim mesmo, eu quero-vos assim,

Em marcha tropical, à crua e ardente luz

Que vos seja uma febre indômita, sem fim,

Um cautério de fogo a vos queimar o pus
200

Venéreo da Moral, carbonizando-o até

Para que nunca mais se sinta dele a origem

Nem volte, como sempre, então, a ser o que é,

Deixando-vos no mundo inteiramente virgem;

Eu quero-vos assim, de fachos apagados,
205

Apagados, ao alto, os joviais flambeaux,

Que os tereis de acender nos campos ignorados

Que de sóis de Vingança a Eternidade arou.

E depois de vagar às sátiras de todos,

Na evidência da luz, numa perpétua aurora;
210

De caminhar ao sol, por tremedais, por lodos,

No tédio do sarcasmo, o tédio que a devora,

Essa Marcha afinal penetrará aos urros,

Titânica, sinistra e bêbada, irrisória,

Num caos de pontapés, coices, vaias e murros,
215

Na eterna bacanal ridícula da História.