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ArribaAbajo

Hino

Cantado pelos alunos do Instituto dos Cegos por ocasião da distribuição dos prêmios em 1863






ArribaAbajo

1º canto


Saudação


Coro


ArribaAbajoGlória aos anjos que firmando
deste império a monarquia,
contra as iras da anarquia,
do seu trono a glória são.

São duas virgens formosas,  5
cujos sublimes destinos
nos rostos, quase divinos
bem retratados estão.

Inda que cegos nem vê-las
por um momento possamos,  10
é assim que as desenhamos
em nossa imaginação.

Firmes e ledas na vida
caminham da glória ao templo,
guiadas pelo exemplo  15
que os pais augustos lhes dão.

O perfume da inocência
que das flores d'alma exalam
quando riem, quando falam,
avassala o coração.  20

Quem as ouve, embora a mente
ao trono se não remonte,
curva os joelhos e a fronte,
para beijar-lhes a mão.

E nós, cegos infelizes,  25
quando a destra lhes beijamos,
dentro d'alma sufocamos
um pranto de gratidão.




ArribaAbajo

2º canto


Súplica


ArribaAbajoTu, Ser no qual dos seres
somente o ser consiste!
Que És ser de quanto existe
se nutre e reproduz;
se para a luz nascemos,  5
depois da luz criados,
eis-nos aqui prostrados!
A luz, Senhor! A luz!

A luz, dádiva imensa,
bela, sublime, santa,  10
que deste à terra, à planta,
ao bruto, aos bons, aos maus!
As nossas mãos tateiam
abismo negro e fundo;
aos outros deste o mundo,  15
a nós somente o caos!

Mas Tu És Ser dos seres
em que o ser consiste!!
És Ser de quanto existe,
se nutre e reproduz;  20
se para a luz nascemos,
depois da luz criados,
eis-nos aqui prostrados!
A luz, Senhor! A luz!




ArribaAbajo

3º canto


Visão


ArribaAbajoSilêncio! As trevas desbotam
seu carregado negror;
vai pouco a pouco surgindo
matutino resplendor.

Por entre nuvens de púrpura  5
assoma visão celeste,
real aspecto mostrando
no ar, na forma e na veste.

Cinge um manto, um cetro empunha,
que um dragão tem por emblema;  10
vinte estrelas-sóis flamejam
no circ'lo do seu diadema.

Na destra suspende um mundo:
Mais vigoroso que Atlante,
firme os pés, apóia o cetro  15
sobre o dorso de um gigante.

A claridade que o cerca
é seu olhar que a produz;
não vê somente, dá vista;
não tem só, difunde a luz.  20

Dessa luz iluminados,
com pasmo e prazer profundo,
no vulto reconhecemos
nosso pai -Pedro Segundo.




ArribaAbajo

4º canto


Alegria e agradecimento


ArribaAbajoDo corpo os olhos mortos,
senhor, temos em vida;
porém na desabrida
mágoa do mal atroz,

celeste medicina  5
a nossa dor acalma;
propícia aos olhos d'alma
a luz nos vem de vós.

A luz da inteligência,
crescente pelo estudo,  10
na claridade, em tudo
que a outra vale mais.
A luz externa a tudo
concede a providência;
a luz da inteligência  15
só toca aos racionais;

e esta vos devemos.
O cego desvalido
por vós hoje instruído
calcula, escreve e lê,  20
se em trevas tropeçando
só tem no mundo escolhos,
aos céus levanta os olhos,
e vê o que alma vê.

Monarca no poder,  25
monarca na bondade,
na dupla majestade
com que sois rei, senhor,
se tendes quem beijar-vos
a mão de rei deseje,  30
mais tendes quem vos beije
a mão de benfeitor.

E quanto as obras vossas
por Deus são estimadas,
na esposa e prole amadas  35
mais que patente está;
nas ditas, na ventura
que tendes no seu grêmio,
dos bens que dais, em prêmio
na terra, o céu vos dá.  40

Deste reinado a história
de glória e f'licidade,
para adorar-vos há de
o mundo inteiro ler.
Hão de escrevê-la sábios  45
de méritos subidos,
mas hão de os desvalidos
a mor parte escrever.

Então, também louvando
voss'alma benfazeja,  50
um cego que mais veja,
dos muitos que aqui estão
(talvez em prosa altiva,
ou sublimado metro),
dirá que o vosso cetro  55
dos cegos foi bordão.




ArribaAbajo

Sonetos




ArribaAbajo

Soneto I


Leandro e Hero

Hei de, mártir de amor, morrer te amando.




ArribaAbajoO facho do Helesponto apaga o dia,
sem que aos olhos de Hero o sono traga,
que dentro de sua alma não se apaga
o fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,  5
que abrandado por ela, a prece afaga,
e traz-lhe o morto amante numa vaga,
(talvez vaga de amor, inda que fria).

Ao vê-lo pasma, e clama num transporte-
«Leandro!... és morto?!... Que destino infando  10
te conduz aos meus braços desta sorte?!!

Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando
assim termina já sorvendo a morte)
hei de, mártir de amor, morrer te amando




ArribaAbajo

Soneto II


A uma inconstante


É carpir, delirar, morrer por ela!

BOCAGE                



ArribaAbajoDe uma ingrata em troféu despedaçado
meu coração devora amor cruento,
trocando em fero e bárbaro tormento
quantos prazeres concedeu-me o fado.

No seio d'alma, já dilacerado,  5
negras fúrias do báratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
de zelos negro fel envenenado.

Desprezo, ingratidão, fria esquivança
da cruel por quem morro, em tal procela  10
apagaram-me a estrela da esperança.

E eu (ao confessá-lo a dor me gela)
humilhado a seus pés, minha vingança
É carpir, delirar, morrer por ela.




ArribaAbajo

Soneto III


A um infeliz


ArribaAbajoGeme, geme, mortal infortunado,
é fado teu gemer continuamente:
Perante as leis do Fado és delinqüente,
sempre tirano algoz terás no Fado.

Mas para não ser mais envenenado  5
o fel que essa alma bebe, e o mal que sente,
não te iluda o falaz riso aparente
de um futuro de rosas coroado.

Só males o presente te afiança:
Encrustado de vermes charco imundo  10
se te volve o passado na lembrança.

Busca, pois, o da morte ermo profundo:
Despedaça a grinalda da esperança:
crava os olhos na campa, e deixa o mundo.




ArribaAbajo

Soneto IV


A uma senhora


ArribaAbajoDos meus lares, dos meus que choro ausente,
me vieste acordar saudade ímpia,
tu, amada do Anjo d'Harmonia,
que te fazes ouvir tão docemente.

Do piano o teclado obediente  5
ao teu tocar encheu-se de magia,
e lá dos mortos na soidão12 sombria
operou-se um milagre de repente.

A morte sobre a fouce, entristecida,
amarguradas lágrimas verteu,  10
talvez do fero ofício arrependida!

Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
e, cheio de alegria desmedida,
c'um sorriso de glória um -bravo- deu.




ArribaAbajo

Soneto V


À Sra. Marieta Landa

Por ocasião de cantar no teatro de S. João da cidade da Bahia




ArribaAbajoDisseste a nota amena d'alegria,
e, arrebatado então nesse momento
de um doce, divinal contentamento,
eu senti que minh'alma aos céus subia.

Disseste a nota da melancolia,  5
negra nuvem toldou-me o pensamento;
senti que agudo espinho virulento
do coração as fibras me rompia.

És anjo ou nume, tu que desta sorte
trazes o peito humano arrebatado  10
em sucessivo e rápido transporte?!

Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
no canto dar a vida, ou dar a morte,
tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.




ArribaAbajo

Soneto VI


À mesma senhora


ArribaAbajoTão doce como o som da doce avena
modulada na clave da saudade;
como a brisa a voar na soledade,
branda, singela, límpida e serena;

ora em notas de gozo, ora de pena,  5
já cheia de solene majestade,
já lânguida exprimindo piedade,
sempre essa voz é bela, sempre amena.

Mulher, do canto teu no dom supremo
a dádiva descubro mais subida  10
que de um Deus pode dar o amor paterno.

E minh'alma, num êxtase embebida,
aos teus lábios deseja um canto eterno,
e, só para gozá-lo, eterna a vida.




ArribaAbajo

Soneto VII


À mesma senhora


ArribaAbajoAlcíone, perdido o esposo amado,
ao céu o esposo sem cessar pedia;
porém as ternas preces surdo ouvia
o céu, de seus amores descuidado.

Em vão o pranto seu d'alma arrancado  5
tenta a pedra minar da campa fria;
a morte de seu pranto escarnecia,
de seu cruel penar se ria o fado.

Mas ah! -não fora assim, se a voz tivera
tão bela, tão gentil, tão doce e clara,  10
daquela que hoje neste palco impera.

Se assim cantasse, o túmulo abalara
do bem querido; e, branda a morte fera,
vivo o extinto esposo lhe entregara.




ArribaAbajo

O tempo13


ArribaAbajoDeus pede estrita conta de meu tempo,
é forçoso do tempo já dar conta;
mas, como dar sem tempo tanta conta,
eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo  5
dado me foi bem tempo e não foi conta.
não quis sobrando tempo fazer conta,
quero hoje fazer conta e falta tempo.

Oh! vós que tendes tempo sem ter conta
não gasteis esse tempo em passatempo:  10
cuidai enquanto é tempo em fazer conta.

Mas, oh! se os que contam com seu tempo
fizessem desse tempo alguma conta,
não choravam como eu o não ter tempo.

Para do mundo dar completo cabo,  15
lá do negro recinto o soberano
meditava a forjar horrível plano
coçando a grenha, sacudindo o rabo.

Merecedor enfim de imenso gabo,
eis o que assim disse muito ufano:  20
para a missão cumprir -digesto humano
quero fazer -que nasça hoje um diabo.

E o 23 de maio nisso raia...
Teotônio nasceu, e a fama soa
jamais ter visto infame dessa laia.  25

Pois para Satã ser mesmo em pessoa,
traja, qual bruxa velha, negra saia,
como o rei dos bandalhos tem coroa.

Vendo da peste o bárbaro flagelo
mil vidas a ceifar a cada instante,  30
d'África deixa o solo distante
e veio no Brasil curar Otelo.

O semblante imposto negro-amarelo
cresta do orgulho a chama crepitante,
traz cheia de vidrinhos o turbante,  35
e buído punhal por escalpelo.

Homeopata é, e o albergue puro
do puro Martins busca e diz-lhe ardido:
«Doutor, eu quero ter vosso futuro.»

-Bravo! grita o Martins enternecido;  40
pelas cinzas de Hahnemann te juro
que não hás de morrer desconhecido.




ArribaAbajo

Setenário poético




ArribaAbajo

Canto I


A Providência, a cujos decretos nada resiste, e de que não é lícito murmurar.


(Imp. Alexandre da Rússia)                



ArribaAbajoDas soberbas muralhas, tetos d'ouro,
dos palácios zombando, sem sussurro
voa o anjo que volve o mundo ao nada!
Com a destra fatal lançando em terra
tronos, cetros, diademas e tiaras.  5
Sopram seus lábios hórridos venenos,
que as flores murcham da infeliz campina
que o viu passar. A Nápoles seu vôo
furioso endereça, as asas bate
sobre o trono, e de luto cobre o sólio,  10
na mísera cidade levantando
monumento credor de pranto eterno!
E lá jaz para sempre, lá repousa
uma fronte real que inda há bem pouco,
gingindo áureo diadema, prometera  15
idades d'ouro dos Bourbons ao povo.
Inesperado golpe, caso infausto,
quantos bens nos roubaste no futuro!...
Oh! quantas esperanças destruíste...

Quanto pranto trouxeste!... triste sorte  20
dos míseros humanos!... Ilusores,
magníficos fantasmas da esperança...
Vida, que és tu?!... Caminho breve sempre
do leito à sepultura! Flor que murcha
quando mais odorosa nos parece.  25
E, além das ilusões, quimeras fúteis
de rápidos prazeres soçobrados
em oceanos de angústias, que nos deixas?...
O que resta de ti?... Só a virtude!
Sim, que a virtude só zomba da morte.  30
E de pé sobre a laje do sepulcro
do vivo para o morto um culto pede!
De lá, ó Isabel!, teu nome Augusto
de apoteoses mil cercado surge...
Ele as funéreas trevas aguardava,  35
para brilhar no céu, como rutilam
nos céus os astros, quando a noite arroja
seu manto opaco e negro sobre a terra.

Junto às portas do céu arremessaste
a túnica de carne, que trajavas  40
da milícia da vida nos combates,
como junto ao portal do alvergue amigo
arremessa o guerreiro fatigado
as pesadas, inúteis armaduras,
para gozar tranqüilo e sossegado  45
sono de paz em leito abençoado
por destra paternal. A Glória é tua!

Bem conhece a razão esta verdade;
mas zomba da razão da mágoa a força;
e, apesar da razão, medra a saudade!...  50
Quanto mais bela te divisa o mundo,
mais deseja gozar-te, alma bendita!...
Mais punge a tua ausência o peito ausente
de Teus Filhos, Teus Netos e Teu Povo.
Ah! lança lá do Céu a bênção Tua  55
sobre o mundo; consola o mundo aflito...
Faze que o céu nos dê valor, constância,
para os males sofrer que nos flagelam!-
E, se lá do Empíreo minhas vozes
gratas te são, acolhe meus suspiros!...  60
Inspira-me essas frases lamentosas,
com que de minha dor modero as iras;
afina a lira débil que votou-te
o Vate Brasileiro aos Régios Manes!




ArribaAbajo

Canto II



Elle est, elle est à Dieu...

Lamartine, Harm. Poet.                



ArribaAbajoIsabel, que do mundo fugiste,
tão brilhante, tão bela e tão pura
como o sol do horizonte, deixando
sobre o mundo cair treva escura;

Isabel, que do mundo fugiste  5
como foge louçã Primavera,
permitindo que o Inverno desbote
vastos campos que verdes fizera;

Isabel, que do mundo fugiste
como foge dos ares no véu  10
belo Íris, que aos homens declara
a aliança da terra e do céu;

se da noite rompendo os negrumes
torna o sol no horizonte a nascer,
com a volta trazendo os prazeres  15
que, morrendo, fizera morrer;

se voltando a gentil Primavera
à natureza dá forças, dá vida,
que perdera de frio gelada
do inverno na capa envolvido;  20

se do Íris a cor tão mimosa
para sempre se não desvanece,
e depois de nos céus se perder,
outras vezes nos céus aparece...

Íris, Sol, Primavera Gentil,  25
vem de novo na terra brilhar:
tua augusta presença dá vida,
tua ausência nos pode matar!...

Vestem noite teus filhos, teu trono,
traja noite teu povo também;  30
chovem prantos dos olhos de todos,
nem verdumes os campos já têm!

Íris, Sol, Primavera Gentil,
vem de novo na terra brilhar;
tua augusta presença dá vida,  35
tua ausência nos pode matar!...

Belas flores murcharam tristonhas;
tem os troncos tristonho prospecto;
àguas turvas sem vida derrama
na enlutada Campânia o Sabeto.  40

Íris, Sol, Primavera Gentil,
vem de novo na terra brilhar:
tua augusta presença dá vida,
tua ausência nos pode matar!...

Mas, inúteis são preces aos mortos...  45
Nunca mais, nunca mais voltará
cá dos homens ao reino infeliz
quem no reino dos anjos está.

Ri-te, ri-te nos céus, alma santa;
goza, goza eternal f'licidade!...  50
-Isabel deve rir-se na Glória,
deve o mundo chorar de saudade!!!...-




ArribaAbajo

Canto III



She went to meet her God.

Elegia à Rainha Carolina de Inglaterra.                




I

ArribaAbajoDe Isabel os restos jazem
lá no recinto sombrio,
no seio da sepultura
solitário, mudo e frio.
lá descansa em sono eterno  5
a Mãe cheia de ternura,
a Rainha que a ventura
fazia do povo Seu.
Tantas preces, tanto pranto,
tantas súplicas de amor,  10
nada, nada do Senhor
o decreto removeu.


II

Como juntos d'árvore santa,
que por ímpios derribada,
entre os frutos macerados,  15
jaz em terra desfolhada,
choram aves que gozavam
dos aromas exalados
das flores, dos sazonados
belos pomos que brotou;  20
saudosas daquela sombra,
que do sol na intensidade,
no rigor da tempestade
os seus dias abrigou.


III

Isabel, assim a gente  25
que viveu tão feliz vida,
pela sombra do Teu manto
breves tempos acolhida,
que o aroma das virtudes
de tua alma desfrutara,  30
que nos teus filhos depara,
do seu Deus santa bênção;
vendo junto dos Teus manes
tua prole lacrimosa,
aflita, geme chorosa  35
na maior consternação.


IV

Chorai, ó povos! chorai!...
Com vosso pranto fazei
conhecer ao mundo inteiro
quanto amais ao vosso Rei!  40
Mostrai-vos gratos a quem
de vosso bem se incumbiu,
que convosco repartiu
seu pensar e seu viver.
Livre deixai esse pranto,  45
que o semblante vos inunda,
da Rainha sem segunda
na sepultura correr.


V

Chorai, que vos acompanha
do bronze o sagrado som,  50
porque o bronze também chora,
quando morre algum Bourbon;
e cá deste meu Brasil,
onde, cheia de candura,
de virtudes, de doçura,  55
de Isabel vive Uma Flor,
com eles irão juntar-se,
transpondo distância tanta,
os tristes versos que canta
Brasileiro Trovador.  60




ArribaAbajo

Canto IV


Quem como tu, alma angélica!


J. Bonifácio                



ArribaAbajoDe novo minhas lágrimas queridas
dos meus olhos correi em liberdade!...
Vinde aplacar as dores das feridas,

que da morte alegrando a impiedade,
me quis fazer no íntimo do peito  5
o farpão penetrante da saudade.

Convosco, só convosco me deleito,
porque sois as sensíveis companheiras
do mortal que não vive satisfeito...

De meus olhos correi, correi ligeiras!...  10
Molhai da minha lira as cordas tristes,
de minha dor cansadas pregoeiras!

E vós, ó Natureza! que me ouvistes,
erguer o sonoroso alegre canto,
quando de alegres cantos me incumbistes;  15

se agora do pesar me cobre o manto,
guardai no vosso seio piedoso
as gotas cristalinas do meu pranto!...

Ímpio, cruel decreto, rigoroso
nos vassalos e reis, fatal, ferino,  20
roubou-nos um presente precioso...

Que ao mundo ofertara o Ser Divino.
Feliz! feliz mil vezes quem pudesse
arrancá-lo do livro do Destino!!!

Por ele dentre nós desaparece  25
um ser, dos Querubins cópia fiel,
que rival em virtude desconhece.

Por ele, na saudade mais cruel
nos deixou, e caiu na sepultura,
no reino dos finados... Isabel...  30

Oh! lei inexorável! sorte dura!...
Extinguiu-se tão cedo desta sorte
das mãos do Criador obra tão pura!

Quem pode compreender o poder forte
com que, do céu zombando impunemente,  35
tudo quanto Deus cria extingue a morte?!!...

A natureza inteira o golpe sente
do seu terrível braço; tudo chora
debaixo de seu gládio impaciente.

Do universo ríspida senhora,  40
o mundo, como fera insaciável,
pela boca dos túmulos devora!...

Oh! vida triste... vida miserável!
Julgada pelo Céu enfurecido
como crime de morte imperdoável!...  45

Mas a luz da razão tenho perdido...
Oh! Céu! até que ponto me arrebata
de meu pesar o impulso desmedido?!...

Suspende, criatura! a voz recata!...
Que do Céu os desígnios soberanos  50
soberba e loucamente desacata!

Oh Isabel! que longe dos humanos
contas na mais completa f'licidade
anos por dias, séculos por anos!...

Perdoa se ofendi a majestade  55
de Teu Deus, maldizendo Seus decretos,
perdoa meus queixumes indiscretos,
tudo foi um delírio de saudade!




ArribaAbajo

Canto V



Aquela noite sempiterna
cruel, acerba e triste
que tu... viste.

P. M. Bernardes, Floresta                



ArribaAbajoDe luto vestidos os campos estão,
envolve as cidades das trevas o véu,
a lua não brilha, as outras estrelas
somente povoam a face do céu.

Ninguém se recreia no triste silêncio,  5
na paz, no sossego desta solidão;
só eu gosto dela, por ver no seu rosto
descrito o retrato do meu coração.

Contigo me alegro, contigo meu peito
combina contente, ó noite sombria!...  10
Do dia não gosto; o sol me aborrece:
nas noites encontro melhor poesia!

Ó tu minha lira, me dize: não é
da noite no seio mais belo teu som?...
Teus meigos suspiros, teus ais, teus gemidos  15
não tem outra vida, não tem outro tom?...

O mundo inquieto, no estrondo que faz,
sucumbe teus ecos, sufoca-os no ar:
em seu labirinto, confuso de dia,
por mais que lhe fales, não quer te escutar.  20

Mas quando nas horas remotas da noite
escuta acordado teu som sedutor,
ouvindo soluços, que dizem saudade,
que dizem queixumes, que dizem amor...

Qual peito sensível resiste ao poder,  25
à doce magia que o vem penetrar?...
E quando termina o toque divino,
não quer ansioso que torne a voltar?!...

Oh minha adorada! meu bem! minha lira!
Passar não deixemos tão doces momentos!...  30
Ah! leva em teus sons ao reino ditoso
as tristes idéias de meus pensamentos!...

Com eles, meus versos, velozes voai!
Aos astros dizei meu mal tão cruel;
dos astros parti à santa morada,  35
humildes beijai os pés de Isabel.

Mas louco! não vês que a lira tangida
por destra tão fraca não pode soar
vozes tão sonoras e tão duradouras
que possam da terra aos astros chegar?!...  40

Que as tristes endechas, que os cantos humildes
de um vate mesquinho tal força não tem?...
Que ao céu voam cantos dos bardos celestes,
que aos bardos da terra só terra convém?...

Porém, se não podem as vozes da lira  45
a par de meus cantos à glória chegar,
tu, alma celeste, dos anjos encanto!...
Bem podes na glória meu canto escutar!...

Escuta, portanto, meus hinos saudosos,
meus hinos sem flores, sem ostentação:  50
Com eles recebe na santa morada
um culto sincero do meu coração!...




ArribaAbajo

Canto VI



Una ave sola
Ni canta ni llora.

Lamentaciones del Solitario                



ArribaAbajoNa primavera da vida
viu o mundo, sobre o trono,
Isabel aparecer
tão pura como a inocência,
tão bela como o prazer.  5

Sua alma não era humana,
era um anjo, que do céu
todas as graças vestia;
seu corpo templo sagrado,
no qual o anjo vivia.  10

Mas o brilho desse templo
o tempo, sempre inconstante,
pouco a pouco destruiu;
sua bela arquitetura
a ruínas reduziu.  15

O anjo, que viu caído,
em terra desmoronado,
seu asilo encantador,
foi buscar outra morada
na mansão do Criador.  20

Lá ficou, e para sempre!
e o tempo, algoz cruento,
só a destroços votado,
vai consumir as ruínas
do edifício sagrado.  25

E a cinzas reduzir
aquela que viu o mundo
o régio ceptro reger,
tão pura como a inocência,
tão bela como o prazer.  30

Mas que importa? pode o tempo
pela morte auxiliado,
sua existência ferir;
há de lá na sepultura
os seus restos consumir.  35

Porém triunfam do tempo
suas heróicas virtudes;
Isabel vive na glória,
Isabel viverá sempre
do universo na memória.  40




ArribaAbajo

Canto VII



She is no more, but her
memory will last for ever.

Vida de Lady Kutingdon                



ArribaAbajoPotentados soberbos! vinde, vinde
    ver um quadro sublime,
onde lampeja a glória da virtude,
   e se aniquila o crime!

Isabel sobre o leito d'agonia  5
   saúda a eternidade,
que assentada nos túmulos apaga
   a luz da majestade...

Instante acerbo, que ao tirano causa
   desusado terror,  10
porque vai baquear, cair do trono,
   aos pés de seu Senhor!...

Por ver que no sepulcro se evaporam
   seus queridos emblemas,
seus mantos, seus palácios e seus tronos,  15
   seus cetros, seus diademas;

porque vê, como um astro ensangüentado
    em céu enegrecido,
sua alma aflita divagar da morte
   no lar desconhecido!...  20

Instante acerbo, em que p'ra consolo
   nem mesmo os olhos seus
podem por um momento só fixar-se
   sobre os olhos de Deus!...

E com razão bastante contemplá-los  25
   não pode o infeliz:
Seus crimes são horrendos, Deus é justo,
   e Deus é seu Juiz!!!...

O anátema do céu parece ao triste
   do sacerdote a bênção,  30
e o rosto volta, procurando aflito
   fugir da maldição!

Isabel vê tranqüila da existência
   o último raiar;
nesse instante solene nada pode  35
   sua alma perturbar!

A lembrança de trono, que perdia,
    não a pode afligir;
pois lá da sepultura um novo trono
   de glória vê surgir.  40

Não é uma rainha que prostrada
   do sólio cair vai;
é a filha feliz que alegre voa
   aos braços de seu pai.

Nem sequer uma idéia criminosa  45
   lhe mancha o pensamento,
que, fixado no céu, tranqüilo espera
    o último momento.

As costumadas preces de seus lábios
    ao céu iam parar,  50
e do céu lhe traziam santas graças
    que a vinham consolar.

Lágrimas verte; mas quanta virtude
    expressa pranto tal?!...
exprime de seus filhos e do povo  55
   saudade maternal.

Das asas de sua alma só pena
    ao mundo estava presa;
que dos filhos no peito segurava
    a mão da natureza!  60

Despegou-se afinal, voou da terra
    ao céu leda e serena,
para o céu nos levou prazer consigo,
    deixou do mundo a pena.

Só restos insensíveis nos ficaram  65
    daquele ser benigno;
só este bem nos deixou na terra
    o anjo do destino!...

Ó povos! colocai-o num funéreo
    eterno monumento;  70
que a vossa gratidão declare aos séculos
   o seu merecimento.

Esta inscrição gravai em letras d'ouro
   no régio mausoléu;
«seu corpo tem altares cá na terra,  75
   sua alma lá no céu!...»




ArribaAbajo

Flores murchas

Oferecido ao meu amigo e colega Dr. Sinfrônio O (límpio) Álvares Coelho





I

ArribaAbajoAi! flores de minh'alma! quem matou-vos
que nem o aroma vos deixou tão grato,
com que se embalsamava toda inteira
a minha esp'rança? Flores, flores minhas,
que a inocência plantou na terra nova  5
do meu coração virgem, quem ceifado
vos tem assim dos ramos tão frondosos
do meu futuro?!... Árvore bem verde,
bem viçosa e fecunda, era-vos ele
mantenedor de vida deleitosa,  10
que parecia eterna!... mas... caístes!
E nem revivereis, nem outras flores
como vós colherei, que o tronco enfermo,
talvez por falta vossa, está mirrado!


II

ROSAS, rosas

Rosas, rosas, que a aurora me atirava  15
aos punhados do céu, quando eu menino,
vendo-a seguir do mar, do céu, dos montes,
mandava-lhe minh'alma num sorriso
inocente como ela; que mau gênio
roubou-vos a meus olhos!... Rosas, rosas,  20
que nos brincos da tarde me trazia
do jardim paternal a irmã correndo
para me dar em troca de um abraço...
Ai! sempre, rosas, sempre me ganháveis
por um abraço-mil, por cada pétala  25
abrasados de amor -milhões de beijos!
Murchastes de calor?!... foi tanto o fogo,
que vos matou tão cedo?... Amor não mata;
gira um vulcão de vida em cada chama
que acende o facho seu: de um deus amante  30
a palavra de amor deu vida ao mundo...
Se dei-vos tanto amor, por que morrestes?...
Quem vos murchou tão cedo?... Rosas, rosas
que nos brincos da tarde me trazia
do jardim paternal a irmã correndo  35
para me dar em troca de um abraço!...


III

Só um bem nesta vida me resta:
de remorsos minh'alma está sã!
Vêm curar-lhe do mundo as feridas
puras águas da crença cristã.  40

Sim, eu sei que, apesar de cerrados,
os teus braços, ó cruz, não têm fim;
se teus braços abrangem o mundo,
infinitos estende-os p'ra mim.

Que eles são infinitos quem nega?  45
Quem não sabe que em todo lugar
onde um filho estiver do Calvário
em teus braços se pode arrimar?

Quantas flores colhi neste mundo,
as perdi das paixões no escarcéu:  50
Em jardim me converte o sepulcro,
a colher dá-me as flores do céu!


IV

Creio em Deus, minha irmã; e tanto creio
que, vendo lá no céu tua alma pura,
em vez de maldições, mil bênções voto  55
à hora em que desceste à sepultura!

Creio em Deus, minha irmã; tanto que espero,
inda no céu contigo, como outrora,
frescas rosas colher desabrochadas
à luz dos raios da divina aurora.  60

Creio em Deus, minha mãe; em tua bênção
reconheço um tesouro divinal,
que do trono infinito a mão do Eterno
segue o traço da bênção maternal.

Creio em Deus, minha mãe; tanto que espero  65
qu'inda a terra do meu funéreo leito
-por teu maternal pranto semeada-
me brote um verdadeiro amor-perfeito.

Creio em Deus, creio em Deus; o bardo amigo,
e por isso inda creio que, se o fado,  70
se não na minha pátria, neste solo
me permitir morrer junto a teu lado,

por talismã da fé que nós sagramos
e sincero tributo de amizade,
na terra que cobrir-me as frias cinzas  75
plantarás um suspiro, uma saudade.

Bahia, 4 de agosto de 1854




ArribaAbajo

Delírio e ciúme


ArribaAbajoMais nada resta a suspeitar!... Mais nada
o véu da falsidade encobrir pode!...
Do desengano ao lume, desesp'rada,
atenta tudo vê, tudo conhece
minha alma acesa em raiva, acesa em zelos!...  5
Que pretendias, pérfida?... Que ainda
perdurasse a ilusão com que risonha
entretinhas meus loucos pensamentos?
Que da paixão ao sopro envenenado

o lume da razão, perdendo a chama,  10
jamais recuperasse?... Não! não pôde
em mim de amor a força ganhar tanto!...
Mas oh! por que me ufano se ainda escravo
geme o meu coração? Se inda deseja
ver da tigre o semblante, ouvir-lhe as vozes?...  15
Tristes sortes dos míseros amantes,
de ingratos corações vítimas loucas!
Conhecem o algoz! e o algoz só querem!
Maldizem mão cruel, que os assassina,
e só acham nos braços do verdugo,  20
alívio para o mal, que os atormenta!
Cegos, que pretendeis achar ventura
entregues à paixão, que me devora!
Estultos! vede os males que me cercam!
Contemplai minhas ânsias! meus suspiros  25
penetrem vossos peitos desgraçados!

Amei uma mulher, julguei que nela
tudo era belo, tudo amável, terno:
Minha alma embalsamada pelo aroma
de meigas esperanças amorosas,  30
só delícias gozava, só prazeres
quando pensava nela, quando a via;
meu peito era inocente, e a razão nova.
Na mente virgem de amorosas cenas,
era a primeira trágica -Marfida!-  35
roubou-me com enganos a traidora
meus primeiros suspiros, meus carinhos,
meus beijos, minhas queixas, meus desvelos!
Se de ciúme ardente o peito amante,
irado, contra ela a voz erguia,  40
um sorriso somente me bastava
para apagar a lava em que fervia
meu coração zeloso! Um olhar terno,

delirante de amor, aos pés da infida
em despojo a seus olhos me arrastava!  45
Num beijo desmaiava, embriagado
por um licor divino que sentia
difundir-se dos seus pelos meus lábios!
Quantas ditas gozei! quantos tormentos,
já me causava a Ingrata antes da infâmia!...  50
Mas... tudo se passou!... Visões celestes,
vossa tirana angélica pintura
em quadros infernais está mudada!...
Leves pincéis de amor tendo quebrado,

molhou da ingratidão a negra brocha  55
nas tintas que as traições lhe ministraram,
e dentro da minha alta só vilezas,
falsidades venais, cenas infames
me desenha na mente desvairada!
Oh! como! com que cor, com que prodígio  60
vendo estou daqui mesmo dos seus crimes
o retrato fiel, a forma viva!
Crestados pela luz da fantasia
queimam-se os véus que envolvem o nefando
leito onde fervem gozos impudicos!  65
Onde a luxúria treme em corpos trêmulos,
exalando seu hálito empestado!
Ao sumo em comoção chegaram ambos:
Correm os beijos mais que o pensamento:
Juramentos de amor entrecortados.  70
ouvem as fúrias presidindo o ato!
Os corpos mutuamente se comprimem...
E Deus em toda a parte!!!... e tudo vendo!!...
Nem o respeito ao céu lhe veda o crime
que acesa a Salamandra em fogo impura,  75
tem o céu nos prazeres desonestos

e seu Deus no mortal com que os goza...
E não brada vingança um tal delito?...
Risonha a Natureza a contemplá-la
parece festejar seus desatinos!...  80
Bem; sucumba-se a sorte aos céus e ao fado;
fartem-se com os jorros do meu pranto;
contém-me as ânsias, contém-me os suspiros,
formem eles um cântico de glória
que ao seio paternal do Nume afague!...  85
Porém... que digo!... Lábios, que fizestes?...
Que disse!... oh! justo Deus! perdoa a Bardo:
Não guiou a razão falsários ditos:
Perdoa, justo céu! são tais palavras
centelhas do vulcão em que me abraso!  90
Marfida escuta agora a voz do vate,
onde a paz já domina; atende um pouco
à voz do coração aniquilado.

Que já livre das fúrias do ciúme,
inda ardente de amor, mas já sem lavas,  95
submergido nas trevas da tristeza,
é qual em fundo bosque, em noite escura,
esqueleto de choça incendiada,
sem chama, sem fumaça, em brasa viva!
Argüições não são, meu bem, são rogos!  100
rogos, que meigo, terno, lacrimoso,
suplicante, abatido, d'alma verto!
Marfida! muda um pouco esses transportes!
Dos lábios desse amante que idolatras,
desapega teus lábios!... vem ao menos  105
encostá-los nos meus envenenados
para dar-lhes o seu contraveneno!
Cede às aflitas preces da minha alma,
Que sedenta te roga algumas horas,

um minuto sequer de gozo antigo,  110
da celeste ilusão dos teus enganos!...
Mas... sucumba a paixão; erga-se o homem!
Quebrem meus pés enfim as vis cadeias,
que a seus pés arrastei! Mísero louco!...
Escárnio a meu rival, escárnio dela!  115
A taça em que sorvi divino néctar
caiu-me aos pés quebrada; os vis fragmentos
esmaguemos também! Nem mais teu rosto
venham mostrar-me espelhos da memória!
Vai-te! Vai-te de mim... porém, não! fica,  120
fica, que, se tu partes, vai contigo
todo o meu coração, vai-se minha alma!...
Que ânsia tão aflita me sufoca!
Talvez a morte seja... Vem; não tardes,
imagem da extinção, imagem santa  125
do nada; ponte curta que nos leva
da ilusão à verdade! Mesmo quando,

castigo ou prêmio, nada depois dela
exista para nós, o nada mesmo
realidade é! Mortais tormentos  130
suportará jamais quem não existe;
a vida entre prazeres vale a vida;
mais que a vida em desgraça vale a morte.
Talvez, talvez, cruel, antes que um dia
sobre o sepulcro d'outro a luz derrame,  135
da vida o fio me rebente a morte!
Talvez amanhã mesmo sobre a campa,
que meu já frio corpo frio espera,
tu pises orgulhosa de meu fado!
Vai; que lá mesmo te darão meus manes  140
uma prova de mais dos meus tormentos!
Gemidos que ouvirás na minha campa,
sairão de meu peito inanimado;

entre suspiros ouvirás teu nome
por meus já mortos lábios repetido;  145
que amor, essencial parte do espírito,
no espírito eterno, eterno viva.




ArribaAbajo

Rondó


ArribaAbajoMinha lira brandamente,
delinqüente em leis de amor
do traidor que tem por crime
o que imprime na razão,
que lacera a quem afaga  5
que propaga em seus ardores
os horrores da tristeza
que me pesa na feição,
tangerei as cordas tuas,
que são tuas, e não minhas  10
que o que tinhas tangedor
tens de amor a escravidão.

Não mais de outras criaturas
formosuras cantaremos,
louvaremos tão-somente  15
de um só ente a perfeição.
Tirce, a bela moreninha,
que de minha nada tem,
é meu bem, a criatura
que segura meu grilhão.  20
Eu que em vê-la só me esmero
ser não quero desprendido,
que embebido no meu rosto
acho gosto na prisão.




ArribaAbajo

O jornaleiro



É igual a ti mesmo, a ti somente

(Do poema O ganhador)                



ArribaAbajoQuando ousado o poeta a voz levanta,
em punho tendo o látego da sátira,
p'ra castigar hipócritas malvados,
é a voz da verdade a voz que soa!

Desmascarar falsários intrigantes,  5
o vício espezinhar, punir tartufos,
velhacos suplantar, caluniadores,
são atos que de austera probidade
louvor sincero e atenção merecem.
Armados pois, de um retorcido relho,  10
a um negro covil -talvez o inferno-
por um forte cabresto bem seguro,
eu vou buscar um torpe Jornaleiro,
que entre sujos papéis escrevinhados
(que só p'ra guardanapo têm valia)  15
sentado em tamborete junto à banca,
tendo nas garras de algum corvo a pena,
baldões, insultos contra a honra atira!
Trazer pretendo o ganhador escriba
qual jumento manhoso à praça pública  20
e expô-lo às apuradas dos moleques,
por quem apedrejado ser devia...

Quem não conhecerá o Miguelista,
escória dos sandeus de quem eu falo?!...
Chicanista imoral, doutor em nada,  25
insosso prosador -alto pedante-
que estudar foi na estranja -patacoadas
para dizer-se aqui homem de letras?
Quem não conhecerá o sábio lente,
que num certo colégio desta Corte  30
ciência geográfica ensinava?
Quem não conhecerá -o que na escola,
onde quer se instruir jovem guerreiro,
explicando o direito ensina o torto?!...
O homem que insultava adversários,  35
alcunhando-os heróis das «vacas gordas»,

e que agora sedento -a grossa teta
bem agarrado, chupitar procura?!
Homens raros assim todos conhecem!...

Eu não preciso retratá-lo ao vivo,  40
descrever-lhe o carão, onde grudados
-nos olhos- tem pedaços de vidraça,
o corpo infame, o bojo monstruoso,
qual um balão de fedorentos gases;
e mostrar o letreiro que na fronte  45
-em letras garrafais -diz «Ganhador»!
Todos bem sabem de que peça falo:
O trabalho me tira a grande fama
que por falso, impudente tem ganhado.

Sim, ó grão-Redator (a ti me volvo)  50
ao público amador -quero mostrar-te,
p'ra que faça a justiça que mereces...
És qual tarpéia rocha inabalável
em teu princípio firme-o da calúnia-
és herói dos heróis, quando se trata  55
de vis aduladores intrigantes!
Um singular portento és na mentira!
Tu és grande! és enorme!! porque arrumas
patadas, couces mil, no mundo inteiro!!
A natureza pasma ao contemplar-te,  60
julgando que não és uma obra sua!
Embasbaca-se o gênio das trapaças
vendo brilhar o teu saber ingente!
Té o demo -de gosto- pinoteia,
-E berrando que tu, seu protegido,  65
que és glória sua comunica à terra!...
E no entanto ninguém teu pai se julga!...

Nem o podem dizer, porque não sabem...
quem te acendeu nos cascos esses fogos
que tudo abrasam, sem queimar-te a bola?  70

Quem és pois? de onde vens? P'ra onde te atiras?!...
És abutre -que mágica do Averno-
em homem transformou p'ra da calúnia
o instrumento ser aqui na terra?
És do zoilo invejoso a alma errante,  75
ou um sopro de negra, imunda harpia?
Onde encontraste o ser? a origem tua?...
Veste por acaso do planeta
que Vulcano por lei dizem chamar-se?
Onde fixaste o norte de teu rumo,  80
ó ente singular, teu paradeiro?
Para onde irás tu, quando partires
deste imenso teatro em que tens feito
o papel mais infame que se pode?!
Abutre, harpia ou sopro, ou quer que sejas,  85
-és igual a ti mesmo, a ti somente!-
Cansa-se a pena a enumerar teus feitos!
Envergonha-se aquele que o censura,
olhando para ti, vendo que és homem,
na figura somente... em nada mais!...  90

Imortal, Redator do papelucho
a quem um respeitável nome deste
(sim que o nome da Pátria, para o probo,
que não p'ra ti, é nome respeitável),
é tempo de voltar ao antro escuro,  95
ou p'ra o lugar -ignoro donde hás vindo!
Já muito por aqui de mal tens feito...
As cinzas venerandas revolveste

de um dos heróis da «Independência» nossa!...
Tua missão cumpriu-se!... é tempo, volta...  100

Era minha intenção trazer-te à praça;
mas desisto da empresa!... A puros homens
é um crime mostrar torpes figuras,
negros quadros, que infâmias representam!
Vai-te! foge daqui! do vate a destra  105
só cordas vibra de doiradas liras:

Se indignado empunha o forte relho
para surrar hipócritas malvados,
envergonha-se logo do que há feito!
É nobre o fim p'ra que o Poeta nasce;  110
e não para amansar bestas bravias
ou corrigir sicários sevandijas!...




ArribaAbajo

Ode


(Na noite de seu benefício em 16 de agosto de 1858)

A D. Carlota Leal Milliet




ArribaAbajo    Tem um destino o gênio
só é livre na terra o que é pequeno;
   é fatal o sublime,
que o sublime é de Deus e não do mundo.

Olhos gravados nos fanais brilhantes  5
   de ridente futuro,
embora desejo incendiado
   aos hinos o arremesse,
que retumbas nas mesas opulentas
   de altivos Baltasares,  10
de rojo contra as urzes da desgraça

    Há de cair o Gênio;
    de rojo há de ir por elas,
arrastado por destra misteriosa,
que dest'arte o remonta a ignoto alcáçar.  15




ArribaAbajo

O épico do - Fiat


ArribaAbajoZela em extremo a palma aos seus diletos;
que o viço lhe desbotem não consente;
quando eles descuidados não a velam,
ante seus olhos amortalha o mundo,
   e na dor os obriga,  5
com lágrimas de sangue, a dar-lhe orvalho.

O anjo d'Harmonia no teu seio
    jazia encarcerado,
    deixando a furto apenas
ouvir em curto canto as notas mágicas  10
   da sua voz divina,

    Por não haver um templo
onde pudesse desferir seus vôos;
   abriu-se o templo d'Arte!...
Eia, Sacerdotisa, o altar te toca!  15
    Norma de Norma, chega!
Já a língua de Euterpe é língua tua!

Lua e sol d'Harmonia ao mesmo tempo,
é tua voz Proteu do sentimento
   nas notas que desliza!  20
O Estro de Bellini nas doçuras
da língua portuguesa mais se adoça,
Só lhe falta a doçura do teu canto.
    Norma de Norma, chega!
Já a língua de Euterpe é língua tua!  25




ArribaAbajo

O furor ciumento


ArribaAbajoDa mãe, que pelo amante empunha o ferro
para cravar nos filhos, pede o fogo,
que em teus olhos dardeja o sol dos trópicos;
a clave do gemido brasileiro
   pede a prece da filha  5
que os filhos recomenda ao amor paterno;
    Norma de Norma, chega!
Já a língua de Euterpe é língua tua!

Chegaste!... dos desgostos pela senda,
arrastada por destra misteriosa,  10
que dest'arte guiou-te ao ignoto alcáçar
recebe, pois, um ósculo da Poesia,
    que Música e Poesia
irmãs nos louros, beijam-se na floria.
Sus, Rainha do Canto, o cetro empunha!  15
    Reina, que, se não reinas
    no mundo d'harmonia,
reinar não pode a cena brasileira.




ArribaAbajo

Aos anos de um respeitável ancião



I

ArribaAbajoJá seca pende morta essa grinalda
   que outrora me adornou!
Da inspiração a luz que me animava
    de todo se apagou!...

Os astros de luz tão bela  5
   estão sem claridade;
apagaram-se todos, mal ergueu-se
   o astro da verdade

fui livre quando, louco! no infinito
    voava da demência;  10
a razão cativou minh'alma presa
   nos ferros da evidência.

Fecharam-se os jardins da fantasia,
   nem há mais uma flor!
Domina-me a razão -como ser livre,  15
    sendo de mim senhor?

Se, conhecendo o mundo limitado
   perante os meus projetos,
os vôos enfreei do entusiasmo,
   prendi os meus afetos?  20

Minh'alma nos limites circunscrita
   da franca humanidade,
abandonou a posse do infinito
   perdeu a liberdade.

A lanterna da exp'riência  25
com seu escasso clarão
não pode mostrar imagens
do mundo da inspiração.

A verdade deste mundo
seca, morta, sem fulgor,  30
não deixa medrar as flores
da palma do trovador.

A pobre realidade
que o mundo inteiro respira:
O trovador não encontra  35
nas notas da sua lira.

Das verdades deste mundo
a misérrima visão
adormece, mata, extingue
o fogo da inspiração.  40

Mas, assim como a lâmpada que exala
a vida no seu último lampejo,
o meu último canto hoje dar quero
à glória dos teus anos. Sim, um hino,
um hino de amizade, extremas notas  45
sejam da lira que, jamais manchada
de infame adulação, só dedicou-se
à virtude, ao amor, aos bons amigos
e à pátria, que a despreza!...


II

Mais um ano hoje contas, mais um dia  50
desses que valem anos te é marcado.
Vês em redor de ti os teus, contente,
vês um grupo de amigos a teu lado.

Contente a verde prole nos teus braços
em transporte de amor hoje se lança;  55
na mãe dos filhos teus vês a bondade,
e vês em cada filho uma esperança.

Filhos! não iludis os seus desejos,
não deis às esperanças desenganos;
vosso pai já velou nos anos vossos,  60
compete-vos velar sobre seus anos.

Vede, os anos passaram-lhe na fronte
sem lhe deixar um sulco de desgosto;
respeitai o que os tempos respeitaram,
não aumenteis as rugas do seu rosto.  65

Começa o ancião a encanecer-se,
e já lhe vejo as têmporas nevadas;
ah! mais do que a ninguém, incumbe aos filhos
conservar de seu pai as cãs honradas.

Um pai não vive em si, nos filhos vive,  70
mal sentem estes os vitais lampejos,
todo o bem, que é só seu, o pai esquece,
o bem dos filhos seus são seus desejos.

Dá-lhe Deus a ciência do futuro
ganhada dos trabalhos pelo trilho,  75
quando do amor paterno iluminado
o pai sempre conhece o bem do filho.

Amortalha, portanto, o seu futuro,
cair no precipício certo vai
o filho que o amor paterno esquece,  80
desprezando um conselho de seu pai.

Filhos, beijai a destra deste velho,
é a bênção de Deus nela encarnada:
Ele vos deu segura mocidade,
dai-lhe também velhice afortunada.  85




ArribaAbajo

As lágrimas


ArribaAbajoLágrimas, lágrimas tristes,
não deixeis os olhos meus,
que por vós eternamente,
aos prazeres disse adeus.

Para ter indisputáveis  5
direitos ao nosso amor,
arranquei-vos da minh'alma,
sois filhos, de minha dor.

Minha vida, agreste planta
de desertos areais,  10
ao sol das paixões vivendo,
expira se a não regais.

Para ter indisputáveis
direitos ao nosso amor,
arranquei-vos da minh'alma,  15
sois filhos, de minha dor.




ArribaAbajo

Ciúme e razão



I

E perdi-a! e nem mais uma esperança,
sequer, me alenta nesta dor terrível,
que hei de, não mudo só, porém me rindo
devorar em segredo até a morte!

Suportar um tormento  5
que ao menos em gemidos

vai-se em parte exalando; a febre, a sede
do amor e da saudade mitigar-se
com lágrimas, é bem que só conhece,
quando o céu lhe recusa, o desgraçado!  10

E não hei de chorar, chorar não quero,
não quero, porque as bagas do meu pranto
enfeitam a coroa
que ele cinge, feliz, nos braços dela!


II

Excede à força humana este martírio;  15
Mas, louvores ao céu, minha alma sinto
    Resignada e pronta.
Benéfica razão serve de alâmpada
Das minhas ilusões à sepultura!
Amarga como o fel sempre a verdade  20
Quando do amor é o erro, mas não cospem-na
Lábios que a ingratidão beijar rejeitam.


III

Sim, hei de consumar o sacrifício;
nem súplicas, nem queixas há de ouvir-me;
do Coração no fundo hei de trancá-las  25
ao vê-la, ao vê-los, e saudar contente
do amor de ambas a ventura e os gozos!

Daquele olhar d'arcanjo cujos raios,
   como punhais de fogo,
do coração as fibras me laceram,  30
hei de fitar a luz sem perturbar-me;
    e morrer impassível,
quando nos olhos dele minha vida
em delíquio amoroso depuserem!


IV

Nobre altivez as preces me proíbe,  35
assim como a razão proíbe as queixas
que lhe posso pedir que dar-me possa?
Desejava um amor puro, espontâneo,
desses que nascem nos segredos d'alma
que ao simples choque de um olhar acordam  40
para não mais dormir. Queria os vôos
desse amor desvelado, procurando
dentro em meu coração fazer um ninho;
observar em êxtase os milagres
do proteísmo ser; colhê-lo em rosas  45
nas chamas do rubor que acende um beijo
senti-lo gelo após alguma ausência
    num susto de saudades,
   e no doce apertar de um longo abraço
no seio me cair, tépida lágrima.  50
Não me pode dar tanto. Da vontade
os domínios amor nas asas prende;
se quando se quisesse amor nascesse,

quando se não quisesse amor findara!
Inda que a minhas preces comovida,  55
dissesse-me tudo que desejo agora,
faltava em tudo o mel que amor destila
e unicamente amor!...
    Anjo inocente,
não queixo-me de ti, regem os fados  60
das sensações o mundo; aos afetos
o céu a cada um deu seu destino;
o tesouro que guardas no teu seio

    Foi destinado a outrem;
os desígnios do céu foram cumpridos  65
e assim tu, sem querer, me deste a morte!...
Grosseiros corações, almas estreitas
mancham o querubim que os encantara,
porque as asas lhe nega; generoso,
inimitável, crescente o meu afeto  70
das ânsias no martírio se acrisola;

por cada golpe que me dás no peito,
nova chama de amor me acendes n'alma,
extinta a minha última esperança
no árido deserto em que me arrojas.  75
Inda busco uma flor para enfeitar-te!
não, não hei de acusar-te, mesmo quando
na explosão de meus gelos mais pungentes

me for a mágoa de te haver perdido.
És a imagem querida do meu êxtase;  80
intacta ficarás. Por entre a nuvem
que o infortúnio lançou-me sobre os olhos,
a mesma me será no pensamento,
benfazeja visão de um sonho eterno!




ArribaAbajo

Angústia


ArribaAbajoQuando morta a f'licidade,
a fé expira também!
saudades de que se nutrem?
Os suspiros, que alvo têm?

Morta a fé, vai-se a esperança;  5
como pois, viver pudera
saudade que não tem crença,
saudade que desespera?

Onde as graças do passado,
se altivo gênio sanhudo  10
o cepticismo nos brada,
foi mentira, engano tudo?

Em nada creio do mundo:
ludíbrio da desventura,
a felicidade me acena  15
só de um ponto -a sepultura.

Morreram minhas saudades,
e nem suspiros calados
dentro d'alma pouco a pouco
vão morrendo sufocados.  20




ArribaAbajo

Improvisos as potências do ocidente



As Potências do Ocidente
com as Águias e os Leões,
ou tomam Sebastopol,
ou deixam de ser nações.

Paula Brito                



ArribaAbajoJá de suportar cansado
tanta injúria moscovita,
um povo acolá se agita
da guerra soltando o brado!
Dos canhões de Rei mitrado  5
retumba o eco imponente,
que em defesa da inocente
fraca, mas briosa terra,
acorda, e convida à guerra
as potências do Ocidente.  10

Eram rivais... mas que importa!
Um povo herói tudo esquece,
se outro povo, que padece,
a defendê-lo o exorta.
Não, cair não há de a Porta,  15
não há de rojar grilhões,
não há de que seus brasões
vão defender com pujança
a Inglaterra e a França
com as Águias e os Leões.  20

Ei-las no campo de glória,
que com puro sangue lavam,
e cada luta que travam
é uma nova vitória!...
Da humanidade e da história  25
seguidas pelo farol,
juram ambas pelo sol
dos livres, em que se abrasam,
que Sebastopol arrasam,
ou tomam Sebastopol.  30

Hão de tomá-la!... arrastada
do autocrata a bandeira,
há de ser a pregoeira
desta verdade sagrada:
«Que nações que pela espada  35
pretendem usurpações,
que, vis escravos, grilhões
às suas irmãs destinam,
ou como Tróia terminam,
Ou deixam de ser nações  40




ArribaAbajo

O que faz minha dor



Um pensamento de morte,
uma lembrança de amor,
uma esperança perdida,
eis o que faz minha dor!...



ArribaAbajoTive no mundo da mente
formosos dias serenos,
como os do céu sempre amemos
em doce paz inocente.
Dos desgostos a torrente  5
em um rápido transporte,
por má vontade da sorte,
me fizeram num momento
do meu feliz pensamento
«um pensamento de morte!»  10

A minha alma escureceu-se
do pensamento nublada,
e a mente desnorteada
em negro caos converteu-se!
Um mar de pranto -estendeu-se  15
naquele mundo de horror;
e no medonho fragor
da tormenta desabrida
vaga nas ondas, perdida,
«uma lembrança de amor!»  20

Cresce a celeste batalha,
e na vasta escuridade
sem cessar, da tempestade
o raio o manto retalha
a flutuante mortalha,  25
vaga sempre! Convertida
aquela idéia de vida
num sudário desta sorte,
retrata, emblema da morte
«uma esperança perdida.»  30

Em pé firme e solitária,
minh'alma fora insensível
à tempestade terrível,
contínua, crescente e vária!...
Mas a veste mortuária,  35
que das ondas vai na flor,
mortalha do meu amor,
dantes saudosa lembrança...
Hoje perdida esperança...
«Eis o que faz minha dor!...»  40




ArribaAbajo

O farol da liberdade14



Na terra da Santa Cruz,
que enlutava atroz maldade,
já solta brilhante luz
o Farol da Liberdade.



ArribaAbajoQue vejo?... a Rússia tremendo
sob despótica espada?!...
Forte Hungria derrotada
entre cadeias gemendo,
a Itália a fronte abatendo  5
ante o fanático Jus?!...
Liberdade!... se de luz
precisas, responde, fala,
aqui temos, vem buscá-la
na terra de Santa Cruz.  10

Famoso povo guerreiro,
por nós hospitalizado,
contra nós sem causa irado
nos levou ao cativeiro!
Em seu jugo carniceiro  15
choramos longa orfandade!
Nossos campos, nossa herdade,
de cadáveres cobertos,
eram funéreos desertos
que enlutava atroz maldade.  20

Mas nossos brios um dia
contra os ímpios acordaram,
e os combates rebentaram
entre nós e a tirania!
A estrela que conduziu  25
colombo à terra da Cruz,
que os grandes povos conduz
ao templo da Liberdade,
dos Andes na sumidade
já solta brilhante luz.  30

Ao seu divino clarão
Pedro o filho dessa terra
que dispunha em nova guerra
lançar-nos novo grilhão,
acorda... fita a visão,  35
toma a espada, o campo invade,
embebe-a na claridade
que da estrela se desprende,
e com ela acesa acende
o Farol da Liberdade.  40




ArribaAbajo

À minha mulher


Lembranças do nosso amor


ArribaAbajoDa morte o sopro gelado,
não me apagando a existência,
no coração com veemência
sinto seu passado apressado.
Ai quando, bem adorado,  5
minha alma daqui se for,
disfarça teu dissabor,
resiste à força veemente,
mas nunca risques da mente
lembranças do nosso amor.  10

Nada tenho que deixar-te
de fortuna nem de glória,
nada me aponta a memória
que possa morto legar-te;
se nada deve ficar-te  15
mais que saudades e dor,
bálsamo consolador
à dolorosa ferida
hão de ser-te nesta vida
lembranças do nosso amor.  20

Lembrar um bem adorado
na dor da saudade ausente,
é mesmo sê-lo presente,
inda que seja passado.
ser por ti sempre lembrado,  25
como em vida morto for,
por influxo encantador
deste mistério profundo,
hão de ser-te nesse mundo
lembranças do nosso amor.  30




ArribaAbajo

Ao avistar o Rio de Janeiro


ArribaAbajoDespe as nuvens que encobrem
sol da minha f'licidade
que abre a flor dos meus prazeres
santo orvalho da amizade.

Respiro os ares da pátria  5
contemplo os encantos seus;
os meus contentes me abraçam,
eu contente abraço os meus.

Meu Deus, meu Deus, não consintas
que a pátria torne a deixar;  10
que da segunda ferida
talvez não possa escapar!

Se no íntimo a primeira
feria-me d'alma a raiz,
bem pode inteira cortá-la  15
segunda na cicatriz.

Completa a cura, não deixes
de novo o mal renascer;
que amarga mais que a desgraça
a negaça do prazer.  20

Não suceda à cruz rojada
mais pesada nova cruz,
não condenes mais às trevas
o cego a quem deste a luz.



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