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Cantado pelos alunos do Instituto dos Cegos por ocasião da distribuição dos prêmios em 1863


Saudação

Coro

Glória aos anjos que firmando

deste império a monarquia,

contra as iras da anarquia,

do seu trono a glória são.

São duas virgens formosas,
5

cujos sublimes destinos

nos rostos, quase divinos

bem retratados estão.

Inda que cegos nem vê-las

por um momento possamos,
10

é assim que as desenhamos

em nossa imaginação.

Firmes e ledas na vida

caminham da glória ao templo,

guiadas pelo exemplo
15

que os pais augustos lhes dão.

O perfume da inocência

que das flores d'alma exalam

quando riem, quando falam,

avassala o coração.
20

Quem as ouve, embora a mente

ao trono se não remonte,

curva os joelhos e a fronte,

para beijar-lhes a mão.

E nós, cegos infelizes,
25

quando a destra lhes beijamos,

dentro d'alma sufocamos

um pranto de gratidão.


Súplica

Tu, Ser no qual dos seres

somente o ser consiste!

Que És ser de quanto existe

se nutre e reproduz;

se para a luz nascemos,
5

depois da luz criados,

eis-nos aqui prostrados!

A luz, Senhor! A luz!

A luz, dádiva imensa,

bela, sublime, santa,
10

que deste à terra, à planta,

ao bruto, aos bons, aos maus!

As nossas mãos tateiam

abismo negro e fundo;

aos outros deste o mundo,
15

a nós somente o caos!

Mas Tu És Ser dos seres

em que o ser consiste!!

És Ser de quanto existe,

se nutre e reproduz;
20

se para a luz nascemos,

depois da luz criados,

eis-nos aqui prostrados!

A luz, Senhor! A luz!


Visão

Silêncio! As trevas desbotam

seu carregado negror;

vai pouco a pouco surgindo

matutino resplendor.

Por entre nuvens de púrpura
5

assoma visão celeste,

real aspecto mostrando

no ar, na forma e na veste.

Cinge um manto, um cetro empunha,

que um dragão tem por emblema;
10

vinte estrelas-sóis flamejam

no circ'lo do seu diadema.

Na destra suspende um mundo:

Mais vigoroso que Atlante,

firme os pés, apóia o cetro
15

sobre o dorso de um gigante.

A claridade que o cerca

é seu olhar que a produz;

não vê somente, dá vista;

não tem só, difunde a luz.
20

Dessa luz iluminados,

com pasmo e prazer profundo,

no vulto reconhecemos

nosso pai -Pedro Segundo.


Alegria e agradecimento

Do corpo os olhos mortos,

senhor, temos em vida;

porém na desabrida

mágoa do mal atroz,

celeste medicina
5

a nossa dor acalma;

propícia aos olhos d'alma

a luz nos vem de vós.

A luz da inteligência,

crescente pelo estudo,
10

na claridade, em tudo

que a outra vale mais.

A luz externa a tudo

concede a providência;

a luz da inteligência
15

só toca aos racionais;

e esta vos devemos.

O cego desvalido

por vós hoje instruído

calcula, escreve e lê,
20

se em trevas tropeçando

só tem no mundo escolhos,

aos céus levanta os olhos,

e vê o que alma vê.

Monarca no poder,
25

monarca na bondade,

na dupla majestade

com que sois rei, senhor,

se tendes quem beijar-vos

a mão de rei deseje,
30

mais tendes quem vos beije

a mão de benfeitor.

E quanto as obras vossas

por Deus são estimadas,

na esposa e prole amadas
35

mais que patente está;

nas ditas, na ventura

que tendes no seu grêmio,

dos bens que dais, em prêmio

na terra, o céu vos dá.
40

Deste reinado a história

de glória e f'licidade,

para adorar-vos há de

o mundo inteiro ler.

Hão de escrevê-la sábios
45

de méritos subidos,

mas hão de os desvalidos

a mor parte escrever.

Então, também louvando

voss'alma benfazeja,
50

um cego que mais veja,

dos muitos que aqui estão

(talvez em prosa altiva,

ou sublimado metro),

dirá que o vosso cetro
55

dos cegos foi bordão.


Leandro e Hero

Hei de, mártir de amor, morrer te amando.


O facho do Helesponto apaga o dia,

sem que aos olhos de Hero o sono traga,

que dentro de sua alma não se apaga

o fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
5

que abrandado por ela, a prece afaga,

e traz-lhe o morto amante numa vaga,

(talvez vaga de amor, inda que fria).

Ao vê-lo pasma, e clama num transporte-

«Leandro!... és morto?!... Que destino infando
10

te conduz aos meus braços desta sorte?!!

Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando

assim termina já sorvendo a morte)

hei de, mártir de amor, morrer te amando


A uma inconstante

É carpir, delirar, morrer por ela!

BOCAGE



De uma ingrata em troféu despedaçado

meu coração devora amor cruento,

trocando em fero e bárbaro tormento

quantos prazeres concedeu-me o fado.

No seio d'alma, já dilacerado,
5

negras fúrias do báratro apascento!

Filtra-me o delirante pensamento

de zelos negro fel envenenado.

Desprezo, ingratidão, fria esquivança

da cruel por quem morro, em tal procela
10

apagaram-me a estrela da esperança.

E eu (ao confessá-lo a dor me gela)

humilhado a seus pés, minha vingança

É carpir, delirar, morrer por ela.


A um infeliz

Geme, geme, mortal infortunado,

é fado teu gemer continuamente:

Perante as leis do Fado és delinqüente,

sempre tirano algoz terás no Fado.

Mas para não ser mais envenenado
5

o fel que essa alma bebe, e o mal que sente,

não te iluda o falaz riso aparente

de um futuro de rosas coroado.

Só males o presente te afiança:

Encrustado de vermes charco imundo
10

se te volve o passado na lembrança.

Busca, pois, o da morte ermo profundo:

Despedaça a grinalda da esperança:

crava os olhos na campa, e deixa o mundo.


A uma senhora

Dos meus lares, dos meus que choro ausente,

me vieste acordar saudade ímpia,

tu, amada do Anjo d'Harmonia,

que te fazes ouvir tão docemente.

Do piano o teclado obediente
5

ao teu tocar encheu-se de magia,

e lá dos mortos na soidão12 sombria

operou-se um milagre de repente.

A morte sobre a fouce, entristecida,

amarguradas lágrimas verteu,
10

talvez do fero ofício arrependida!

Bellini do sepulcro a pedra ergueu;

e, cheio de alegria desmedida,

c'um sorriso de glória um -bravo- deu.


À Sra. Marieta Landa

Por ocasião de cantar no teatro de S. João da cidade da Bahia


Disseste a nota amena d'alegria,

e, arrebatado então nesse momento

de um doce, divinal contentamento,

eu senti que minh'alma aos céus subia.

Disseste a nota da melancolia,
5

negra nuvem toldou-me o pensamento;

senti que agudo espinho virulento

do coração as fibras me rompia.

És anjo ou nume, tu que desta sorte

trazes o peito humano arrebatado
10

em sucessivo e rápido transporte?!

Anjo ou nume não és; mas, se te é dado

no canto dar a vida, ou dar a morte,

tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.


À mesma senhora

Tão doce como o som da doce avena

modulada na clave da saudade;

como a brisa a voar na soledade,

branda, singela, límpida e serena;

ora em notas de gozo, ora de pena,
5

já cheia de solene majestade,

já lânguida exprimindo piedade,

sempre essa voz é bela, sempre amena.

Mulher, do canto teu no dom supremo

a dádiva descubro mais subida
10

que de um Deus pode dar o amor paterno.

E minh'alma, num êxtase embebida,

aos teus lábios deseja um canto eterno,

e, só para gozá-lo, eterna a vida.


À mesma senhora

Alcíone, perdido o esposo amado,

ao céu o esposo sem cessar pedia;

porém as ternas preces surdo ouvia

o céu, de seus amores descuidado.

Em vão o pranto seu d'alma arrancado
5

tenta a pedra minar da campa fria;

a morte de seu pranto escarnecia,

de seu cruel penar se ria o fado.

Mas ah! -não fora assim, se a voz tivera

tão bela, tão gentil, tão doce e clara,
10

daquela que hoje neste palco impera.

Se assim cantasse, o túmulo abalara

do bem querido; e, branda a morte fera,

vivo o extinto esposo lhe entregara.


Deus pede estrita conta de meu tempo,

é forçoso do tempo já dar conta;

mas, como dar sem tempo tanta conta,

eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo
5

dado me foi bem tempo e não foi conta.

não quis sobrando tempo fazer conta,

quero hoje fazer conta e falta tempo.

Oh! vós que tendes tempo sem ter conta

não gasteis esse tempo em passatempo:
10

cuidai enquanto é tempo em fazer conta.

Mas, oh! se os que contam com seu tempo

fizessem desse tempo alguma conta,

não choravam como eu o não ter tempo.

Para do mundo dar completo cabo,
15

lá do negro recinto o soberano

meditava a forjar horrível plano

coçando a grenha, sacudindo o rabo.

Merecedor enfim de imenso gabo,

eis o que assim disse muito ufano:
20

para a missão cumprir -digesto humano

quero fazer -que nasça hoje um diabo.

E o 23 de maio nisso raia...

Teotônio nasceu, e a fama soa

jamais ter visto infame dessa laia.
25

Pois para Satã ser mesmo em pessoa,

traja, qual bruxa velha, negra saia,

como o rei dos bandalhos tem coroa.

Vendo da peste o bárbaro flagelo

mil vidas a ceifar a cada instante,
30

d'África deixa o solo distante

e veio no Brasil curar Otelo.

O semblante imposto negro-amarelo

cresta do orgulho a chama crepitante,

traz cheia de vidrinhos o turbante,
35

e buído punhal por escalpelo.

Homeopata é, e o albergue puro

do puro Martins busca e diz-lhe ardido:

«Doutor, eu quero ter vosso futuro.»

-Bravo! grita o Martins enternecido;
40

pelas cinzas de Hahnemann te juro

que não hás de morrer desconhecido.


Setenário poético

A Providência, a cujos decretos nada resiste, e de que não é lícito murmurar.

(Imp. Alexandre da Rússia)



Das soberbas muralhas, tetos d'ouro,

dos palácios zombando, sem sussurro

voa o anjo que volve o mundo ao nada!

Com a destra fatal lançando em terra

tronos, cetros, diademas e tiaras.
5

Sopram seus lábios hórridos venenos,

que as flores murcham da infeliz campina

que o viu passar. A Nápoles seu vôo

furioso endereça, as asas bate

sobre o trono, e de luto cobre o sólio,
10

na mísera cidade levantando

monumento credor de pranto eterno!

E lá jaz para sempre, lá repousa

uma fronte real que inda há bem pouco,

gingindo áureo diadema, prometera
15

idades d'ouro dos Bourbons ao povo.

Inesperado golpe, caso infausto,

quantos bens nos roubaste no futuro!...

Oh! quantas esperanças destruíste...

Quanto pranto trouxeste!... triste sorte
20

dos míseros humanos!... Ilusores,

magníficos fantasmas da esperança...

Vida, que és tu?!... Caminho breve sempre

do leito à sepultura! Flor que murcha

quando mais odorosa nos parece.
25

E, além das ilusões, quimeras fúteis

de rápidos prazeres soçobrados

em oceanos de angústias, que nos deixas?...

O que resta de ti?... Só a virtude!

Sim, que a virtude só zomba da morte.
30

E de pé sobre a laje do sepulcro

do vivo para o morto um culto pede!

De lá, ó Isabel!, teu nome Augusto

de apoteoses mil cercado surge...

Ele as funéreas trevas aguardava,
35

para brilhar no céu, como rutilam

nos céus os astros, quando a noite arroja

seu manto opaco e negro sobre a terra.

Junto às portas do céu arremessaste

a túnica de carne, que trajavas
40

da milícia da vida nos combates,

como junto ao portal do alvergue amigo

arremessa o guerreiro fatigado

as pesadas, inúteis armaduras,

para gozar tranqüilo e sossegado
45

sono de paz em leito abençoado

por destra paternal. A Glória é tua!

Bem conhece a razão esta verdade;

mas zomba da razão da mágoa a força;

e, apesar da razão, medra a saudade!...
50

Quanto mais bela te divisa o mundo,

mais deseja gozar-te, alma bendita!...

Mais punge a tua ausência o peito ausente

de Teus Filhos, Teus Netos e Teu Povo.

Ah! lança lá do Céu a bênção Tua
55

sobre o mundo; consola o mundo aflito...

Faze que o céu nos dê valor, constância,

para os males sofrer que nos flagelam!-

E, se lá do Empíreo minhas vozes

gratas te são, acolhe meus suspiros!...
60

Inspira-me essas frases lamentosas,

com que de minha dor modero as iras;

afina a lira débil que votou-te

o Vate Brasileiro aos Régios Manes!


Elle est, elle est à Dieu...

Lamartine, Harm. Poet.



Isabel, que do mundo fugiste,

tão brilhante, tão bela e tão pura

como o sol do horizonte, deixando

sobre o mundo cair treva escura;

Isabel, que do mundo fugiste
5

como foge louçã Primavera,

permitindo que o Inverno desbote

vastos campos que verdes fizera;

Isabel, que do mundo fugiste

como foge dos ares no véu
10

belo Íris, que aos homens declara

a aliança da terra e do céu;

se da noite rompendo os negrumes

torna o sol no horizonte a nascer,

com a volta trazendo os prazeres
15

que, morrendo, fizera morrer;

se voltando a gentil Primavera

à natureza dá forças, dá vida,

que perdera de frio gelada

do inverno na capa envolvido;
20

se do Íris a cor tão mimosa

para sempre se não desvanece,

e depois de nos céus se perder,

outras vezes nos céus aparece...

Íris, Sol, Primavera Gentil,
25

vem de novo na terra brilhar:

tua augusta presença dá vida,

tua ausência nos pode matar!...

Vestem noite teus filhos, teu trono,

traja noite teu povo também;
30

chovem prantos dos olhos de todos,

nem verdumes os campos já têm!

Íris, Sol, Primavera Gentil,

vem de novo na terra brilhar;

tua augusta presença dá vida,
35

tua ausência nos pode matar!...

Belas flores murcharam tristonhas;

tem os troncos tristonho prospecto;

àguas turvas sem vida derrama

na enlutada Campânia o Sabeto.
40

Íris, Sol, Primavera Gentil,

vem de novo na terra brilhar:

tua augusta presença dá vida,

tua ausência nos pode matar!...

Mas, inúteis são preces aos mortos...
45

Nunca mais, nunca mais voltará

cá dos homens ao reino infeliz

quem no reino dos anjos está.

Ri-te, ri-te nos céus, alma santa;

goza, goza eternal f'licidade!...
50

-Isabel deve rir-se na Glória,

deve o mundo chorar de saudade!!!...-


She went to meet her God.

Elegia à Rainha Carolina de Inglaterra.



I

De Isabel os restos jazem

lá no recinto sombrio,

no seio da sepultura

solitário, mudo e frio.

lá descansa em sono eterno
5

a Mãe cheia de ternura,

a Rainha que a ventura

fazia do povo Seu.

Tantas preces, tanto pranto,

tantas súplicas de amor,
10

nada, nada do Senhor

o decreto removeu.

II

Como juntos d'árvore santa,

que por ímpios derribada,

entre os frutos macerados,
15

jaz em terra desfolhada,

choram aves que gozavam

dos aromas exalados

das flores, dos sazonados

belos pomos que brotou;
20

saudosas daquela sombra,

que do sol na intensidade,

no rigor da tempestade

os seus dias abrigou.

III

Isabel, assim a gente
25

que viveu tão feliz vida,

pela sombra do Teu manto

breves tempos acolhida,

que o aroma das virtudes

de tua alma desfrutara,
30

que nos teus filhos depara,

do seu Deus santa bênção;

vendo junto dos Teus manes

tua prole lacrimosa,

aflita, geme chorosa
35

na maior consternação.

IV

Chorai, ó povos! chorai!...

Com vosso pranto fazei

conhecer ao mundo inteiro

quanto amais ao vosso Rei!
40

Mostrai-vos gratos a quem

de vosso bem se incumbiu,

que convosco repartiu

seu pensar e seu viver.

Livre deixai esse pranto,
45

que o semblante vos inunda,

da Rainha sem segunda

na sepultura correr.

V

Chorai, que vos acompanha

do bronze o sagrado som,
50

porque o bronze também chora,

quando morre algum Bourbon;

e cá deste meu Brasil,

onde, cheia de candura,

de virtudes, de doçura,
55

de Isabel vive Uma Flor,

com eles irão juntar-se,

transpondo distância tanta,

os tristes versos que canta

Brasileiro Trovador.
60


Quem como tu, alma angélica!

J. Bonifácio



De novo minhas lágrimas queridas

dos meus olhos correi em liberdade!...

Vinde aplacar as dores das feridas,

que da morte alegrando a impiedade,

me quis fazer no íntimo do peito
5

o farpão penetrante da saudade.

Convosco, só convosco me deleito,

porque sois as sensíveis companheiras

do mortal que não vive satisfeito...

De meus olhos correi, correi ligeiras!...
10

Molhai da minha lira as cordas tristes,

de minha dor cansadas pregoeiras!

E vós, ó Natureza! que me ouvistes,

erguer o sonoroso alegre canto,

quando de alegres cantos me incumbistes;
15

se agora do pesar me cobre o manto,

guardai no vosso seio piedoso

as gotas cristalinas do meu pranto!...

Ímpio, cruel decreto, rigoroso

nos vassalos e reis, fatal, ferino,
20

roubou-nos um presente precioso...

Que ao mundo ofertara o Ser Divino.

Feliz! feliz mil vezes quem pudesse

arrancá-lo do livro do Destino!!!

Por ele dentre nós desaparece
25

um ser, dos Querubins cópia fiel,

que rival em virtude desconhece.

Por ele, na saudade mais cruel

nos deixou, e caiu na sepultura,

no reino dos finados... Isabel...
30

Oh! lei inexorável! sorte dura!...

Extinguiu-se tão cedo desta sorte

das mãos do Criador obra tão pura!

Quem pode compreender o poder forte

com que, do céu zombando impunemente,
35

tudo quanto Deus cria extingue a morte?!!...

A natureza inteira o golpe sente

do seu terrível braço; tudo chora

debaixo de seu gládio impaciente.

Do universo ríspida senhora,
40

o mundo, como fera insaciável,

pela boca dos túmulos devora!...

Oh! vida triste... vida miserável!

Julgada pelo Céu enfurecido

como crime de morte imperdoável!...
45

Mas a luz da razão tenho perdido...

Oh! Céu! até que ponto me arrebata

de meu pesar o impulso desmedido?!...

Suspende, criatura! a voz recata!...

Que do Céu os desígnios soberanos
50

soberba e loucamente desacata!

Oh Isabel! que longe dos humanos

contas na mais completa f'licidade

anos por dias, séculos por anos!...

Perdoa se ofendi a majestade
55

de Teu Deus, maldizendo Seus decretos,

perdoa meus queixumes indiscretos,

tudo foi um delírio de saudade!


Aquela noite sempiterna

cruel, acerba e triste

que tu... viste.

P. M. Bernardes, Floresta



De luto vestidos os campos estão,

envolve as cidades das trevas o véu,

a lua não brilha, as outras estrelas

somente povoam a face do céu.

Ninguém se recreia no triste silêncio,
5

na paz, no sossego desta solidão;

só eu gosto dela, por ver no seu rosto

descrito o retrato do meu coração.

Contigo me alegro, contigo meu peito

combina contente, ó noite sombria!...
10

Do dia não gosto; o sol me aborrece:

nas noites encontro melhor poesia!

Ó tu minha lira, me dize: não é

da noite no seio mais belo teu som?...

Teus meigos suspiros, teus ais, teus gemidos
15

não tem outra vida, não tem outro tom?...

O mundo inquieto, no estrondo que faz,

sucumbe teus ecos, sufoca-os no ar:

em seu labirinto, confuso de dia,

por mais que lhe fales, não quer te escutar.
20

Mas quando nas horas remotas da noite

escuta acordado teu som sedutor,

ouvindo soluços, que dizem saudade,

que dizem queixumes, que dizem amor...

Qual peito sensível resiste ao poder,
25

à doce magia que o vem penetrar?...

E quando termina o toque divino,

não quer ansioso que torne a voltar?!...

Oh minha adorada! meu bem! minha lira!

Passar não deixemos tão doces momentos!...
30

Ah! leva em teus sons ao reino ditoso

as tristes idéias de meus pensamentos!...

Com eles, meus versos, velozes voai!

Aos astros dizei meu mal tão cruel;

dos astros parti à santa morada,
35

humildes beijai os pés de Isabel.

Mas louco! não vês que a lira tangida

por destra tão fraca não pode soar

vozes tão sonoras e tão duradouras

que possam da terra aos astros chegar?!...
40

Que as tristes endechas, que os cantos humildes

de um vate mesquinho tal força não tem?...

Que ao céu voam cantos dos bardos celestes,

que aos bardos da terra só terra convém?...

Porém, se não podem as vozes da lira
45

a par de meus cantos à glória chegar,

tu, alma celeste, dos anjos encanto!...

Bem podes na glória meu canto escutar!...

Escuta, portanto, meus hinos saudosos,

meus hinos sem flores, sem ostentação:
50

Com eles recebe na santa morada

um culto sincero do meu coração!...


Una ave sola

Ni canta ni llora.

Lamentaciones del Solitario



Na primavera da vida

viu o mundo, sobre o trono,

Isabel aparecer

tão pura como a inocência,

tão bela como o prazer.
5

Sua alma não era humana,

era um anjo, que do céu

todas as graças vestia;

seu corpo templo sagrado,

no qual o anjo vivia.
10

Mas o brilho desse templo

o tempo, sempre inconstante,

pouco a pouco destruiu;

sua bela arquitetura

a ruínas reduziu.
15

O anjo, que viu caído,

em terra desmoronado,

seu asilo encantador,

foi buscar outra morada

na mansão do Criador.
20

Lá ficou, e para sempre!

e o tempo, algoz cruento,

só a destroços votado,

vai consumir as ruínas

do edifício sagrado.
25

E a cinzas reduzir

aquela que viu o mundo

o régio ceptro reger,

tão pura como a inocência,

tão bela como o prazer.
30

Mas que importa? pode o tempo

pela morte auxiliado,

sua existência ferir;

há de lá na sepultura

os seus restos consumir.
35

Porém triunfam do tempo

suas heróicas virtudes;

Isabel vive na glória,

Isabel viverá sempre

do universo na memória.
40


She is no more, but her

memory will last for ever.

Vida de Lady Kutingdon



Potentados soberbos! vinde, vinde

    ver um quadro sublime,

onde lampeja a glória da virtude,

   e se aniquila o crime!

Isabel sobre o leito d'agonia
5

   saúda a eternidade,

que assentada nos túmulos apaga

   a luz da majestade...

Instante acerbo, que ao tirano causa

   desusado terror,
10

porque vai baquear, cair do trono,

   aos pés de seu Senhor!...

Por ver que no sepulcro se evaporam

   seus queridos emblemas,

seus mantos, seus palácios e seus tronos,
15

   seus cetros, seus diademas;

porque vê, como um astro ensangüentado

    em céu enegrecido,

sua alma aflita divagar da morte

   no lar desconhecido!...
20

Instante acerbo, em que p'ra consolo

   nem mesmo os olhos seus

podem por um momento só fixar-se

   sobre os olhos de Deus!...

E com razão bastante contemplá-los
25

   não pode o infeliz:

Seus crimes são horrendos, Deus é justo,

   e Deus é seu Juiz!!!...

O anátema do céu parece ao triste

   do sacerdote a bênção,
30

e o rosto volta, procurando aflito

   fugir da maldição!

Isabel vê tranqüila da existência

   o último raiar;

nesse instante solene nada pode
35

   sua alma perturbar!

A lembrança de trono, que perdia,

    não a pode afligir;

pois lá da sepultura um novo trono

   de glória vê surgir.
40

Não é uma rainha que prostrada

   do sólio cair vai;

é a filha feliz que alegre voa

   aos braços de seu pai.

Nem sequer uma idéia criminosa
45

   lhe mancha o pensamento,

que, fixado no céu, tranqüilo espera

    o último momento.

As costumadas preces de seus lábios

    ao céu iam parar,
50

e do céu lhe traziam santas graças

    que a vinham consolar.

Lágrimas verte; mas quanta virtude

    expressa pranto tal?!...

exprime de seus filhos e do povo
55

   saudade maternal.

Das asas de sua alma só pena

    ao mundo estava presa;

que dos filhos no peito segurava

    a mão da natureza!
60

Despegou-se afinal, voou da terra

    ao céu leda e serena,

para o céu nos levou prazer consigo,

    deixou do mundo a pena.

Só restos insensíveis nos ficaram
65

    daquele ser benigno;

só este bem nos deixou na terra

    o anjo do destino!...

Ó povos! colocai-o num funéreo

    eterno monumento;
70

que a vossa gratidão declare aos séculos

   o seu merecimento.

Esta inscrição gravai em letras d'ouro

   no régio mausoléu;

«seu corpo tem altares cá na terra,
75

   sua alma lá no céu!...»


Flores murchas

Oferecido ao meu amigo e colega Dr. Sinfrônio O (límpio) Álvares Coelho


I

Ai! flores de minh'alma! quem matou-vos

que nem o aroma vos deixou tão grato,

com que se embalsamava toda inteira

a minha esp'rança? Flores, flores minhas,

que a inocência plantou na terra nova
5

do meu coração virgem, quem ceifado

vos tem assim dos ramos tão frondosos

do meu futuro?!... Árvore bem verde,

bem viçosa e fecunda, era-vos ele

mantenedor de vida deleitosa,
10

que parecia eterna!... mas... caístes!

E nem revivereis, nem outras flores

como vós colherei, que o tronco enfermo,

talvez por falta vossa, está mirrado!

II

ROSAS, rosas

Rosas, rosas, que a aurora me atirava
15

aos punhados do céu, quando eu menino,

vendo-a seguir do mar, do céu, dos montes,

mandava-lhe minh'alma num sorriso

inocente como ela; que mau gênio

roubou-vos a meus olhos!... Rosas, rosas,
20

que nos brincos da tarde me trazia

do jardim paternal a irmã correndo

para me dar em troca de um abraço...

Ai! sempre, rosas, sempre me ganháveis

por um abraço-mil, por cada pétala
25

abrasados de amor -milhões de beijos!

Murchastes de calor?!... foi tanto o fogo,

que vos matou tão cedo?... Amor não mata;

gira um vulcão de vida em cada chama

que acende o facho seu: de um deus amante
30

a palavra de amor deu vida ao mundo...

Se dei-vos tanto amor, por que morrestes?...

Quem vos murchou tão cedo?... Rosas, rosas

que nos brincos da tarde me trazia

do jardim paternal a irmã correndo
35

para me dar em troca de um abraço!...

III

Só um bem nesta vida me resta:

de remorsos minh'alma está sã!

Vêm curar-lhe do mundo as feridas

puras águas da crença cristã.
40

Sim, eu sei que, apesar de cerrados,

os teus braços, ó cruz, não têm fim;

se teus braços abrangem o mundo,

infinitos estende-os p'ra mim.

Que eles são infinitos quem nega?
45

Quem não sabe que em todo lugar

onde um filho estiver do Calvário

em teus braços se pode arrimar?

Quantas flores colhi neste mundo,

as perdi das paixões no escarcéu:
50

Em jardim me converte o sepulcro,

a colher dá-me as flores do céu!

IV

Creio em Deus, minha irmã; e tanto creio

que, vendo lá no céu tua alma pura,

em vez de maldições, mil bênções voto
55

à hora em que desceste à sepultura!

Creio em Deus, minha irmã; tanto que espero,

inda no céu contigo, como outrora,

frescas rosas colher desabrochadas

à luz dos raios da divina aurora.
60

Creio em Deus, minha mãe; em tua bênção

reconheço um tesouro divinal,

que do trono infinito a mão do Eterno

segue o traço da bênção maternal.

Creio em Deus, minha mãe; tanto que espero
65

qu'inda a terra do meu funéreo leito

-por teu maternal pranto semeada-

me brote um verdadeiro amor-perfeito.

Creio em Deus, creio em Deus; o bardo amigo,

e por isso inda creio que, se o fado,
70

se não na minha pátria, neste solo

me permitir morrer junto a teu lado,

por talismã da fé que nós sagramos

e sincero tributo de amizade,

na terra que cobrir-me as frias cinzas
75

plantarás um suspiro, uma saudade.


Bahia, 4 de agosto de 1854

Delírio e ciúme

Mais nada resta a suspeitar!... Mais nada

o véu da falsidade encobrir pode!...

Do desengano ao lume, desesp'rada,

atenta tudo vê, tudo conhece

minha alma acesa em raiva, acesa em zelos!...
5

Que pretendias, pérfida?... Que ainda

perdurasse a ilusão com que risonha

entretinhas meus loucos pensamentos?

Que da paixão ao sopro envenenado

o lume da razão, perdendo a chama,
10

jamais recuperasse?... Não! não pôde

em mim de amor a força ganhar tanto!...

Mas oh! por que me ufano se ainda escravo

geme o meu coração? Se inda deseja

ver da tigre o semblante, ouvir-lhe as vozes?...
15

Tristes sortes dos míseros amantes,

de ingratos corações vítimas loucas!

Conhecem o algoz! e o algoz só querem!

Maldizem mão cruel, que os assassina,

e só acham nos braços do verdugo,
20

alívio para o mal, que os atormenta!

Cegos, que pretendeis achar ventura

entregues à paixão, que me devora!

Estultos! vede os males que me cercam!

Contemplai minhas ânsias! meus suspiros
25

penetrem vossos peitos desgraçados!

Amei uma mulher, julguei que nela

tudo era belo, tudo amável, terno:

Minha alma embalsamada pelo aroma

de meigas esperanças amorosas,
30

só delícias gozava, só prazeres

quando pensava nela, quando a via;

meu peito era inocente, e a razão nova.

Na mente virgem de amorosas cenas,

era a primeira trágica -Marfida!-
35

roubou-me com enganos a traidora

meus primeiros suspiros, meus carinhos,

meus beijos, minhas queixas, meus desvelos!

Se de ciúme ardente o peito amante,

irado, contra ela a voz erguia,
40

um sorriso somente me bastava

para apagar a lava em que fervia

meu coração zeloso! Um olhar terno,

delirante de amor, aos pés da infida

em despojo a seus olhos me arrastava!
45

Num beijo desmaiava, embriagado

por um licor divino que sentia

difundir-se dos seus pelos meus lábios!

Quantas ditas gozei! quantos tormentos,

já me causava a Ingrata antes da infâmia!...
50

Mas... tudo se passou!... Visões celestes,

vossa tirana angélica pintura

em quadros infernais está mudada!...

Leves pincéis de amor tendo quebrado,

molhou da ingratidão a negra brocha
55

nas tintas que as traições lhe ministraram,

e dentro da minha alta só vilezas,

falsidades venais, cenas infames

me desenha na mente desvairada!

Oh! como! com que cor, com que prodígio
60

vendo estou daqui mesmo dos seus crimes

o retrato fiel, a forma viva!

Crestados pela luz da fantasia

queimam-se os véus que envolvem o nefando

leito onde fervem gozos impudicos!
65

Onde a luxúria treme em corpos trêmulos,

exalando seu hálito empestado!

Ao sumo em comoção chegaram ambos:

Correm os beijos mais que o pensamento:

Juramentos de amor entrecortados.
70

ouvem as fúrias presidindo o ato!

Os corpos mutuamente se comprimem...

E Deus em toda a parte!!!... e tudo vendo!!...

Nem o respeito ao céu lhe veda o crime

que acesa a Salamandra em fogo impura,
75

tem o céu nos prazeres desonestos

e seu Deus no mortal com que os goza...

E não brada vingança um tal delito?...

Risonha a Natureza a contemplá-la

parece festejar seus desatinos!...
80

Bem; sucumba-se a sorte aos céus e ao fado;

fartem-se com os jorros do meu pranto;

contém-me as ânsias, contém-me os suspiros,

formem eles um cântico de glória

que ao seio paternal do Nume afague!...
85

Porém... que digo!... Lábios, que fizestes?...

Que disse!... oh! justo Deus! perdoa a Bardo:

Não guiou a razão falsários ditos:

Perdoa, justo céu! são tais palavras

centelhas do vulcão em que me abraso!
90

Marfida escuta agora a voz do vate,

onde a paz já domina; atende um pouco

à voz do coração aniquilado.

Que já livre das fúrias do ciúme,

inda ardente de amor, mas já sem lavas,
95

submergido nas trevas da tristeza,

é qual em fundo bosque, em noite escura,

esqueleto de choça incendiada,

sem chama, sem fumaça, em brasa viva!

Argüições não são, meu bem, são rogos!
100

rogos, que meigo, terno, lacrimoso,

suplicante, abatido, d'alma verto!

Marfida! muda um pouco esses transportes!

Dos lábios desse amante que idolatras,

desapega teus lábios!... vem ao menos
105

encostá-los nos meus envenenados

para dar-lhes o seu contraveneno!

Cede às aflitas preces da minha alma,

Que sedenta te roga algumas horas,

um minuto sequer de gozo antigo,
110

da celeste ilusão dos teus enganos!...

Mas... sucumba a paixão; erga-se o homem!

Quebrem meus pés enfim as vis cadeias,

que a seus pés arrastei! Mísero louco!...

Escárnio a meu rival, escárnio dela!
115

A taça em que sorvi divino néctar

caiu-me aos pés quebrada; os vis fragmentos

esmaguemos também! Nem mais teu rosto

venham mostrar-me espelhos da memória!

Vai-te! Vai-te de mim... porém, não! fica,
120

fica, que, se tu partes, vai contigo

todo o meu coração, vai-se minha alma!...

Que ânsia tão aflita me sufoca!

Talvez a morte seja... Vem; não tardes,

imagem da extinção, imagem santa
125

do nada; ponte curta que nos leva

da ilusão à verdade! Mesmo quando,

castigo ou prêmio, nada depois dela

exista para nós, o nada mesmo

realidade é! Mortais tormentos
130

suportará jamais quem não existe;

a vida entre prazeres vale a vida;

mais que a vida em desgraça vale a morte.

Talvez, talvez, cruel, antes que um dia

sobre o sepulcro d'outro a luz derrame,
135

da vida o fio me rebente a morte!

Talvez amanhã mesmo sobre a campa,

que meu já frio corpo frio espera,

tu pises orgulhosa de meu fado!

Vai; que lá mesmo te darão meus manes
140

uma prova de mais dos meus tormentos!

Gemidos que ouvirás na minha campa,

sairão de meu peito inanimado;

entre suspiros ouvirás teu nome

por meus já mortos lábios repetido;
145

que amor, essencial parte do espírito,

no espírito eterno, eterno viva.


Minha lira brandamente,

delinqüente em leis de amor

do traidor que tem por crime

o que imprime na razão,

que lacera a quem afaga
5

que propaga em seus ardores

os horrores da tristeza

que me pesa na feição,

tangerei as cordas tuas,

que são tuas, e não minhas
10

que o que tinhas tangedor

tens de amor a escravidão.

Não mais de outras criaturas

formosuras cantaremos,

louvaremos tão-somente
15

de um só ente a perfeição.

Tirce, a bela moreninha,

que de minha nada tem,

é meu bem, a criatura

que segura meu grilhão.
20

Eu que em vê-la só me esmero

ser não quero desprendido,

que embebido no meu rosto

acho gosto na prisão.


O jornaleiro

É igual a ti mesmo, a ti somente

(Do poema O ganhador)



Quando ousado o poeta a voz levanta,

em punho tendo o látego da sátira,

p'ra castigar hipócritas malvados,

é a voz da verdade a voz que soa!

Desmascarar falsários intrigantes,
5

o vício espezinhar, punir tartufos,

velhacos suplantar, caluniadores,

são atos que de austera probidade

louvor sincero e atenção merecem.

Armados pois, de um retorcido relho,
10

a um negro covil -talvez o inferno-

por um forte cabresto bem seguro,

eu vou buscar um torpe Jornaleiro,

que entre sujos papéis escrevinhados

(que só p'ra guardanapo têm valia)
15

sentado em tamborete junto à banca,

tendo nas garras de algum corvo a pena,

baldões, insultos contra a honra atira!

Trazer pretendo o ganhador escriba

qual jumento manhoso à praça pública
20

e expô-lo às apuradas dos moleques,

por quem apedrejado ser devia...

Quem não conhecerá o Miguelista,

escória dos sandeus de quem eu falo?!...

Chicanista imoral, doutor em nada,
25

insosso prosador -alto pedante-

que estudar foi na estranja -patacoadas

para dizer-se aqui homem de letras?

Quem não conhecerá o sábio lente,

que num certo colégio desta Corte
30

ciência geográfica ensinava?

Quem não conhecerá -o que na escola,

onde quer se instruir jovem guerreiro,

explicando o direito ensina o torto?!...

O homem que insultava adversários,
35

alcunhando-os heróis das «vacas gordas»,

e que agora sedento -a grossa teta

bem agarrado, chupitar procura?!

Homens raros assim todos conhecem!...

Eu não preciso retratá-lo ao vivo,
40

descrever-lhe o carão, onde grudados

-nos olhos- tem pedaços de vidraça,

o corpo infame, o bojo monstruoso,

qual um balão de fedorentos gases;

e mostrar o letreiro que na fronte
45

-em letras garrafais -diz «Ganhador»!

Todos bem sabem de que peça falo:

O trabalho me tira a grande fama

que por falso, impudente tem ganhado.

Sim, ó grão-Redator (a ti me volvo)
50

ao público amador -quero mostrar-te,

p'ra que faça a justiça que mereces...

És qual tarpéia rocha inabalável

em teu princípio firme-o da calúnia-

és herói dos heróis, quando se trata
55

de vis aduladores intrigantes!

Um singular portento és na mentira!

Tu és grande! és enorme!! porque arrumas

patadas, couces mil, no mundo inteiro!!

A natureza pasma ao contemplar-te,
60

julgando que não és uma obra sua!

Embasbaca-se o gênio das trapaças

vendo brilhar o teu saber ingente!

Té o demo -de gosto- pinoteia,

-E berrando que tu, seu protegido,
65

que és glória sua comunica à terra!...

E no entanto ninguém teu pai se julga!...

Nem o podem dizer, porque não sabem...

quem te acendeu nos cascos esses fogos

que tudo abrasam, sem queimar-te a bola?
70

Quem és pois? de onde vens? P'ra onde te atiras?!...

És abutre -que mágica do Averno-

em homem transformou p'ra da calúnia

o instrumento ser aqui na terra?

És do zoilo invejoso a alma errante,
75

ou um sopro de negra, imunda harpia?

Onde encontraste o ser? a origem tua?...

Veste por acaso do planeta

que Vulcano por lei dizem chamar-se?

Onde fixaste o norte de teu rumo,
80

ó ente singular, teu paradeiro?

Para onde irás tu, quando partires

deste imenso teatro em que tens feito

o papel mais infame que se pode?!

Abutre, harpia ou sopro, ou quer que sejas,
85

-és igual a ti mesmo, a ti somente!-

Cansa-se a pena a enumerar teus feitos!

Envergonha-se aquele que o censura,

olhando para ti, vendo que és homem,

na figura somente... em nada mais!...
90

Imortal, Redator do papelucho

a quem um respeitável nome deste

(sim que o nome da Pátria, para o probo,

que não p'ra ti, é nome respeitável),

é tempo de voltar ao antro escuro,
95

ou p'ra o lugar -ignoro donde hás vindo!

Já muito por aqui de mal tens feito...

As cinzas venerandas revolveste

de um dos heróis da «Independência» nossa!...

Tua missão cumpriu-se!... é tempo, volta...
100

Era minha intenção trazer-te à praça;

mas desisto da empresa!... A puros homens

é um crime mostrar torpes figuras,

negros quadros, que infâmias representam!

Vai-te! foge daqui! do vate a destra
105

só cordas vibra de doiradas liras:

Se indignado empunha o forte relho

para surrar hipócritas malvados,

envergonha-se logo do que há feito!

É nobre o fim p'ra que o Poeta nasce;
110

e não para amansar bestas bravias

ou corrigir sicários sevandijas!...


(Na noite de seu benefício em 16 de agosto de 1858)

A D. Carlota Leal Milliet


    Tem um destino o gênio

só é livre na terra o que é pequeno;

   é fatal o sublime,

que o sublime é de Deus e não do mundo.

Olhos gravados nos fanais brilhantes
5

   de ridente futuro,

embora desejo incendiado

   aos hinos o arremesse,

que retumbas nas mesas opulentas

   de altivos Baltasares,
10

de rojo contra as urzes da desgraça

    Há de cair o Gênio;

    de rojo há de ir por elas,

arrastado por destra misteriosa,

que dest'arte o remonta a ignoto alcáçar.
15


O épico do - Fiat

Zela em extremo a palma aos seus diletos;

que o viço lhe desbotem não consente;

quando eles descuidados não a velam,

ante seus olhos amortalha o mundo,

   e na dor os obriga,
5

com lágrimas de sangue, a dar-lhe orvalho.

O anjo d'Harmonia no teu seio

    jazia encarcerado,

    deixando a furto apenas

ouvir em curto canto as notas mágicas
10

   da sua voz divina,

    Por não haver um templo

onde pudesse desferir seus vôos;

   abriu-se o templo d'Arte!...

Eia, Sacerdotisa, o altar te toca!
15

    Norma de Norma, chega!

Já a língua de Euterpe é língua tua!

Lua e sol d'Harmonia ao mesmo tempo,

é tua voz Proteu do sentimento

   nas notas que desliza!
20

O Estro de Bellini nas doçuras

da língua portuguesa mais se adoça,

Só lhe falta a doçura do teu canto.

    Norma de Norma, chega!

Já a língua de Euterpe é língua tua!
25


O furor ciumento

Da mãe, que pelo amante empunha o ferro

para cravar nos filhos, pede o fogo,

que em teus olhos dardeja o sol dos trópicos;

a clave do gemido brasileiro

   pede a prece da filha
5

que os filhos recomenda ao amor paterno;

    Norma de Norma, chega!

Já a língua de Euterpe é língua tua!

Chegaste!... dos desgostos pela senda,

arrastada por destra misteriosa,
10

que dest'arte guiou-te ao ignoto alcáçar

recebe, pois, um ósculo da Poesia,

    que Música e Poesia

irmãs nos louros, beijam-se na floria.

Sus, Rainha do Canto, o cetro empunha!
15

    Reina, que, se não reinas

    no mundo d'harmonia,

reinar não pode a cena brasileira.


Aos anos de um respeitável ancião

I

Já seca pende morta essa grinalda

   que outrora me adornou!

Da inspiração a luz que me animava

    de todo se apagou!...

Os astros de luz tão bela
5

   estão sem claridade;

apagaram-se todos, mal ergueu-se

   o astro da verdade

fui livre quando, louco! no infinito

    voava da demência;
10

a razão cativou minh'alma presa

   nos ferros da evidência.

Fecharam-se os jardins da fantasia,

   nem há mais uma flor!

Domina-me a razão -como ser livre,
15

    sendo de mim senhor?

Se, conhecendo o mundo limitado

   perante os meus projetos,

os vôos enfreei do entusiasmo,

   prendi os meus afetos?
20

Minh'alma nos limites circunscrita

   da franca humanidade,

abandonou a posse do infinito

   perdeu a liberdade.

A lanterna da exp'riência
25

com seu escasso clarão

não pode mostrar imagens

do mundo da inspiração.

A verdade deste mundo

seca, morta, sem fulgor,
30

não deixa medrar as flores

da palma do trovador.

A pobre realidade

que o mundo inteiro respira:

O trovador não encontra
35

nas notas da sua lira.

Das verdades deste mundo

a misérrima visão

adormece, mata, extingue

o fogo da inspiração.
40

Mas, assim como a lâmpada que exala

a vida no seu último lampejo,

o meu último canto hoje dar quero

à glória dos teus anos. Sim, um hino,

um hino de amizade, extremas notas
45

sejam da lira que, jamais manchada

de infame adulação, só dedicou-se

à virtude, ao amor, aos bons amigos

e à pátria, que a despreza!...

II

Mais um ano hoje contas, mais um dia
50

desses que valem anos te é marcado.

Vês em redor de ti os teus, contente,

vês um grupo de amigos a teu lado.

Contente a verde prole nos teus braços

em transporte de amor hoje se lança;
55

na mãe dos filhos teus vês a bondade,

e vês em cada filho uma esperança.

Filhos! não iludis os seus desejos,

não deis às esperanças desenganos;

vosso pai já velou nos anos vossos,
60

compete-vos velar sobre seus anos.

Vede, os anos passaram-lhe na fronte

sem lhe deixar um sulco de desgosto;

respeitai o que os tempos respeitaram,

não aumenteis as rugas do seu rosto.
65

Começa o ancião a encanecer-se,

e já lhe vejo as têmporas nevadas;

ah! mais do que a ninguém, incumbe aos filhos

conservar de seu pai as cãs honradas.

Um pai não vive em si, nos filhos vive,
70

mal sentem estes os vitais lampejos,

todo o bem, que é só seu, o pai esquece,

o bem dos filhos seus são seus desejos.

Dá-lhe Deus a ciência do futuro

ganhada dos trabalhos pelo trilho,
75

quando do amor paterno iluminado

o pai sempre conhece o bem do filho.

Amortalha, portanto, o seu futuro,

cair no precipício certo vai

o filho que o amor paterno esquece,
80

desprezando um conselho de seu pai.

Filhos, beijai a destra deste velho,

é a bênção de Deus nela encarnada:

Ele vos deu segura mocidade,

dai-lhe também velhice afortunada.
85


As lágrimas

Lágrimas, lágrimas tristes,

não deixeis os olhos meus,

que por vós eternamente,

aos prazeres disse adeus.

Para ter indisputáveis
5

direitos ao nosso amor,

arranquei-vos da minh'alma,

sois filhos, de minha dor.

Minha vida, agreste planta

de desertos areais,
10

ao sol das paixões vivendo,

expira se a não regais.

Para ter indisputáveis

direitos ao nosso amor,

arranquei-vos da minh'alma,
15

sois filhos, de minha dor.


Ciúme e razão

I

E perdi-a! e nem mais uma esperança,

sequer, me alenta nesta dor terrível,

que hei de, não mudo só, porém me rindo

devorar em segredo até a morte!

Suportar um tormento
5

que ao menos em gemidos

vai-se em parte exalando; a febre, a sede

do amor e da saudade mitigar-se

com lágrimas, é bem que só conhece,

quando o céu lhe recusa, o desgraçado!
10

E não hei de chorar, chorar não quero,

não quero, porque as bagas do meu pranto

enfeitam a coroa

que ele cinge, feliz, nos braços dela!

II

Excede à força humana este martírio;
15

Mas, louvores ao céu, minha alma sinto

    Resignada e pronta.

Benéfica razão serve de alâmpada

Das minhas ilusões à sepultura!

Amarga como o fel sempre a verdade
20

Quando do amor é o erro, mas não cospem-na

Lábios que a ingratidão beijar rejeitam.

III

Sim, hei de consumar o sacrifício;

nem súplicas, nem queixas há de ouvir-me;

do Coração no fundo hei de trancá-las
25

ao vê-la, ao vê-los, e saudar contente

do amor de ambas a ventura e os gozos!

Daquele olhar d'arcanjo cujos raios,

   como punhais de fogo,

do coração as fibras me laceram,
30

hei de fitar a luz sem perturbar-me;

    e morrer impassível,

quando nos olhos dele minha vida

em delíquio amoroso depuserem!

IV

Nobre altivez as preces me proíbe,
35

assim como a razão proíbe as queixas

que lhe posso pedir que dar-me possa?

Desejava um amor puro, espontâneo,

desses que nascem nos segredos d'alma

que ao simples choque de um olhar acordam
40

para não mais dormir. Queria os vôos

desse amor desvelado, procurando

dentro em meu coração fazer um ninho;

observar em êxtase os milagres

do proteísmo ser; colhê-lo em rosas
45

nas chamas do rubor que acende um beijo

senti-lo gelo após alguma ausência

    num susto de saudades,

   e no doce apertar de um longo abraço

no seio me cair, tépida lágrima.
50

Não me pode dar tanto. Da vontade

os domínios amor nas asas prende;

se quando se quisesse amor nascesse,

quando se não quisesse amor findara!

Inda que a minhas preces comovida,
55

dissesse-me tudo que desejo agora,

faltava em tudo o mel que amor destila

e unicamente amor!...

    Anjo inocente,

não queixo-me de ti, regem os fados
60

das sensações o mundo; aos afetos

o céu a cada um deu seu destino;

o tesouro que guardas no teu seio

    Foi destinado a outrem;

os desígnios do céu foram cumpridos
65

e assim tu, sem querer, me deste a morte!...

Grosseiros corações, almas estreitas

mancham o querubim que os encantara,

porque as asas lhe nega; generoso,

inimitável, crescente o meu afeto
70

das ânsias no martírio se acrisola;

por cada golpe que me dás no peito,

nova chama de amor me acendes n'alma,

extinta a minha última esperança

no árido deserto em que me arrojas.
75

Inda busco uma flor para enfeitar-te!

não, não hei de acusar-te, mesmo quando

na explosão de meus gelos mais pungentes

me for a mágoa de te haver perdido.

És a imagem querida do meu êxtase;
80

intacta ficarás. Por entre a nuvem

que o infortúnio lançou-me sobre os olhos,

a mesma me será no pensamento,

benfazeja visão de um sonho eterno!


Quando morta a f'licidade,

a fé expira também!

saudades de que se nutrem?

Os suspiros, que alvo têm?

Morta a fé, vai-se a esperança;
5

como pois, viver pudera

saudade que não tem crença,

saudade que desespera?

Onde as graças do passado,

se altivo gênio sanhudo
10

o cepticismo nos brada,

foi mentira, engano tudo?

Em nada creio do mundo:

ludíbrio da desventura,

a felicidade me acena
15

só de um ponto -a sepultura.

Morreram minhas saudades,

e nem suspiros calados

dentro d'alma pouco a pouco

vão morrendo sufocados.
20


Improvisos as potências do ocidente

As Potências do Ocidente

com as Águias e os Leões,

ou tomam Sebastopol,

ou deixam de ser nações.

Paula Brito



Já de suportar cansado

tanta injúria moscovita,

um povo acolá se agita

da guerra soltando o brado!

Dos canhões de Rei mitrado
5

retumba o eco imponente,

que em defesa da inocente

fraca, mas briosa terra,

acorda, e convida à guerra

as potências do Ocidente.
10

Eram rivais... mas que importa!

Um povo herói tudo esquece,

se outro povo, que padece,

a defendê-lo o exorta.

Não, cair não há de a Porta,
15

não há de rojar grilhões,

não há de que seus brasões

vão defender com pujança

a Inglaterra e a França

com as Águias e os Leões.
20

Ei-las no campo de glória,

que com puro sangue lavam,

e cada luta que travam

é uma nova vitória!...

Da humanidade e da história
25

seguidas pelo farol,

juram ambas pelo sol

dos livres, em que se abrasam,

que Sebastopol arrasam,

ou tomam Sebastopol.
30

Hão de tomá-la!... arrastada

do autocrata a bandeira,

há de ser a pregoeira

desta verdade sagrada:

«Que nações que pela espada
35

pretendem usurpações,

que, vis escravos, grilhões

às suas irmãs destinam,

ou como Tróia terminam,

Ou deixam de ser nações
40


O que faz minha dor

Um pensamento de morte,

uma lembrança de amor,

uma esperança perdida,

eis o que faz minha dor!...


Tive no mundo da mente

formosos dias serenos,

como os do céu sempre amemos

em doce paz inocente.

Dos desgostos a torrente
5

em um rápido transporte,

por má vontade da sorte,

me fizeram num momento

do meu feliz pensamento

«um pensamento de morte!»
10

A minha alma escureceu-se

do pensamento nublada,

e a mente desnorteada

em negro caos converteu-se!

Um mar de pranto -estendeu-se
15

naquele mundo de horror;

e no medonho fragor

da tormenta desabrida

vaga nas ondas, perdida,

«uma lembrança de amor!»
20

Cresce a celeste batalha,

e na vasta escuridade

sem cessar, da tempestade

o raio o manto retalha

a flutuante mortalha,
25

vaga sempre! Convertida

aquela idéia de vida

num sudário desta sorte,

retrata, emblema da morte

«uma esperança perdida.»
30

Em pé firme e solitária,

minh'alma fora insensível

à tempestade terrível,

contínua, crescente e vária!...

Mas a veste mortuária,
35

que das ondas vai na flor,

mortalha do meu amor,

dantes saudosa lembrança...

Hoje perdida esperança...

«Eis o que faz minha dor!...»
40


O farol da liberdade14

Na terra da Santa Cruz,

que enlutava atroz maldade,

já solta brilhante luz

o Farol da Liberdade.


Que vejo?... a Rússia tremendo

sob despótica espada?!...

Forte Hungria derrotada

entre cadeias gemendo,

a Itália a fronte abatendo
5

ante o fanático Jus?!...

Liberdade!... se de luz

precisas, responde, fala,

aqui temos, vem buscá-la

na terra de Santa Cruz.
10

Famoso povo guerreiro,

por nós hospitalizado,

contra nós sem causa irado

nos levou ao cativeiro!

Em seu jugo carniceiro
15

choramos longa orfandade!

Nossos campos, nossa herdade,

de cadáveres cobertos,

eram funéreos desertos

que enlutava atroz maldade.
20

Mas nossos brios um dia

contra os ímpios acordaram,

e os combates rebentaram

entre nós e a tirania!

A estrela que conduziu
25

colombo à terra da Cruz,

que os grandes povos conduz

ao templo da Liberdade,

dos Andes na sumidade

já solta brilhante luz.
30

Ao seu divino clarão

Pedro o filho dessa terra

que dispunha em nova guerra

lançar-nos novo grilhão,

acorda... fita a visão,
35

toma a espada, o campo invade,

embebe-a na claridade

que da estrela se desprende,

e com ela acesa acende

o Farol da Liberdade.
40


À minha mulher

Lembranças do nosso amor

Da morte o sopro gelado,

não me apagando a existência,

no coração com veemência

sinto seu passado apressado.

Ai quando, bem adorado,
5

minha alma daqui se for,

disfarça teu dissabor,

resiste à força veemente,

mas nunca risques da mente

lembranças do nosso amor.
10

Nada tenho que deixar-te

de fortuna nem de glória,

nada me aponta a memória

que possa morto legar-te;

se nada deve ficar-te
15

mais que saudades e dor,

bálsamo consolador

à dolorosa ferida

hão de ser-te nesta vida

lembranças do nosso amor.
20

Lembrar um bem adorado

na dor da saudade ausente,

é mesmo sê-lo presente,

inda que seja passado.

ser por ti sempre lembrado,
25

como em vida morto for,

por influxo encantador

deste mistério profundo,

hão de ser-te nesse mundo

lembranças do nosso amor.
30


Ao avistar o Rio de Janeiro

Despe as nuvens que encobrem

sol da minha f'licidade

que abre a flor dos meus prazeres

santo orvalho da amizade.

Respiro os ares da pátria
5

contemplo os encantos seus;

os meus contentes me abraçam,

eu contente abraço os meus.

Meu Deus, meu Deus, não consintas

que a pátria torne a deixar;
10

que da segunda ferida

talvez não possa escapar!

Se no íntimo a primeira

feria-me d'alma a raiz,

bem pode inteira cortá-la
15

segunda na cicatriz.

Completa a cura, não deixes

de novo o mal renascer;

que amarga mais que a desgraça

a negaça do prazer.
20

Não suceda à cruz rojada

mais pesada nova cruz,

não condenes mais às trevas

o cego a quem deste a luz.