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Dirceu de Marília
Liras atribuídas a Senhora DMJD de S
(natural de Vila Rica)
Joaquim Norberto de Souza e Silva
Não ouço as tuas vozes magoadas,
com ardentes suspiros
às vezes mal formadas:
Mas vejo, ó cara, astuas letras belas,
uma por uma beijo,
e choro então sobre elas
Não serei eu que afirmarei ou negarei a autenticidade da
presente coleção de liras extraídas de uma cópia
que se me afirma ter sido tirada de manuscritos autênticos, cuja
ortografia não pude conservar que não mo permitiu a brevidade do
tempo que tinha a dispor.
Apócrifas ou originais, completam elas a história dos
amores e saudades desses amantes desgraçados que a poesia começou
por celebrar e que os homens acabaram por imortalizar; os nomes de
Marília e Dirceu se tornaram populares em todo o Brasil, e hoje retumbam
pela Europa e América, e um dia se unirão aos de Hero e Leandro,
Safo e Faon, Heloísa e Abelardo, Inês e Pedro, Laura e Petrarca, e
então serão populares em todo o mundo.
Parece que foram elas escritas em
Vila Rica e enviadas pela maior parte à
cadeia pública do Rio de Janeiro; ao menos assim se depreende de sua
leitura e ainda mais dos versos do poeta que vão em testa deste
opúsculo como epígrafe; repetem muitas dentre elas os pensamentos
de Tomás Antonio Gonzaga; indicam outras ser compostas em resposta
às do distinto poeta ou ter motivado a muitas das suas; verdade
é, porém, que não se distinguem nelas aquela simplicidade,
dote da natureza, que não há imitá-la; contudo não
deixará o
Dirceu de Marília de interessar
àqueles que têm sabido apreciar a admirável e nunca imitada
Marília de Dirceu .
A autora, ou quem quer que seja, não só procurou
variedade nos pensamentos, como nos metros, e são todos eles, segundo
noto, os que estavam em uso em fins do século passado. Seguiu o exemplo
de Gonzaga, adornando os seus versos com a rima, que por certo muito concorre
para a harmonia, como o ritmo para a cadência; lástima é,
porém, que, como Gonzaga reproduzisse cenas da Arcádia nos
pitorescos sítios do Brasil, e assim nos privasse de quadros
interessantes nos quais assaz se prezaria a cor local, que por certo, falece na
maior parte delas; todavia, se errou com aquele que tomou por mestre,
também não deixou de se atraiçoar alguma vez com ele,
esquecendo preceitos a que se impusera.
Publico-as em duas partes para irem em mais harmonia com as da
Marília de Dirceu , pois que bem sabido
é que a parte terceira é apócrifa; assim tenham elas
acolhimento do público, para cobrar ânimo e trazer à luz
pública nova edição, não só mais melhorada
como acrescentada de outras liras que sei existem.
Niterói, agosto de 1845 J. Norberto de S.
S.
Eu, Dirceu, não sou pastora
de abastado
grosso gado,
nem casal tenho que valha
a pena de ser notado;
5
tenho minhas
ovelhinhas
na maior estimação;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
10
Mas não corres sem riqueza,
sem ventura
à Formosura,
cobiçoso de ouro e prata
que é de tantos desventura;
15
só almejas,
e desejas
possuir a minha mão;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
20
Teu semblante alvo qual neve,
de corado,
e de rosado,
não inveja a tez do jambo,
quando pende sazonado;
25
e um sorriso,
de improviso
torna-o digno de feição;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
30
Os teus olhos tão gabados,
matadores,
sedutores,
traem a turba das pastoras,
são inveja dos pastores;
35
se se volvem,
tudo envolvem
na mais terna sedução;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
40
Teus cabelos de ouro fino
delicados,
anelados,
não são como dos Pastores
destes montes, destes prados:
45
mas luzentes,
reluzentes,
como os raios do Sol são;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
50
Porém valem mais que tudo
teu agrado
delicado,
que te torna entre os pastores
mais que todos estimado;
55
voz singela,
amena e bela,
toda cheia de atração;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
60
Tu perguntas se Marília
te assegura
da ventura
de ser tua para sempre,
qual ser seu teu peito jura;
65
me enriqueces
e ofereces
tua própria habitação;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
70
E o que mais invejar pode
tua amada
extremada,
que por ti vive em suspiros,
que te preza namorada?
75
Sim aceito,
não enjeito
tua oferta e condição;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
80
Tens de teu um casal próprio;
dá-te azeite,
dá-te leite,
que munges das ovelhinhas,
que são teu maior deleite;
85
dá-te vinho,
lãs e linho,
e do que hás precisão;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
90
Dos pastores deste monte
admirado,
respeitado
sempre foi e será sempre,
será sempre o teu cajado;
95
nem se enluta,
quando a luta
vence com admiração;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
100
No tanger da sanfoninha
bem tiveste,
e mereceste
sempre gabos e louvores;
até louva o próprio Alceste,
105
e se cantas,
tu me encantas,
que tua voz toda atração;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
110
Vem Dirceu, sou tua amante,
eu te amo
e só reclamo
ter de ti igual destino,
que por ti toda me inflamo;
115
bem mereces,
e conheces
desta ingênua confissão;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
120
Sempre unidos e enlaçados,
venturosos,
e ditosos,
passaremos nossos dias,
nossos anos invejosos,
125
'té que a morte,
com seu corte,
finde tão bela união;
se não tens em mim bens altos,
tens um firme coração.
130
que andais no prado,
que disfarçado
anda o traidor;
fugi, pastoras,
5
fugi de Amor.
Sem arco e aljava
hoje aparece,
bem se conhece
nisso o traidor;
10
fugi, pastoras,
que esse é Amor.
Pelos seus ombros
caem os cabelos,
finos, e belos,
15
de loura cor;
fugi, pastoras,
que esse é Amor.
Oh quando pode
seu olhar brilhante!
20
É penetrante
e encantador;
fugi, pastoras,
que esse é Amor.
Se ele encarar-vos,
25
fugi de vê-lo;
além de belo
é sedutor;
fugi, pastoras,
que esse é Amor.
30
Dirige ovelhas,
traz um cajado,
anda trajado
como um pastor;
fugi, pastoras,
35
que esse é Amor.
Letras entoa,
jamais ouvidas,
e nem sabidas
de um só pastor;
40
fugi, pastoras,
que esse é Amor.
Toca lá junto
da fontezinha,
a sanfoninha,
45
cheia de ardor;
fugi, pastoras,
que esse é Amor.
Se ele falar-vos,
sabei seu nome,
50
talvez o tome
de algum pastor;
porém, pastoras,
fugi de Amor.
os meus queixumes,
de amor nascidos
são meus ciúmes.
Eu sei, que outra,
5
que outra pastora
de há muito tempo,
que te namora.
Aonde te encontra
olha e te mira
10
horas inteiras,
por fim suspira.
Passas por ela,
diz-te ela graças,
sem que lhe mostres
15
sequer negaças.
Com ela dançaste
lá na floresta,
ainda há pouco,
quando houve a festa.
20
De mim em breve
tu esquecido,
ah ver-te espero
a Laura unido!
Outra beleza,
25
outros encantos,
darão assuntos
a novos cantos...
Porém, Marília
à desventura
30
vai ocultar-se
na sepultura.
ó Deus menino,
de amor isento,
que é seu destino
assim viver;
5
em vão amimas,
em vão afagas,
abres mil chagas,
fazes morrer.
Cruel veneno
10
foi sempre amor.
Como és tirano,
ó Deus traidor,
os teus prazeres
terminam em dor.
15
À terna Safo
foi o amante
um fementido,
um inconstante,
um infiel;
20
e a desditosa,
entristecida,
põe fim à vida,
sempre fiel.
seu ai de morte,
25
foi ai de amor.
Como és tirano,
ó Deus traidor,
os teus prazeres
terminam em dor.
30
Inês formosa,
de um rei amada
ah foi ditosa,
viu-se adorada,
Pedro a esposou!
35
Porém por cara
pagou a dita,
cruel desdita
a assassinou.
Ah foi seu crime
40
somente amor!
Como és tirano,
ó Deus traidor,
os teus prazeres
terminam em dor.
45
À meiga Hero
foi o Amante
sempre extremoso,
sempre constante,
sempre fiel,
50
e por amá-la,
ó triste sorte!
Sucumbe à morte
dura e cruel!
E a desgraçada
55
morreu de amor.
Como és tirano,
ó Deus traidor,
os teus prazeres
terminam em dor.
60
Sim... mas quem pode
resistir tanto
às tuas setas,
ao teu encanto,
ao teu poder?
65
Cedo, bem cedo,
ó Deus verdugo,
ao duro jugo
devo ceder.
Vítima triste
70
serei de amor.
Como és tirano,
ó Deus traidor,
os teus prazeres
terminam em dor.
75
Apagaram-se as lúcidas estrelas
apenas despontou no céu a aurora,
e já a incerta luz, cheia de encantos,
os horizontes cora.
Já, os ninhos deixando, os ares talham
5
os lindos passarinhos velozmente,
e aqui pelos raminhos pendurados
cantam alegremente.
Pintadas cabras trepam pelos montes,
deixando os verdes campos orvalhados;
10
tangendo a frauta seguem os pastores
seus nédios, mansos gados.
E tu, aonde
4 4 estás,
Dirceu querido,
que não vens ver a quem só ver-te aspira,
a triste amante, cheia de saudades
15
que só por ti suspira?
Aos campos não trarás os teus rebanhos?
Hoje não te verei aqui cantando?
Não ouvirei ao som da sanfoninha
as ovelhas balando?
20
Ah que a tua ausência me motiva mágoas,
motiva-me pesares!...A saudade
me enche o peito de dor e de gemidos,
me enche de ansiedade!
Não, não deixes de vir a estes campos,
25
com isso me darás prazer dobrado;
longe de ti viver um só instante,
não pode o bem prezado.
Aqui saudosamente corre o rio;
aqui o sol o seu calor modera;
30
aqui vem, que Marília aqui descansa,
aqui por ti espera.
Te espera, mas em vão; em vão os olhos
pelos trilhos estende da campina;
nem um leve sinal de seu amante
35
nos trilhos descortina.
Cansada de esperar eu me retiro;
tornarei quando o sol atrás da serra
esconder-se de todo, e fresca sombra
derramar-se na terra.
40
Aqui me encontrarás, pastor querido,
nestes troncos, que a amor vivem sujeitos,
nos quais gravados temos nossos nomes,
quais dentro em nossos peitos.
afino a lira,
amor me inspira,
eu vou cantar:
Hoje um retrato
5
quero pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
10
Cabelos louros,
alvo semblante,
e penetrante
divino olhar.
um tal retrato,
15
vamos pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
20
As sobrancelhas
são arqueadas,
mas carregadas
não devem estar.
Um tal retrato
25
vamos pintar,
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
30
Pelos seus olhos
em brincozinhos
os cupidinhos
estão a saltar.
Um tal retrato
35
vamos pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
40
Vamos aos lábios
aonde os risos,
e mil sorrisos
estão a brincar.
Um tal retrato
45
vamos pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
50
Pérolas claras,
belas, luzentes,
pelos seus dentes
deveis tomar.
Um tal retrato
55
vamos pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
60
É breve a boca,
que ditozinhos
engraçadinhos
sabem adornar.
Um tal retrato
65
vamos pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
70
No peito habita
sábia virtude,
que vício rude
sabe odiar.
Um tal retrato
75
vamos pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
80
Braços perfeitos,
perfeita altura
e compostura
de se invejar.
Um tal retrato
85
vamos pintar;
correi, Amores,
a me ajudar;
tintas mimosas
ide buscar.
90
Como é difícil
esse retrato
fiel, exato,
aqui findar!
Um tal retrato
95
como pintar?
Em vão, Amores,
a me ajudar,
tintas mimosas
fostes buscar.
100
que um peito amante
seja inconstante,
terno Dirceu;
ele que a lira
5
tua escutando
foi se inflamando
do fogo teu.
Que importa exista
inda viçosa
10
a árvore frondosa,
aonde gravou
a tua destra
meu juramento,
que em esquecimento,
15
me não ficou.
Hoje viçosa
a olaia existe,
hoje resiste
ao furacão;
20
porém que importa,
se dentro em breve
um sopro leve
prostra-a no chão?
Oponha embora
25
sua ira a sorte,
oponha a morte
o seu furor;
sempre em meu peito
eterna dura
30
terá a jura
de meu amor.
Vive ditoso;
sou tua amante;
leal, constante,
35
me mostrarei;
e como a rocha,
que o mar combate,
e não abate,
firme serei.
40
Depois dos frios do gelado inverno
volta a terra a brilhante primavera,
e rainha das flores
alegremente impera.
Desponta o sol no carro seu de ouro,
5
e sem névoas nas traz o belo dia,
que no mundo derrama
o riso da alegria.
Assim, depois da tua ausência ímpia,
meu peito, compungido pelas dores,
10
sente se dissiparem
seus cruentos rigores.
Ah quem ama, Dirceu, viver mal pode
longe dos olhos de seu bem prezado,
sem que seu peito seja
15
da dor apunhalado!
Se para nunca mais voltar às Minas
te partisse
6 6 sem mim; ah
nesse dia
à tão cruel ausência
triste sucumbiria!
20
dois ternos pombinhos
se beijam, unindo
os ternos biquinhos.
Aqui exercitam
5
seus castos amores,
isentos de mágoas;
e cruentas dores.
Mas nos ninhos brandos
os meigos filhinhos
10
lá soltam mil pios,
abrindo os biquinhos.
As asas batendo
já deixam o ramo,
lá vão pressurosos,
15
que ouvem o reclamo.
Com eles deveres
de pais exercitam;
nos tenros biquinhos
os grãos depositam.
20
Oh! como da vida
as funções preenchem!
Oh! como de inveja,
Dirceu, não nos enchem?
Porém inda um dia
25
unidos seremos,
e vida de amores
assim gozaremos.
eu te bordava,
e de meus versos
o circulava.
Eu escrevia,
5
por doce encanto,
estas letrinhas
em cada canto:
«Unidos inda
além da morte,
10
Dirceu, que bela
é nossa sorte!
Em ternos laços
os nossos peitos,
no amar-se mútuos
15
serão perfeitos.
E destes montes
os mais pastores
hão de invejar-nos
os sãos amores...»
20
Não acabava,
eis senão quando
o Deus vendado
já vejo entrando.
Leu os meus versos,
25
leu, e sorriu-se,
porém de siso,
ah revestiu-se!
Toma-me o lenço,
pega da agulha,
30
no fino linho
destro mergulha.
Porém o lenço
meu, entregando
se retirara,
35
triste, chorando.
Eu, disso tudo
admirada,
vou ver a letra
por ele marcada.
40
«Porém a ausência,
que sorte ímpia
a separá-los
virá um dia.»
Ah que destino,
45
Dirceu querido,
não nos reserva
o fementido!
Ele que tinha
tão boa sorte
50
nos prometido,
nos lavra a morte.
Olha esse lenço,
e lê marcada
a letra dele
55
tão malfadada.
vem, papagaio, escutar-me;
aprende estes ternos versos,
que hás de com isso alegrar-me.
Não estejas contristado,
5
não pesam tuas correntes;
cativo de minha estima,
são teus ferros inocentes.
Aqui melhor que em teus bosques
tens d'água fresca do rio,
10
aqui tens leite e legumes,
não sofres calor ou frio.
Não vês os teus companheiros?
Pelo tiro vão morrendo,
enquanto que vás, meu louro,
15
com o trato de amor vivendo.
Canta, canta a todo instante,
que cantar é teu destino;
mas não digas, avezinha,
que eu sou quem sempre te ensino.
20
Repete este grato nome,
dize:
Dirceu , meu louro,
que este nome é mais que tudo,
vale a meu peito um tesouro.
Mas nunca, minha avezinha,
25
o repitas desligado;
une a este de
Marília ,
a que deve andar ligado.
a voz divina,
louva a beleza
da ingrata Eulina;
que nem um riso
5
nem um sorriso
jamais lhe dá.
Ah que tal paga
da sua amante,
Dirceu constante
10
nunca terá!
O terno Alceste
também na lira
canta de Laura
o amor que o inspira,
15
porém de um peito
de rocha feito
que obterá?
Ah que tal paga
de sua amante,
20
Dirceu constante
nunca terá!
Muitas louvadas
pela beleza,
não o merecem
25
quanto à dureza;
que um peito ingrato,
ah jamais grato
se mostrará!
Ah que tal paga
30
da sua amante,
Dirceu constante
nunca terá!
Dirceu benigno
louvores teça
35
a sua amada,
sem o que mereça,
que agradecida
por toda a vida
a encontrará.
40
Sim, esta paga
da sua amante
Dirceu constante
Sempre terá!
minha ovelhinha,
o que te falta?
Já não bebeste
na fontezinha?
5
Balas tão triste,
tu, que saltavas
alegre sempre
mais do que as outras,
com as quais andavas.
10
Aqui não gozas
macia relva,
e, quando o dia
se torna quente,
Sombra na selva?
15
Não te destingo
minha ovelhinha?
Qual é das outras,
que, bem tratada
traz coleirinha?
20
Dela não pendem
sonoros guizos?
Não tem meu nome
aí gravado
entre seus frisos?
25
Ah já conheço
por que estás triste;
nem hoje dele
foste afagada,
nem mesmo o viste!
30
Ah! se esta pena
tu hoje sentes,
também Marília
sofre, e derrama
prantos ardentes.
35
Porém a ausência,
minha ovelhinha,
já vai ter termo,
que lá ressoa
a sanfoninha!...
40
Inda é Dirceu frondosa a nossa olaia;
os passarinhos inda aqui gorjeiam;
e as flores, que produzem estes prados,
o ar aformoseiam:
Aqui sereno o Ribeirão caminha
5
sobre areias de ouro e diamantes;
aqui ainda eleva o alto coqueiro
as palmas verdejantes;
inda o eco murmura docemente
os fugitivos sons que nos ouvira;
10
inda nestes pinheiros enramados
a viração suspira.
A olaia recebeu a nossa jura,
os ternos passarinhos a cantaram,
e as flores de perfume delicado
15
o ar embalsamaram:
O Ribeirão corria com sussurro,
vendo que as nossas almas se ligaram;
e do coqueiro as palmas verdejantes
nos ares se agitaram:
20
O eco a transmitiu a outros ecos;
talvez chegasse a terras apartadas,
que a viração da tarde a transportara
nas asas encurvadas.
Quando vires secar a esbelta olaia,
25
e os lindos passarinhos não cantarem,
e as flores mais gentis e mais cheirosas
de vegetar deixarem;
Quando este Ribeirão pobre e turvado,
rolar as ondas pelo fulvo lodo
30
e abater-se o coqueiro e em pó tornado
desfizer-se de todo;
Quando o eco calado, ensurdecido,
não repetir teu nome após tua amada,
nem nos pinheiros sussurrar o silvo
35
da viração cansada;
Então, Dirceu, então tua Marília
deixará de te ser fiel amante;
chama-lhe então de falsa e fementida,
de ingrata e de inconstante.
40
ouvi dizer,
porém será,
que o mal bem perto
do bom prazer
5
sempre andará
esses penhores,
penhores meus,
quem os terá?
Nossos amores
10
o próprio Deus
amaldiçoará.
Ah se tu partes,
adeus, adeus!
Ligado a ferros,
15
correntes vis,
ah partirá;
quais são seus erros,
quais seus ardis,
que os sofrerá?
20
Esses penhores,
penhores meus,
quem os salvará?
Nossos amores
o próprio Deus
25
reprovará?
Ah se tu partes,
adeus, adeus!
Deste meu peito
sem ti, Dirceu,
30
o que será?
Sentindo o efeito
do exílio teu
só gemerá.
Porém penhores,
35
penhores teus,
bem guardará;
nossos amores
o próprio Deus
protegerá.
40
Ah se tu partes,
adeus, adeus!
A tua amante
terna e fiel
sempre será;
45
de ti distante,
o teu anel
me lembrará.
e tais penhores,
penhores teus,
50
não esquecerá;
nossos amores
o próprio Deus
abençoará.
Ah se tu partes,
55
adeus, adeus!
À sua amante
também Dirceu
fiel será;
rosa adorada,
60
que ela lhe deu,
a lembrará.
E tais penhores,
penhores meus,
quem esquecerá?
65
Nossos amores
o próprio Deus
abençoará.
Adeus, tu partes,
adeus, adeus!
70
Deixa este peito, que a saudade habita,
deixa meus tristes, tão saudosos lares,
e vai, suspiro ardente,
romper os leves ares.
Longe daqui o meu Dirceu respira,
5
respira, e, ai de mim, não sei aonde
7 7 ,
que infame e atroz calúnia
em vil masmorra o esconde.
Porém gira, procura, que hás de achá-lo
lá onde tu ouvires o meu nome,
10
entre os ais repetido
da dor, que hoje o consome.
Com o ar, que ele respira, te mistura,
mas não lhe digas de quem és, suspiro;
nem que és triste mandado
15
de tão longe retiro.
É fácil conhecer-se um desgraçado,
e ele logo verá, que tão sentido
só partes deste peito
de tanta dor ferido.
20
Talvez cuide que és o derradeiro,
talvez pense que és meu ai de morte;
dize-lhe pois que vivo,
que afronto a dura sorte.
Que os olhos já cansados não têm
prantos,
25
que a não me vir do céu pronto socorro,
ah perderá-me em breve,
que aflita e triste morro.
teu lindo rosto
com aquele gosto
do peito meu;
já te não vejo
5
com a sanfoninha,
que me entretinha,
meu bom Dirceu,
já te não vejo
com o manso gado,
10
que desgarrado
vai sem pastor;
já me não toucas
nesta floresta,
durante a festa,
15
com linda flor.
Tempo ditoso
de meus amores,
encantadores,
veloz passou;
20
e hoje, ó destino,
cruel verdade!
Triste saudade
dele ficou!
Tudo no mundo
25
é passageiro;
tarde e ligeiro
há tudo fim.
Não mais suspiro,
não mais deploro,
30
nem triste choro,
que é tudo assim.
Amor, que os tristes dias me envenenas,
amor, deixa o meu peito
folgar livre de penas.
Meus olhos de chorar já se estancaram,
e do peito os suspiros
5
de todo se esgotaram.
Porém eu inda sofro; vê meu peito,
vê como retalhado
à dor vive sujeito.
Num só dia perdi quanto prezava,
10
um coração tão grande,
que assaz, assaz me amava.
Levasse muito embora a sorte ímpia,
levasse muito embora
quando de meu havia.
15
Mas ah! não me levasse esse objeto
digno de minha estima,
digno de meu afeto.
Tu és Amor, tu és duro verdugo;
alegres só vivemos
20
isentos do teu jugo.
Mal nosso peito foi por ti vencido,
que a existência se azeda,
que tudo está perdido.
Heloísa e Abelardo
9 9 muito se amaram,
25
porém só no sepulcro
um dia se juntaram.
O que na vida, Amor, não consentiste,
-união merecida-,
na morte permitiste.
30
E
Marília e
Dirceu na lousa dura
lerão cedo os pastores
de uma só sepultura.
gemendo em ferros;
e por que crimes,
e por que erros?
No céu sereno,
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mimosa e bela
como brilhava
a tua estrela!
Mil vezes nela
olhos fitava,
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e só de vê-la
me contentava.
Porém, agora
os olhos pondo,
de horror me gelo,
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o rosto escondo.
Em um instante
tudo mudou-se,
o riso em pranto
cruel trocou-se.
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Mal haja o monstro,
que te condena
à tanta ausência,
à tanta pena.
Que sem que o saiba,
25
ó dura sorte,
também me pune
com a própria morte.
tu que estavas tão contente;
como estás emudecido,
meu papagaio inocente!
Já, meu louro, me não cantas
5
os versos que eu te ensinava,
e que eu entregue a mim mesmo
em silêncio te escutava.
Ah que já me não repetes
aquele tão doce nome!
10
Que pesar torna-te mudo,
que tristeza te consome?
Queres voltar aos teus bosques,
queres ver teus companheiros?
O que é que aqui te falta,
15
não tens tratos lisonjeiros?
A tua terna senhora
não te afaga com carinhos?
Se lhe falas, não responde,
não aceita os teus beijinhos?
20
Ah já sei, minha avezinha,
tu me vês triste, afligida,
por isso também te calas,
também estás emudecida!
Deixa, que ainda um dia
25
me verás qual já me viste;
nem sempre o cantar alegre,
nem sempre o silêncio triste.
ainda ontem
cheio de flores,
que mereciam
tantos louvores,
5
hoje tão murcho
és como eu.
Oh como é triste
tudo o que é meu;
falta-me tudo
10
sem meu Dirceu!
Esta roseira,
inda tão nova
e tão viçosa,
que se elevava
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aqui frondosa,
hoje morrendo
vai como eu.
Oh como é triste
tudo o que é meu;
20
falta-me tudo
sem meu Dirceu!
Tristes florzinhas,
nem as resguardo
do sol ardente;
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nem mais as rego
na tarde quente;
vão fenecendo
também como eu.
Oh como é triste
30
tudo o que é meu;
falta-me tudo
sem meu Dirceu!
Aqui voavam
mil borboletas
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de várias cores,
que eram dos ares
quais soltas flores;
se retiraram
tristes como eu.
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Oh como é triste
tudo o que é meu;
falta-me tudo
sem meu Dirceu!
Com as turvas águas
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deste ribeiro,
ontem tão puro,
o amargo pranto
triste misturo,
se hoje está turvo
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é como eu.
Oh como é triste
tudo o que é meu;
falta-me tudo
sem meu Dirceu!
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Aqui me assento
sobre este banco
de seca relva,
e um ai soltando,
da longe selva
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responde a rola,
triste como eu.
Oh como é triste
tudo o que é meu;
falta-me tudo
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sem meu Dirceu!
Dirceu querido,
se tu voltasses
a este saudoso
sítio, onde vive
70
teu bem choroso,
reviveria
tudo como eu.
Seria alegre
tudo o que é meu;
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nada me falta
com o meu Dirceu.
Campos, que tão alegre já me vistes,
quando os dias felizes me corriam;
campos, campos tão tristes,
ah deixai que aqui gema
quem tem no peito sua dor tão extrema!
5
Eco, que em tempo para mim ditoso
repetiste meus cantos de alegria;
eco, eco saudoso,
repete os meus lamentos,
nascidos de tiranos sofrimentos.
10
Fonte, que aqui me viste tão ditosa,
e meu alegre rosto retrataste,
fonte, fonte chorosa,
recebe este meu pranto;
que por amargo não te cause espanto.
15
Aves, que ouvi aqui de amor cantando,
no mês em que fazeis os vossos ninhos,
aves, aves, voando,
soltai o vosso canto,
que o mal me abrande com seu doce encanto.
20
Flores, que amei e que prezei constante,
e em grinaldas por vezes me enfeitastes,
flores, flores, o amante
se meigo vos colhia,
de beijos como este, vos cobria.
25
Brisa, que vês a minha infausta pena,
quando dantes me vias tão risonha;
brisa, brisa serena,
ah toma este suspiro,
e leva-o ao meu amante em seu retiro.
30
Campos, eco, fonte, água, flores, brisa,
não divulgueis a causa do tormento
que assaz me penaliza;
só saibam minhas dores
campos, eco, fonte, aves, brisa, flores.
35
Dirceu querido,
o triste peito
de dor ferido!
Ah que nem posso
5
sequer gemer,
entregue à mágoa
eu vou morrer!
Eu vi, eu própria
tua morada
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de povo e tropa
toda cercada,
A te intimarem
negra prisão;
qual não foi minha
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perturbação?
Quando passaste
eu pranteava,
toda sentida;
eu delirava,
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sem poder ver-te,
fora de mim;
ah foi-me ao menos
melhor assim!
Em vil masmorra
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hoje lançado,
da liberdade
triste privado,
a vil calúnia
a tanto ousou;
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nossos amores
envenenou.
Mal haja o ímpio,
que assim traiu-te,
e em duros ferros
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sorrindo viu-te;
aos seus remorsos
se entregará,
e abandonado
fenecerá.
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Porém embora
se ire a sorte;
teu grande peito
sereno e forte
da vil calúnia
45
triunfará;
reta justiça
te salvará.
Segue, sim, segue
o teu destino,
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que mui constante,
leal e fino
será na ausência
o meu amor,
que juro amar-te
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seja onde for.