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Poesias completas

Laurindo José da Silva Rabelo

Poesias líricas

O que são meus versos

Se é vate quem acesa a fantasia

tem de divina luz na chama eterna;

se é vate quem do mundo o movimento

c'o movimento das canções governa;

se é vate quem tem n'alma sempre abertas
5

doces, límpidas fontes de ternura,

veladas por amor, onde se miram

as faces da querida formosura;

se é vate quem dos povos, quando fala,

as paixões vivifica, excita o pasmo,
10

e da glória recebe sobre a arena

as palmas, que lhe of'rece o entusiasmo;

eu triste, cujo fraco pensamento

do desgosto gelou fatal quebranto;

que, de tanto gemer desfalecido,
15

nem sequer movo os ecos com meu canto;

eu triste, que só tenho abertas n'alma

envenenadas fontes d'agonia,

malditas por amor, a quem nem sombra

de amiga formosura o céu confia;
20

eu triste, que, dos homens desprezado,

só entregue a meu mal, quase em delírio,

ator no palco estreito da desgraça,

só espero a coroa do martírio;

vate não sou, mortais; bem o conheço;
25

meus versos, pela dor só inspirados,-

nem são versos -menti- são ais sentidos,

às vezes, sem querer, d'alma exalados;

são fel, que o coração verte em golfadas

por contínuas angústias comprimido;
30

são pedaços das nuvens, que m'encobrem

do horizonte da vida o sol querido;

são anéis da cadeia, qu'arrojou-me

aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda;

são gotas do veneno corrosivo,
35

que em pranto pelos olhos me transuda.

Seca de fé, minha alma os lança ao mundo,

do caminho que levam descuidada,

qual, ludíbrio do vento, as secas folhas

solta a esmo no ar planta mirrada.
40


O meu segredo

I

O lume de sinistro fogo estranho

    que em meu olhar se acende;

A nuvem que de mágoas carregada

   no rosto se me estende;

    esta agonia acerba que repassa
5

    os sons da minha lira;

este céptico altivo horror ao mundo

   que em tudo meu respira;

estas rugas, que trago sobre as faces,

    os modos distraídos,
10

a constante desordem do semblante,

   dos gestos, dos vestidos;

revela tudo um segredo,

que o mundo não sabe ler;

segredo, que só com pranto
15

é que se pode escrever;

segredo, que em meu futuro

Negro anátema cuspiu;

segredo, que seduziu-me;

segredo que me traiu.
20

Letras escritas com pranto

sei que apagadas serão!

sei que um segredo de mágoas

nunca merece atenção!

Mas não importa; hoje quero
25

o meu segredo escrever;

que guardado por mais tempo

talvez me faça morrer.

II

Mandado do inferno

por ímpio destino,
30

um gênio mali'no

no berço me viu-

e após um instante

haver-me encarado

com gesto irritado,
35

o Gênio -o meu fado

traçando -sorriu.

Sorriu-se... e mudados

no mesmo momento

que o Gênio cruento,
40

cruento me viu,

em negra tristeza,

meus gostos findaram;

meus lábios murcharam;

meus ais começaram;
45

meu pranto caiu.

No peito inda verde

secou-se a ventura

daquela fé pura

que a infância nos dá;
50

no espelho onde via

em êxtase santo

os risos, o encanto,

de um mundo, que há tanto

não sei onde está.
55

Em dita tão pura

minh'alma exultava,

e quanto alcançava

sabia explicar;

que, além de dar crença
60

a tudo que ouvia,

por certa magia,

as cousas que via,

sentia falar.

Se às vezes tentava
65

brincar com as flores,

revendo os lavores

de um vasto jardim,

a brisa me dava,

no trânsito leve,
70

um cântico breve,

escrito na neve

de um casto jasmim.

Fugaz borboleta

nas asas de ouro
75

imenso tesouro

deixava-me ver;

e, qual um avaro,

sedento, inquieto,

com ardido afeto
80

atrás do inseto

me punha a correr.

Qual boca de ninfa

há pouco desperta,

se rosa entreaberta
85

prendia louçã,

segredos da infância

a flor me contava,

q'eu só escutava,

e, rindo, exclamava:-
90

tu és minha irmã!...

À vista do oceano,

imenso, ruidoso,

que quadro assombroso

fez meu ideal!...
95

Em êxtase, longo

vi nele espantado,

rugindo deitado,

um monstro azulado

d'enorme cristal.
100

Em crua e constante,

horríssona guerra,

in'migo da terra,

pintou-se-me o mar-

que fero co'as ondas
105

na praia batia,

e aflito bramia,

porque não podia

a praia arredar.

Na concha celeste
110

se os olhos fitava,

lá novos achava

encantos também;

nos astros eu via

de anjinhos um bando,
115

que, o corpo ocultando,

me estavam olhando

de um mundo de além.

Eu via na lua

a casa encantada,
120

de luz prateada

fugindo no ar;

asilo somente

da fada querida,

que vinha escondida
125

a gente nascida

de noite embalar.

O sol eu amava

da tarde na hora;

amava-o d'aurora
130

no fresco arrebol.

E quando a tais horas

no mar se escondia,

p'ra ele me ria,

julgando que via
135

adeuses do sol.

III

Mas esse tempo de encantos,

que nunca julguei ter fim,

não é hoje para mim

mais que morta e seca flor!...
140

Do gênio mau completou-se

a primeira profecia:

Era o que o Gênio dizia

no seu riso mofador.

A natureza calou-se
145

desde que o Gênio me viu;

minha alma inteira sentiu

repentina mutação,

dei por mim em terra estranha;

tive novos pensamentos;
150

tive novos sentimentos;

criei novo coração.

Visão do Céu... não -da terra;

não podia ser do Céu;

que Deus no domínio seu
155

falsos arcanjos não quer;

visão, que da natureza

toda a graça revestia,

por desdita vi um dia

num semblante de mulher.
160

Tinha a visão tal encanto,

que, ao vê-la, absorto fiquei;

tanto, que não escutei

o profundo soluçar

da inocência, que, sentindo
165

da paixão a ardente calma,

abraçada com minh'alma

se despedia a chorar.

Vida de louco passei;

mas achei nessa loucura
170

tanto bem -tanta ventura,

quais nunca a razão me deu;

que, se a razão da verdade

tem os claros resplendores,-

amor o reino das flores
175

tem todo inteiro por seu.

E a esta senda estrepada,

que à morte os seres conduz,

o que lhe importa uma luz,

se a não tapiza uma flor?
180

E se amor, além de flores,

também possui um clarão,

antes amor sem razão,

do que razão sem amor.

Mas foi-se o tempo de risos
185

da minha feliz loucura!...

Libei o fel da amargura

no mel de um beijo traidor!...

Do Gênio mau completou-se

a segunda profecia:
190

Era o que o Gênio dizia

no seu riso mofador.

Dessa profunda chaga resta ainda

dorida cicatriz: a mão do tempo

talvez cure-a por fim; mas não tão cedo,
195

que inda verte de si pútrido sangue,

se a magoam cruéis reminiscências

de quadra tão feliz.

IV

    Outro fantasma, a glória,

da passada visão invade o posto.
200

Pelos mares risonhos da esperança

ao batel do desejo abrindo as velas

    minh'alma foi buscá-lo.

De pintor bem falaz condão tem ele

muito para temer; do entusiasmo
205

nas lavas do vulcão acende o facho,

que os desenhos lhe aclara: esposa amante,

dá-lhe, a imaginação, seus cofres todos,

donde tira estampas que copia

nas telas do futuro. De seus quadros
210

na beleza enlevada a viajante

navega sem sentir.

    Eis ponto negro

   no azulado horizonte surge, e estende

asas de tempestade! Às vistas magas
215

reposteiro de ferro mão ignota

rápido corre, e presto em lastro imenso

de aguçados cachopos se convertem

as aniladas ondas. Rola o lenho

por sobre o pedregal, e mastro e leme,
220

enrolados na vela espedaçada,

o sopro de um tufão some nos ares!

Rompendo a cerração espectro em osso

de repente aparece, sacudindo

na destra uma mortalha: envolto nela
225

desceu meu pai à campa!...

Musa, basta...

Pare-se um pouco aqui; nas tuas asas,

que não neste papel, corra meu pranto...

Apara-o, anjo meu; depois os mares
230

transpõe... o lar dos mortos não te assusta-

não é assim? Pois bem, irmã querida,

na terra -nossa mãe- suspende os vôos;

busca a sombria região dos túmulos,

e lá, depois de um beijo dar na campa
235

de nosso amado pai, depõe sobre ela

este pranto que verto.

Enfim bonança

ímpia resplandeceu sobre os destroços

que fez o vendaval. Único vivo,
240

em pé sobre um rochedo, contemplei-os

e ri-me... e neste riso agonizou-me

a última esperança... foi a síntese

de minha vida inteira; -estreita fresta

por onde, desmaiada e quase morta,
245

   minh'alma um raio morno

de prazer sepulcral mandava ao mundo.

E o Gênio, que viu meu berço,

dentre os cachopos surgiu,

e olhando os estragos riu,
250

contente de minha dor.

Do Gênio estava completa

toda inteira a profecia:

era o que o Gênio dizia

no seu riso mofador.
255

V

E desde então existo, mas não vivo;

   só tenho sentimento

nesse elo fatal por onde a vida

   se prende ao sofrimento.

Vi na infância relâmpago afogado
260

   em negra escuridão;

de amor nas breves ditas vil mentira,

   na glória uma ilusão.

Eis porquê, dos prazeres desquitado,

   o rosto em pranto inundo;
265

tudo odeio, e pareço desposado

    com seres doutro mundo.

E na verdade o estou: pena minh'alma

   nas sombras da amargura...

Homens! fugi de mim; não vos pertenço-
270

   sou outra criatura.


O gênio e a morte

I

    Sobre as asas de fogo

da águia ardente que no espaço voa,

saudado pelo cântico das aves,

   de flores perfumado,

entre nuvens de púrpura -risonho
5

    nos céus assoma o dia.

o exército dos astros afugentam

   seus coruscantes raios;

e passeia garboso pelo espaço,

como triunfador pela campina,
10

donde expulsara as hostes inimigas.

Lá no meio da arena do triunfo,

como um olho de Deus devassa o mundo:

as plantas que a manhã de vida enchera,

com seu intenso ardor, bárbaro cresta-
15

qual jovem indiscreto, em loucos dias

   de vulcânica idade,

no coração desseca, mata, extingue

sentimentos que a infância alimentara...

    Da glória ao grau supremo
20

subiste, ó rei; humilha-te -vassalo

também és do Senhor -descer te cumpre.

Ei-lo que abdicou -já vai tardio

pela estrada do ocaso, e já tristonha

lhe escorre pelo rosto a luz enferma!
25

Sobre leito de chumbo se reclina,-

    e, no momento extremo,

   seus olhos chamejantes

extremo olhar saudoso à terra volvem.

Último arranco!... Cai desfalecido
30

   nos braços do crepúsculo.

morreu o dia; -e a noite piedosa

em seu manto de dó lhe envolve o túmulo.

II

    Que é feito, ó Primavera,

das frescas odoríferas grinaldas
35

   que a fronte te adornavam?

Murchas caíram; jazem esmagadas

aos pés de gelo do caduco inverno!

    Os pomos sazonados,

que pendiam das árvores frondosas,
40

orgulho e pompa dos alegres prados,

ei-los dispersos pelo chão molhado

do pranto que em tristeza o céu derrama,

ao ver-lhe a fronte merencória e pálida,

debruçada do cume das montanhas,
45

com lágrimas saudar do sol os raios,

qual mísero vivente, a quem torturam

   as galas da alegria.

Beijada pelos zéfiros -c'roada

de viçosas capelas, -pelos bosques,
50

jardins, e prados, e alcantis dos montes,

eu a vi passear; -vi toda a terra

de flores se cobrir, trajar verduras,

   ao toque de seus passos;

Vi... mas mudou-se da estação ridente
55

o quadro encantador; -e já bramidos

dos desatados temporais proclamam-

    que é morta a Primavera.

III

Morrem as estações, morrem os tempos!

Morrem os dias, como as noites morrem:
60

Também acaba o homem-

e o Anjo do extermínio, desdenhoso,

encara estultas pompas, que distinguem

o servo do senhor, o rei dos povos;

e fazendo correr-lhes pelas frontes
65

a rasoura da morte, traça o nível.

Que cabe aos homens todos.

tudo no mundo expira:

Só sobranceiro à lousa o Gênio altivo

nos vôos acompanha a eternidade!
70

Soberbo em seu poder persegue a morte,

e consegue vencê-la,

mil vítimas lhe arranca,

e da imortalidade nos altares

as mostra coroadas.
75

Em vão do manto esquálido

a bárbara sacode o voraz verme

no cadáver do sábio;

lá desce o Gênio intrépido,

em vão as frias cinzas lhe arremessa
80

nos abismos do olvido;

e, ao lume da lanterna da memória,

ajunta as cinzas, sopra o fogo santo

da santa poesia,

o sábio ressuscita e pasma o mundo!
85

IV

    Beleza, doce engano,

mimo, que o tempo deu, que o tempo acaba;

encantadora nuvem, mas efêmera,

que da cor do pudor n'os céus vagueia,

qual suspiro de amor que aos céus se eleva;
90

beijada pelo sol, tímida aurora,

também fenecerás! Trevas do túmulo

    aos lumes da existência

   sucederão funéreas;

serão consócios teus mudo silêncio,
95

sombras, escuridão, vermes, e terra.

Lestes, belas? Tremeis? Magos encantos

baceia a mão do tempo, arrasa a campa:

Porém do Gênio à voz -curva-se o tempo:

Quebra o sepulcro a laje aos pés do Gênio.
100

Não!... de todo não morre uma beleza

   de um Gênio idolatrada;

que a luz brilhante, que lhe anima os carmes

o luzento fanal, que o ilumina

   nas borrascas da vida,
105

    jamais, jamais se apaga.

V

    Cidades destruídas,

    impérios derrocados,

    oh! quantas, quantas vezes

o Gênio, qual brandão, vos esclarece
110

   as pálidas ruínas,

lê nelas vossa glória, e vos confia

    as trombetas da fama!...

    Se foge a tempestade,

    se as estações revivem,
115

se as noites reproduzem novos dias,

e os dias novas noites,

servos obedecendo à voz do Eterno,

mensageiro do Eterno o Gênio exerce

igual poder na terra!... A Natureza,
120

    no meio das procelas,

se a voz lhe escuta, abandonando as fúrias,

dissipando de um sopro atroz horrores,

surge risonha, como à voz divina,

saiu do caos informe, -encantadora,
125

toda nua, trazendo por adornos

nos seios o Verão, nas mãos o Outono:

Nos cabelos prendendo a Primavera,

por chapim de cristal calçando o Inverno.

    Do Gênio ouvindo o canto,
130

   remoçam-se as idades,

os mortos dos sepulcros se levantam,

   e vivem nova vida

   dos homens na memória.

VI

   Ó Anjo das ruínas,
135

voa ao teu reino, que é tarefa inútil

extinguir o que é belo no universo,

   enquanto o lume santo

   d'inspiração celeste

mentes iluminar predestinadas.
140

    Aos sons miraculosos

d'harpa do Gênio ressurgindo ovantes

   o saber, a virtude,

meigos encantos de gentil beleza,

hão de zombar de ti -quebrar-te o sólio,
145

    calcar-te aos pés a fronte.

VII

Como o gemer de vaga, que se quebra

    no sopé do rochedo;

como ribombo de trovão, que rola

   pelos longes do espaço,
150

ou eco de clarim perdido em ermos,

do Gênio a voz ecoa no infinito,

   e, por ela acordada,

    o semblante solene

ergue para saudá-lo a Eternidade,
155

lá soa o bronze, solfejando a nota

da alpercata da morte sobre as campas.

    O sol está no ocaso!!!

    O Gênio ansioso espera

o sinal de seu vôo ao Ser Supremo.
160

vede-lhe o pensamento: -é uma lira,

donde os dedos da Fé extraem destros

   melífluos sons divinos-

são os salmos do gênio agonizante:

e a última das notas é sua alma,
165

que se perde no céu! -De lá, ó morte,

    sorrindo a teu poder te desafia

pelo raio divino armada a destra,

   dos céus abroquelado;

   enquanto cá na terra,
170

sarcasmo a teu poder, seu nome troa,

como um brado de glória, enchendo o mundo


No álbum duma senhora

Meu nome aqui deixara solitário

    escrito nessa cor;

com que desde nascido as faixas d'alma

   tingiu-me o dissabor;

meu nome aqui deixara solitário
5

    em traço negro incerto,

qual friso do buril da desventura

   em claro plano aberto;

a não temer que alguém, que não soubesse

    o que este nome diz,
10

ao vê-lo neste livro me insultasse

   chamando-me feliz.

Saiba, pois, quem o ler, que de uma Virgem

   no livro afortunado

seu nome escuro, como seu destino,
15

   escreve um desgraçado!

Sobre ele verta a Virgem uma lágrima

   do seu pranto celeste,

que talvez se desbotem os negrumes

   do luto que o reveste.
20

Sim, ó Virgem, do pranto de teus olhos,

   concede, sim, concede

uma lágrima triste ao pobre nome

   que lágrimas só pede!

De teus olhos quisera uma centelha
25

   um peito do vulcão;

ao contrário, porém, só pede pranto

   um morto coração!

O sol ilumina, a gala ofende

   ao solo mortuário:
30

só sobressaem os cristais do pranto

   dos mortos no sudário.

Eia, pois, cair deixa neste nome

   o teu pranto celeste;

que talvez se desbotem os negrumes
35

   do luto que o reveste.


Estragos de amor

1
Miseráveis insensatos,

escravos da formosura,

curvados a seu aceno,

buscais vida no veneno

que vos leva à sepultura!

2
Nos seus braços reclinados,

beijando em ternos carinhos

divinas faces mimosas,

libais o néctar das rosas

sem reparar nos espinhos!

3
«Oh! loucos, vede a verdade,

conhecei essa ilusão,

por que viveis seduzidos?»

Embalde contra os sentidos

aflita brada a razão!...

4
Nada alcança: tudo cede

ao amoroso desmaio:-

lumiando o par gentil,

brilha amor como um fuzil,

mas ao fuzil segue o raio.

5
Lá do monte da esperança

cresta o fogo as verdes fraldas;

e de quanto possuía

só conserva a fantasia

secas, dispersas grinaldas.

6
Suspeitas, tiranias serpes,

nos peitos cravando os dentes,

com seu sangue se alimentam;

das chagas chamas rebentam,

das chamas novas serpentes.

7
Em furor e desespero

começa o triste a chorar,

vendo a estrada que seguiu;

morde o laço em que caiu,

mas não pode-o desatar!...

8
A razão, para vingar-se,

mais aumenta o seu flagício,

com semblante inexorável,

muda, surda, imperturbável,

assistindo ao sacrifício.

9
Tudo é dor, tudo agonia,

e queixumes contra o fado;

suspiros e pranto ardente,

desespero no presente,

saudades pelo passado!...

10
Té que vai desabrochando,

pelo pranto d'aflição

regada continuamente,

do desengano a semente

nas cinzas do coração.

11
Ergue a planta a fronte altiva,

mas de tristonha aparência;

folhas, tronco, é toda luto;

tem mirrado raro fruto;

esse fruto -é a experiência.-

12
Das ruínas levantado,

vê-se o espírito surgir;

vem com passo fatigado,

como guerreiro cansado,

à sua sombra dormir.

13
Presto acorda, e então, cedendo

da fome aos cruéis assomos,

alguns ramos segurando,

vai colhendo, e vai tragando

os amargos negros pomos.

14
Comeu, ergueu-se, é já outro!

foi-se do rosto a meiguice!

do tronco um ramo quebrado

serve ao triste de cajado-

eis a imagem da velhice.

15
Está tudo terminado!

está completa a sentença!

Aos fogos sucedem gelos,

que anunciam nos cabelos

a idade da indiferença!

16
Lá vai o velho mesquinho,

lá vai desacompanhado,

o caminho da existência,

nutrido pela exp'riência,

ao desengano arrimado.

17
Só seus pés tocam a terra,

os olhos do céu na luz,

entregue a culto profundo,

lá vai, fugindo do mundo,

cair nos braços da Cruz.

18
Lá expira... mas dizei-lhe-

amor! Vereis num transporte

como seus olhos cintilam,

como a um tempo se aniquilam

todas as forças da morte!!...

19
É que amor inexorável

nos seus planos iracundos,

se os mortais torna cativos,

nem minora o mal dos vivos,

nem respeita os moribundos.

20
Restaura as forças da vida,

não nos consente morrer;

porque lá nas sepulturas

seus tormentos e torturas

não se pode padecer.

21
Envenenados farpões

nos manda em suspiros ternos;

cinge aos olhos mago véu,

e pelos jardins do céu

nos encaminha ao inferno.

22
Fugi, humanos!... fugi

de seu veneno traidor!

sem culto, desamparados,

sumam-se, ao tempo votados,

altares, templos de Amor...


A minha resolução

O que fazes, ó minh'alma!

coração, por que te agitas?

Coração, por que palpitas?

Por que palpitas em vão?

Se aquele que tanto adoras
5

te despreza, como ingrato,

coração, sê mais sensato,

busca outro coração!

Corre o ribeiro suave

pela terra brandamente,
10

se o plano condescendente

dele se deixa regar;

mas, se encontra algum tropeço

que o leve curso lhe prive,

busca logo outro declive,
15

Vai correr noutro lugar.

Segue o exemplo das águas,

coração, por que te agitas?

Coração, por que palpitas?

Por que palpitas em vão?
20

Se aquele que tanto adoras

te despreza, como ingrato,

coração, sê mais sensato,

busca outro coração!

Nasce a planta, a planta cresce,
25

vai contente vegetando,

só por onde vai achando

terra própria a seu viver;

mas, se acaso a terra estéril

às raízes lhe é veneno,
30

ela vai noutro terreno

as raízes esconder.

Segue o exemplo da planta,

coração, por que te agitas?

Coração, por que palpitas?
35

Por que palpitas em vão?

Se aquele que tanto adoras

te despreza, como ingrato,

coração, sê mais sensato,

busca outro coração!
40

Saiba a ingrata que punir

também sei tamanho agravo:

se me trata como escravo,

mostrarei que sou senhor;

como as águas, como a planta,
45

fugirei dessa homicida;

quero dar a um'alma fida

minha vida e meu amor.


A linguagem dos tristes

Se houver um ente, que sorvido tenha

gota a gota o veneno da amargura;

que nem nos horizontes da esperança

veja raiar-lhe um dia de ventura;

se houver um ente, que, dos homens certo,
5

neles espere certa a falsidade;

que veja um laço vil num rir de amores,

uma traição nos mimos da amizade;

se houver um ente, que, votado às dores,

todo com a tristeza desposado,
10

de cruéis desenganos só nutrido,

somente males a esperar do fado;

que venha, acompanhar-me na agonia,

qu'esta minh'alma, sem cessar, traspassa!

Venha, qu'há muito luto, a ver se encontro
15

quem sinta, como eu, tanta desgraça

Venha, sim, que talvez por nosso trato

uma nova linguagem seja urdida,

em que possam falar-se os desgraçados,

que do mundo não seja traduzida.
20

Por lei inexorável do destino,

quem gemer à desgraça condenado,

inda lidando no lidar do mundo,

há de viver do mundo desterrado.

E em que desterro! Os outros só nos tiram
25

os olhos do lugar do nascimento;

a desgraça, porém, do mundo inteiro

desterra o coração e o pensamento.

Ao menos a linguagem deste exílio

mais suportável torne a vida crua;
30

tenha ao menos a terra da desgraça

uma linguagem propriamente sua.

E quem tê-la melhor? Por mais que fale

o sedutor prazer em frase ardente,

por mais que se perfume e se floreie,
35

nunca é, como a dor, tão eloqüente.

Nos fenômenos d'alma o corpo sempre

do seu modo de obrar diversifica:

Pelas quebras da orgânica fraqueza

a força esp'ritual se multiplica.
40

Quando, livre, o esp'rito aos céus remonta,

da Eternidade demandando o norte,

toda força primeva recobrando-

tomba a matéria, e cai nas mãos da morte!

Quando o gás do prazer dilata o seio,
45

a força do sentir dormente acalma;

quando a pressa da dor o seio aperta,

a força do sentir se expande n'alma.

Assim novas palavras, novas frases,

nova linguagem, pede o sofrimento;
50

porque dobra o sentir, e duplas asas

p'ra vôos duplos colhe o pensamento:

Não, não pode em seus termos quase inertes,

esse falar comum de cada dia,

deste duplo sentir, d'idéias duplas,
55

exprimir fielmente a valentia.

Enganai-vos, ditosos! Vossas falas,

anos que falem, nunca dizem tanto,

quanto num só momento dizer pode

um suspiro, um soluço, um ai, um pranto.
60

Eia, pois, tristes! eia!... desde agora

uma nova linguagem seja urdida,

em que possam falar-se os desgraçados,

que do mundo não seja traduzida.

Veja o mundo, de gozos egoísta,
65

qu'os tristes nada têm de suas lavras:

que, orgulhosos na pátria da desdita,

nem dos ditosos querem as palavras.


A José Pedreira França1

I

Um dia natalício em quantas faces

se pode desenhar!

que cenas de prazer e de pesares

nos pode retratar!

Anel d'oiro, ou de ferro, anel d'estala,
5

na cadeia da vida;

marco de légua pela morte ganha,

e para nós perdida.

Origem de uma fonte que começa

onde outra terminou;
10

berço de um tempo, mas também sepulcro

de um tempo que passou!

Porém por que razão sempre festivo

se mostra o rosto seu?-

Porque o ano que nasce esquecer deixa
15

o ano que morreu:

Porque enquanto na estrada da existência

a humanidade avança,

deixa sempre olvidar os desenganos

co'os olhos na esperança.
20

Mas o tempo, que corre desta sorte

p'ra todos os humanos,

oh! Pedreira feliz! -mudou de aspecto

no curso de teus anos.

O tempo, que se passa inertemente,
25

tem vida transitória;

mas o tempo contado por virtudes

tem sempre eterna glória.

Não serão pois cobertos os teus anos

do olvido pelo véu:
30

quando morram na mente dos ingratos,

com Deus serão no céu.

Não tens áureos brasões por hábil destra

com arte burilados;

não cinges toga ilustre, nem tens nome
35

no rol dos purpurados;

porém, sem as virtudes qu'em tu'alma

existem engastadas,

são títulos, brasões, fama, riquezas,

misérias enfeitadas.
40

São flores sem aroma, e cujo viço

efêmero não dura;

fosfóricos fanais, que a sorte acende,

e apaga a sepultura.

Que sempre encares com igual semblante
45

o Céu -e o Céu propício

não deixe a menor nuvem de desgosto

turvar teu natalício-

tais são os votos meus, nunca inspirados

por vil adulação;
50

quando minh'alma os escreveu, a pena

molhou no coração.

Tais são os votos meus na voz expressos,

de frouxa poesia,

que verte a lira pouco acostumada
55

aos hinos d'alegria;

filha de um estro fraco e perseguido

por fado sem piedade,

vagando peregrino em terra estranha

nos ermos da saudade.
60

II

Mas inda que a sorte

um estro me desse,

que aos astros pudesse

teu nome elevar;

enquanto vir triste
65

com dores pungentes

a pátria em correntes,

não posso cantar.

Não posso cantar;

enquanto vir bravos
70

rojar como escravos

infame grilhão:

Curvando a sicários

a fronte sublime!

Submissos, sem crime,
75

pedindo perdão!

Não posso cantar,

enquanto um malvado

poder infamado,

audaz, sem pudor,
80

com seu bafo infecta

Brasílio horizonte,

trazendo na fronte

-Prevaricador-;

Enquanto essa gente,
85

tão ímpia e tão vil,

meu caro Brasil

puder governar;

co'a pátria inundada

de luto e de pranto,
90

não posso ter canto,

não posso cantar.

Porém se algum dia

o fero domínio

do ímpio extermínio
95

tiver de morrer;

se o povo, esquecido

de loucos enganos,

um dia os tiranos

quiser abater;
100

se um dia, cansada

de tanta maldade,

soltar Liberdade

seus raios da mão,

e os ceptros pesados
105

dos reis fementidos,

por eles fundidos,

rolarem no chão:

E as nossas campinas

e prados virentes,
110

e os céus de contentes,

trajados de azul.

Ouvirem os hinos

da livre corte

da parte do Norte,
115

da parte do Sul;

e os grandes Andradas,

canecas, Machados

e mais nomeados

por alto valor,
120

de lá do Empíreo

tais cantos ouvindo,

saudarem, se rindo,

seu povo senhor;

então minha lira,
125

coberta de flores,

já livre, louvores

podendo entoar,

aos doces encantos

da quadra formosa
130

virá sonorosa

teus anos cantar.


Epicédio à morte do Dr. José de Assis Alves Branco Muniz2

I

Morreu, enfim, morreu! Aquele Gênio,

para quem pareceu pequeno o mundo,

por milagre da Morte limitou-se

a um pedaço de terra! Ali com ele

ricos tesouros de um futuro imenso,
5

de mil triunfos avultadas palmas,

de glória mil coroas, tudo encerra,

aquele estreito chão no seio estreito!

São um mistério as dimensões de um tum'lo!

Morreu! aquela mágica trombeta,
10

que, das leis em defesa trovejando,

fez tremer e tingiu da cor do medo

de protervos mandões soberbas frontes,

jaz por terra calada! Aquela boca,

que em turbilhões sonoros de eloqüência
15

raios vibrava, gélida mordaça

para sempre fechou! O caudal rio,

que no curso afanoso prometia

tanta fertilidade ao pátrio solo,

seca total sorveu! Por que, ó Pátria,
20

não pôde o pranto teu de novo enchê-lo?

Por que não pôde férvido caindo

sobre a fatal mordaça derretê-la,

e de novo acordar da tuba as vozes?

As entranhas da morte são de pedra;
25

coração jamais teve a hidra ímpia;

carnes humanas come, bebe lágrimas;

só respira suspiros dolorosos

e ais agonizantes; comovê-la

não pode a tua dor aflita, Pátria!
30

Hás de vê-la dormindo aos ecos dela,

e o mostro rir-se de prazer cruento

ao ver o pranto teu banhar-lhe o sólio.

Mas não te desesperes, Mãe querida,

há nos cofres da dor certos segredos
35

que os míseros só sabem. São amigos,

amigos bem fiéis da mágoa os filhos.

Um gemido consola outro gemido,

uma lágrima outra. Desde o berço

para eterno chorar n'alma cavou-me
40

da desgraça o punhal fontes de pranto,

que de Assis pela morte transbordaram.

Pátria! seremos sócios na amargura!

baga com baga juntas, nossas lágrimas-

cristalina torrente de saudades-
45

unidas regarão do Herói a campa.

III

Fatal pressentimento deste golpe

três vezes tive; adivinhei três vezes

do sábio moço a prematura morte!

IV

Eu o vi inda imberbe num combate
50

desses em que são almas -combatentes,

e a intel'gência -espada: os sacros foros

da ciência da vida defendia,

dando vida à ciência. Extasiado,

qual uma ave rasteira, que contempla
55

condor gigante, que nos vôos roça

no semblante do sol soberbas asas,

bebi-lhe os rasgos da atrevida mente;

e concentrado em mim, disse comigo:-

    Não pode viver muito!
60

V

       Correm tempos:

Para o campo da imprensa denodado

se arroja o lidador. D'entusiasmo

aceso e de prazer, banhei minh'alma

na luz dos seus escritos. Cada linha
65

que deles lia atento me mostrava

uma estrada de glória ao novo Gênio!

Cada palavra sua era uma pegada

do progresso a correr, e cada sílaba

de patriotismo ardente uma centelha
70

que do saber ao sopro cintilava.

Vi-o, e pasmei de o ver, assim tão jovem;

e, concentrado em mim, disse comigo:-

      Não pode viver muito!

VI

       Na Tribuna,
75

prometendo um Demóstenes futuro,

jovem aparece; e vi o povo

imenso, pasmo, imóvel, todo ouvidos

a vê-lo combater, e Paladinos

formidáveis caindo aos golpes dele!
80

Vi sobr'ele lançando olhares torvos,

trêmulos d'ira, os Áulicos ralarem-se,

quando um sarcasmo seu rápido e fino,

voando num motejo improvisado

de leve sulco de um sorriso irônico
85

nos corações de orgulho intumescidos

lhes mastigava as fibras da vaidade.

Vi, e vi muitas vezes, confundidos

ante o moço orador os Mandatários

do despotismo, quando pretendiam
90

seus golpes rebater, presas as línguas,

disparatado o curso das idéias,

perderem-se de todo, e dar-lhe humildes

o vergonhoso culto do silêncio.

Vi-o, e pasmei de o ver, assim, tão jovem;
95

e, concentrado em mim, disse comigo:-

       Não pode viver muito!

VII

       Um quê bem certo

para tanto dizer razão me dava.

todo o sublime para o Céu deriva:
100

Era muito pequeno um crânio humano

para tal pensamento. De seus vôos

ao forte embate, as molas da matéria

estalam cedo, quando o gênio é grande.

VIII

A fatal profecia está completa!
105

o prisma, que três faces tão brilhantes

ao sol do novo mundo apresentava,

despedaçado está, ou refletindo

cores da eternidade à luz das campas!

IX

Morreu!... porém na hora derradeira
110

inda resplandeceu! O homem justo,

entre as vascas do eterno passamento,

em ânsias e fadigas se atribula,

mas no momento de deixar a terra,

para voar a Deus, forças recobra,
115

e como astro da fé no céu da morte,

qual em vida luziu, luzindo acaba.

E como a luz, que triste bruxuleia

prestes a se apagar, mas no lampejo

da convulsão final aviva o lume,
120

e com dobrado resplendor expira.

É como o sol no ocaso enlanguecido,

que desmaiado arqueja agonizante

do mar nas ondas apagando os raios,

mas que altivo e zeloso de seus foros,
125

p'ra morrer como sol, antes que morra

com duplicada luz alaga o mundo.

Assis assim morreu. Na ânsia extrema

da mortal agonia, toda inteira

su'alma concentrada num só ponto
130

para da carne disparar seu vôo,

luz celeste expandiu; ao clarão dela

o mundo apareceu-lhe como um doudo

enfeitado, brincando co'as alfaias;

sorriu-se, desprezou-o, e seu desprezo
135

todo se traduziu nessa sentença,

com que sábio fechou, morrendo sábio,

o livro d'ouro da existência sua.

X

O amor paternal, da esposa o pranto

também dos olhos pranto lhe arrancaram...
140

mas nunca tocar pôde o desespero,

de leve nem sequer, naquele peito

ungido em fé cristã. Da Providência

viu as mãos postas sobre as frontes de ambos-

e creu e resignou-se.
145

XI

       Esses fantasmas

tristes, negros, medonhos, vaporosos,

que na hora final o ímpio cercam,

sôfregos, como abutres esfaimados

farejando-lhe o leite, dele
150

nem ousaram fitar; visões celestes

nas madornas da morte o embalavam.

XII

Quebradas as cadeias que a prendiam,

livre, das penas sacudiu o barro,

e em leve adejo penetrou sua alma
155

as áureas portas da cidade eterna

entre aplausos risonha; e o seu arcanjo,

ao dar conta ao Senhor da missão alta

de a guardar sobre a terra, as níveas asas

mostrou tão limpas, quais do céu trouxera.
160

XIII

Chora, ó pátria, lamenta a infausta perda;

mas consola-te ao menos com lembrar-te

que teu filho desceu sem mancha ao túmulo.

Morreu!... mas grande foi. Da liberdade

filho amante nasceu; dela soldado,
165

morreu firme em seu posto. Da ciência

candidato fiel, morreu filósofo.

Era uma planta de primor nascida

em campo estéril, pedregoso e imundo;

mas tão cheia de vida, qu'inda nova
170

e em terreno tão mau, brotava aos centos

do tronco verde vigorosos ramos;

ramos cobertos de formosas flores,

e curvados de frutos. Encantado,

de a ver assim tão bela, o Rei Celeste,
175

antes que envenenada perecesse

no solo ingrato, transplantou-a em breve

para os pomares seus.

XIV

       Pátria, teu choro,

merecem, mais que o morto, os filhos vivos.
180

Ai! tristes dessas plantas que ficaram

no campo estéril, pedregoso e imundo!

Pela má região contaminados,

raça degenerada os dias contam

por ampulhetas grávidas de crimes.
185

começa a punição. Esse do Egito

anjo exterminador está conosco;

cada dia, um a um, nos vai ceifando

da liberdade os filhos primogênitos.

Assim a espada da justiça eterna
190

invisível nos fere, inopinada:

Assim os tetos da cidade ímpia,

do Senhor pela ira arremessado,

sem fuzil nem trovão, mudo, imprevisto,

o raio punidor fulmina e abate.
195


Sobre o túmulo do Marechal Labatut

I

Eis as cenas do mundo! A mesma liça

que o viu pela vitória laureado,

donde nos brados dos canhões acesos

da glória aos penetrais mandou seu nome,

veio (Grandes ouvi!) pedir, mendigo,
5

Uma esmola de terra!!

II

E quem o fez mendigo, sepultura

estrangeira buscar!? Não cerra França

aos mortos filhos seus braços maternos!

Mas não é outra a pátria do soldado
10

que o campo do triunfo, e esta terra

barateou seu sangue p'ra comprá-la.

III

Foi ele neste campo o mestre e o guia

de uma raça de heróis em cujas veias

fervia com o sangue o amor da Pátria!
15

Aqui, por sobre as frontes inimigas

passando como um raio

Que ao mesmo tempo espalha luz e morte,

      os servos fulminando,

sua espada de bravo a um bravo povo
20

       aqui viu esse povo

decidido no empenho de ganhá-la,

como um leão bramindo engolir chamas,

e vomitar na fronte do tirano

que tentava enfreá-lo!
25

Aqui o viu c'roado

de cívicas verbenas

com as cadeias fundidas.

No fogo do combate

o crânio esmigalhar do despotismo:
30

e a horda escrava que servia o monstro

fugitiva a correr, lançar-se às ondas,

ou cair tropeçando nas espadas.

Sentado em sua tenda de guerreiro

aqui nos braços recebeu do amigo
35

Os parabéns alegres,

que rindo repartiu com seus soldados,

e descansou, dormindo aos sons festivos

dos hinos marciais, que aos Céus levavam

entre vivas seu nome. Aqui... Não, cinzas,
40

aqui, perante os netos generosos

que gratos hoje vêm dar-vos seus cultos,

da traição dos avós não falaremos.

Do cristão sobre a campa a caridade

com letras imortais perdão escreve:-
45

Perdão para os ingratos!!!

IV

       Neste campo,

em que se lhe marcou n'um ponto misto

seu ocaso e nascente, resumiu-se

a sua vida inteira. Mais que a França
50

foste-lhe Pirajá: a França apenas

deu-lhe a luz da existência, e tu lhe deste

a imortalidade!

V

       E sempre grato

te foi o teu herói. Nas densas trevas
55

da imensa eternidade, porta incerta

da morte tateando, não perdia

de vista o Pirajá. «Amados campos

do meu melhor passado», soluçando

com voz fraca exclamou, «solo onde as palmas
60

colhi, que tão sedento cobiçava

nos meus sonhos de glória, lá deixei-vos

a minha alma plantada! Ah! quem me dera,

quando ele se partir, que mão amiga

lá plante o meu cadáver!»
65

Felizmente esta prece foi gravada

num coração de ouro. Quem é ele?

Quereis dizer seu nome? -nomeai-o,

mil tít'los lhe juntai: quanto ao poeta

basta chamá-lo -amigo.
70

VI

       Satisfez-se

a vontade final do moribundo.

dormir veio o soldado o sono eterno

   à sombra de seus louros.

VII

Eis aqui Labatut. Aguiar, Siqueira,
75

Jacome, abraçai vosso irmão d'armas!

Eis vosso General!! Mortos soldados,

que sem campas errais, das andrajosas

fardas que vos serviram de mortalha

a terra sacudi! vinde prostrar-vos
80

aqui em continência ante seus manes,

veteranos da nossa independência!

Braços cortados do possante corpo

que o trono levantou da liberdade,

vinde, vinde verter sobre esta pedra
85

uma lágrima, vinde! Enfeita o pranto

um semblante tostado nos combates,

quando é vertido assim.

       Povo, se és grato,

só te não satisfaças com trazê-lo,
90

dentro em teu coração leva este túmulo.


Adeus ao mundo

I

Já do batel da vida

sinto tomar-me o leme a mão da morte:

   E perto avisto o porto

imenso nebuloso, e sempre noite,

    chamado -Eternidade!
5

Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas

   não tem de mais a aurora!!

Como requinta o brilho a luz dos astros!

como são recendentes os aromas

que se exalam das flores! Que harmonia
10

não se desfruta no cantar das aves,

no embater do mar, e das cascatas,

no sussurrar dos límpidos ribeiros,

na natureza inteira, quando os olhos

do moribundo, quase extintos, bebem
15

   seus últimos encantos!

II

Quando eu guardava, ao menos na esperança,

para o dia seguinte o sol de um dia,

de uma noite o luar para outras noites;

quando durar contava mais que um prado,
20

mais que o mar, que a cascata erguer meu canto,

e murmurá-lo num jardim de amores;

quando julgava a natureza minha,

desdenhava os seus dons: ei-la vingada:

Cedo de vermes rojarei ludíbrio,
25

e vida alardearão fracos arbustos

sobre meu lar de morto! A noite, o dia,

o inverno, o verão, a primavera,

a aurora, a tarde, as nuvens, e as estrelas,

a rir-se passarão sobre meus ossos!
30

Não importa: não é perder o mundo

o que me azeda os pálidos instantes

que conto por gemidos. Meu tormento,

minha dor, é morrer longe da pátria,

da mãe, e dos irmãos que tanto adoro.
35

III

Quando da pátria me ausentei, não tinha

nada, que lhes deixar, que lhes dissesse

o que eram eles dentro de minh'alma.

mendigo, a quem cedi pequena esmola,

deu-me quatro sementes de saudades;
40

ao meu jardim doméstico levei-as,

cavei, reguei a terra com meu pranto,

e plantei as saudades. Soluçando

chamei ali os meus: «Aqui vos deixo

(disse apontando à plantação) em flores
45

minh'alma toda inteira; aqui vos deixo

um tesouro enterrado. Jóias, oiro,

riquezas, não, não tem, porém na terra

estéril não será.» Ondas de pranto

afogaram-me a voz: houve silêncio;
50

palpei de novo o chão; vi que de novo

cavado estava! A terra se afundara,

e as sementes nadavam sobre lágrimas,

que minha mãe e minha irmã choravam...

Replantei-as, orei, beijei a terra,
55

e parti... Trouxe d'alma só metade;

e o coração?... deixei-o num abraço.

IV

Certo estou de que a planta, já crescida,

terá brotado flor. Se ao menos dado

me fosse colher uma... ver a terra
60

pelo pranto dos meus santificada!

Se uma dessas saudades enfeitar-me

viesse a minha essa, ou meu sudário,

ou, pela mão materna transplantada,

encravar-me as raízes no sepulcro...
65

É tão pouco, meu Deus!!... Eu não vos peço

soberbo mausoléu, estátua augusta

de túmulo de rei. Assaz desprezo

   esses gigantes de oiro

com entranhas de pó. Mortalha escassa
70

de grosseiro burel, que bordem lágrimas;

terra só quanto baste p'ra um cadáver,

e as minhas saudades, e entre elas

uma cruz com os braços bem abertos,

que peça a todos preces. Terra, terra
75

perto dos meus e no terrão da pátria,

é só quanto suplico.

V

       A morte é dura,

porém longe da pátria é dupla a morte.

Desgraçado do mísero, que expira
80

longe dos seus, que molha a língua, seca

pelo fogo da febre, em caldo estranho;

que vigílias de amor não tem consigo,

nem palavras amigas que lhe adocem

o tédio dos remédios, nem um seio,
85

um seio palpitante de cuidados

onde descanse a lânguida cabeça!

Feliz, feliz aquele, a quem não cercam

nesse momento acerbo indiferentes

olhos sem pranto; que na mão gelada
90

sente a macia destra d'amizade

num aperto de dor prender-lhe a vida!

Feliz o que no arfar da ânsia extrema

de desvelada irmã piedoso lenço,

úmido de saudades vem limpar-lhe
95

as frias bagas dos finais suores!

Feliz o que repete a extrema prece,

ensinada por ela, e beijar pode

o lenho do Senhor nas mãos maternas!

Desgraçado de mim!... Talvez bem cedo
100

longe de mãe, de irmãos, longe da pátria

tenha de me finar... Ramo perdido

do tronco que o gerou, e arremessado

por mão de Gênio mau à plaga alheia,

mirrarei esquecido! Os céus o querem,
105

os Céus são imutáveis: aos decretos

do Senhor curvarei a fronte humilde,

como cristão que sou. Eternidade,

recebe-me a teu bordo!... Adeus, ó mundo!

VI

Já sinto da geada dos sepulcros
110

o pavoroso frio anregelar-me...

A campa vejo aberta, e lá do fundo

um esqueleto em pé vejo a acenar-me...

Entremos. Deve haver nestes lugares

mudança grave na mundana sorte;
115

quem sempre a morte achou no lar da vida

deve a vida encontrar no lar da morte.

Vamos. Adeus, ó mãe, irmãos, e amigos!

Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...

Adeus, que vou viagem de finados...
120

Adeus... adeus... adeus!

Adeus, ó sol que, amigo iluminaste

meu pobre berço com os raios teus...

Ilumina-me agora a sepultura:-

Adeus, meu sol, adeus!
125

Florezinhas, que quando era menino

tanto servistes aos brinquedos meus,

vegetai, vegetai-me sobre a campa:-

Adeus, flores, adeus!

Vós, cujo canto tanto me encantava,
130

da madrugada alígeros orfeus,

uma nênia cantai-me ao pôr da tarde:

Passarinhos, adeus!

Vamos. Adeus ó mãe, irmãos, e amigos!

Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
135

Adeus: que vou viagem de finados!...

Adeus!... adeus!... adeus!


A minha vida

I

    Este mundo é-me um deserto

por onde um vulcão passou,

e gravada a minha história

em traços negros deixou.

    São-lhes tetos bronzeados
5

escuros, medonhos céus,

onde bramam tempestades

em contínuos escarcéus.

    Só, por ele vai minh'alma,

nos destroços tropeçando,
10

com passo tardio e incerto

tristemente caminhando.

    Marcha... marcha... enfim, cansada

de tão longo caminhar,

nalguma pedra que encontra
15

descansa, e põe-se a chorar.

    Olha o céu... nem uma estrela!

Olha a terra... é negro chão!

Clama em brados por socorro,

só responde o furacão!
20

    Nos olhos seca-lhe o pranto...

Continua a caminhar,

e noutra pedra distante

descansa, e põe-se a chorar.

II

É triste o seu fadário: mas ao menos
25

oh! bálsamo do céu, piedosas lágrimas!

Da infeliz peregrina a dor pungente

um pouco mitigais.

       E só me alento

quando posso chorar: são meus prazeres
30

um banquete de lágrimas! Mil vezes

alegre ter-me-ão visto entre os alegres,

conversando, soltar ditos chistosos

a rir e fazer rir. Um drama a vida

não é? Porque julgar-se do semblante,
35

do semblante, essa máscara de carne

que o homem recebeu para entrar no mundo,

o que por dentro vai? É quase sempre,

se há estio no rosto, inverno n'alma.

Confesso-me ante vós; ouvi, contentes!
40

O meu riso é fingido; sim, mil vezes

com ele afogo os ecos de um gemido

qu'imprevisto me chega à flor dos lábios;

mil vezes sobre as cordas afinadas

que tanjo, o canto meu acompanhando,
45

cai pranto. Oh! praza ao céu qu'inda o não vísseis!

Eu me finjo ante vós, que o fingimento

é no lar do prazer prudência ao triste.

Louco fora por certo o que cantasse

d'exéquias hino em bodas: ou de noiva,
50

qu'em transportes de amor o esposo abraça,

crepe de viuvez lançasse ao tálamo.

Eu me finjo ante vós porque venero

o sublime das lágrimas; conheço-as;

são modestas Vestais, vivem no ermo,
55

aborrecem festins; olhos que o fogo

do banquete acendeu-lhes são odiosos:

Descidas lá do céu, Virgens do Empírio,

têm vestes de cristal, temem manchá-las.

Bem fechadas nos claustros de meus olhos,
60

dentro em meu coração hei de escondê-las,

guardá-las bem de vós, contentes, hei-de,

porque a dor me não traia neste empenho,

zelosa e vigilante sentinela,

em meus lábios trazer constante um riso.
65

III

Hei de fingir-me ante vós,

porque sei que o desgraçado,

se a desgraça não oculta,

é de todos desprezado:

Que o feliz, que goza os frutos
70

dos pomares da ventura,

não conhece o gosto acerbo

da peçonha da amargura;

que aos tristes consoladoras,

palavras nos lábios seus,
75

são as palavras de Cristo

na boca dos Fariseus.

IV

Nestes versos vos dou minha vida:

Minha vida, mortais, é assim:

Ante os homens um riso mentido,
80

longe deles um pranto sem fim.

   É veneno de arábico aroma,

entre fumo sutil disfarçado;

é cadáver de carnes despido,

com vestidos de gala trajado.
85

É sepulcro, onde, o escárnio da morte,

mausoléu majestoso se arvora;

morte, trevas e terra por dentro:

Vida, luzes e pompa por fora.

    Nestes versos vos dou minha vida,
90

minha vida, mortais, é assim:

Ante os homens um riso mentido,

longe deles um pranto sem fim.


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