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ArribaAbajo

Poesias completas


Laurindo José da Silva Rabelo






ArribaAbajo

Poesias líricas




ArribaAbajo

O que são meus versos


ArribaAbajoSe é vate quem acesa a fantasia
tem de divina luz na chama eterna;
se é vate quem do mundo o movimento
c'o movimento das canções governa;

se é vate quem tem n'alma sempre abertas  5
doces, límpidas fontes de ternura,
veladas por amor, onde se miram
as faces da querida formosura;

se é vate quem dos povos, quando fala,
as paixões vivifica, excita o pasmo,  10
e da glória recebe sobre a arena
as palmas, que lhe of'rece o entusiasmo;

eu triste, cujo fraco pensamento
do desgosto gelou fatal quebranto;
que, de tanto gemer desfalecido,  15
nem sequer movo os ecos com meu canto;

eu triste, que só tenho abertas n'alma
envenenadas fontes d'agonia,
malditas por amor, a quem nem sombra
de amiga formosura o céu confia;  20

eu triste, que, dos homens desprezado,
só entregue a meu mal, quase em delírio,
ator no palco estreito da desgraça,
só espero a coroa do martírio;

vate não sou, mortais; bem o conheço;  25
meus versos, pela dor só inspirados,-
nem são versos -menti- são ais sentidos,
às vezes, sem querer, d'alma exalados;

são fel, que o coração verte em golfadas
por contínuas angústias comprimido;  30
são pedaços das nuvens, que m'encobrem
do horizonte da vida o sol querido;

são anéis da cadeia, qu'arrojou-me
aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda;
são gotas do veneno corrosivo,  35
que em pranto pelos olhos me transuda.

Seca de fé, minha alma os lança ao mundo,
do caminho que levam descuidada,
qual, ludíbrio do vento, as secas folhas
solta a esmo no ar planta mirrada.  40




ArribaAbajo

O meu segredo



I

ArribaAbajo O lume de sinistro fogo estranho
    que em meu olhar se acende;
A nuvem que de mágoas carregada
   no rosto se me estende;

    esta agonia acerba que repassa  5
    os sons da minha lira;
este céptico altivo horror ao mundo
   que em tudo meu respira;

estas rugas, que trago sobre as faces,
    os modos distraídos,  10
a constante desordem do semblante,
   dos gestos, dos vestidos;

revela tudo um segredo,
que o mundo não sabe ler;
segredo, que só com pranto  15
é que se pode escrever;

segredo, que em meu futuro
Negro anátema cuspiu;
segredo, que seduziu-me;
segredo que me traiu.  20

Letras escritas com pranto
sei que apagadas serão!
sei que um segredo de mágoas
nunca merece atenção!

Mas não importa; hoje quero  25
o meu segredo escrever;
que guardado por mais tempo
talvez me faça morrer.


II

Mandado do inferno
por ímpio destino,  30
um gênio mali'no
no berço me viu-
e após um instante
haver-me encarado
com gesto irritado,  35
o Gênio -o meu fado
traçando -sorriu.

Sorriu-se... e mudados
no mesmo momento
que o Gênio cruento,  40
cruento me viu,
em negra tristeza,
meus gostos findaram;
meus lábios murcharam;
meus ais começaram;  45
meu pranto caiu.

No peito inda verde
secou-se a ventura
daquela fé pura
que a infância nos dá;  50
no espelho onde via
em êxtase santo
os risos, o encanto,
de um mundo, que há tanto
não sei onde está.  55

Em dita tão pura
minh'alma exultava,
e quanto alcançava
sabia explicar;
que, além de dar crença  60
a tudo que ouvia,
por certa magia,
as cousas que via,
sentia falar.

Se às vezes tentava  65
brincar com as flores,
revendo os lavores
de um vasto jardim,
a brisa me dava,
no trânsito leve,  70
um cântico breve,
escrito na neve
de um casto jasmim.

Fugaz borboleta
nas asas de ouro  75
imenso tesouro
deixava-me ver;
e, qual um avaro,
sedento, inquieto,
com ardido afeto  80
atrás do inseto
me punha a correr.

Qual boca de ninfa
há pouco desperta,
se rosa entreaberta  85
prendia louçã,
segredos da infância
a flor me contava,
q'eu só escutava,
e, rindo, exclamava:-  90
tu és minha irmã!...

À vista do oceano,
imenso, ruidoso,
que quadro assombroso
fez meu ideal!...  95
Em êxtase, longo
vi nele espantado,
rugindo deitado,
um monstro azulado
d'enorme cristal.  100

Em crua e constante,
horríssona guerra,
in'migo da terra,
pintou-se-me o mar-
que fero co'as ondas  105
na praia batia,
e aflito bramia,
porque não podia
a praia arredar.

Na concha celeste  110
se os olhos fitava,
lá novos achava
encantos também;
nos astros eu via
de anjinhos um bando,  115
que, o corpo ocultando,
me estavam olhando
de um mundo de além.

Eu via na lua
a casa encantada,  120
de luz prateada
fugindo no ar;
asilo somente
da fada querida,
que vinha escondida  125
a gente nascida
de noite embalar.

O sol eu amava
da tarde na hora;
amava-o d'aurora  130
no fresco arrebol.
E quando a tais horas
no mar se escondia,
p'ra ele me ria,
julgando que via  135
adeuses do sol.


III

Mas esse tempo de encantos,
que nunca julguei ter fim,
não é hoje para mim
mais que morta e seca flor!...  140
Do gênio mau completou-se
a primeira profecia:
Era o que o Gênio dizia
no seu riso mofador.

A natureza calou-se  145
desde que o Gênio me viu;
minha alma inteira sentiu
repentina mutação,
dei por mim em terra estranha;
tive novos pensamentos;  150
tive novos sentimentos;
criei novo coração.

Visão do Céu... não -da terra;
não podia ser do Céu;
que Deus no domínio seu  155
falsos arcanjos não quer;
visão, que da natureza
toda a graça revestia,
por desdita vi um dia
num semblante de mulher.  160

Tinha a visão tal encanto,
que, ao vê-la, absorto fiquei;
tanto, que não escutei
o profundo soluçar
da inocência, que, sentindo  165
da paixão a ardente calma,
abraçada com minh'alma
se despedia a chorar.

Vida de louco passei;
mas achei nessa loucura  170
tanto bem -tanta ventura,
quais nunca a razão me deu;
que, se a razão da verdade
tem os claros resplendores,-
amor o reino das flores  175
tem todo inteiro por seu.

E a esta senda estrepada,
que à morte os seres conduz,
o que lhe importa uma luz,
se a não tapiza uma flor?  180
E se amor, além de flores,
também possui um clarão,
antes amor sem razão,
do que razão sem amor.

Mas foi-se o tempo de risos  185
da minha feliz loucura!...
Libei o fel da amargura
no mel de um beijo traidor!...
Do Gênio mau completou-se
a segunda profecia:  190
Era o que o Gênio dizia
no seu riso mofador.

Dessa profunda chaga resta ainda
dorida cicatriz: a mão do tempo
talvez cure-a por fim; mas não tão cedo,  195
que inda verte de si pútrido sangue,
se a magoam cruéis reminiscências
de quadra tão feliz.


IV

    Outro fantasma, a glória,
da passada visão invade o posto.  200

Pelos mares risonhos da esperança
ao batel do desejo abrindo as velas
    minh'alma foi buscá-lo.
De pintor bem falaz condão tem ele
muito para temer; do entusiasmo  205
nas lavas do vulcão acende o facho,
que os desenhos lhe aclara: esposa amante,
dá-lhe, a imaginação, seus cofres todos,
donde tira estampas que copia
nas telas do futuro. De seus quadros  210
na beleza enlevada a viajante
navega sem sentir.

    Eis ponto negro

   no azulado horizonte surge, e estende
asas de tempestade! Às vistas magas  215
reposteiro de ferro mão ignota
rápido corre, e presto em lastro imenso
de aguçados cachopos se convertem
as aniladas ondas. Rola o lenho
por sobre o pedregal, e mastro e leme,  220
enrolados na vela espedaçada,
o sopro de um tufão some nos ares!
Rompendo a cerração espectro em osso
de repente aparece, sacudindo
na destra uma mortalha: envolto nela  225
desceu meu pai à campa!...

Musa, basta...

Pare-se um pouco aqui; nas tuas asas,
que não neste papel, corra meu pranto...
Apara-o, anjo meu; depois os mares  230
transpõe... o lar dos mortos não te assusta-
não é assim? Pois bem, irmã querida,
na terra -nossa mãe- suspende os vôos;
busca a sombria região dos túmulos,
e lá, depois de um beijo dar na campa  235
de nosso amado pai, depõe sobre ela
este pranto que verto.

Enfim bonança

ímpia resplandeceu sobre os destroços
que fez o vendaval. Único vivo,  240
em pé sobre um rochedo, contemplei-os
e ri-me... e neste riso agonizou-me
a última esperança... foi a síntese
de minha vida inteira; -estreita fresta
por onde, desmaiada e quase morta,  245
   minh'alma um raio morno
de prazer sepulcral mandava ao mundo.

E o Gênio, que viu meu berço,
dentre os cachopos surgiu,
e olhando os estragos riu,  250
contente de minha dor.
Do Gênio estava completa
toda inteira a profecia:
era o que o Gênio dizia
no seu riso mofador.  255


V

E desde então existo, mas não vivo;
   só tenho sentimento
nesse elo fatal por onde a vida
   se prende ao sofrimento.

Vi na infância relâmpago afogado  260
   em negra escuridão;
de amor nas breves ditas vil mentira,
   na glória uma ilusão.

Eis porquê, dos prazeres desquitado,
   o rosto em pranto inundo;  265
tudo odeio, e pareço desposado
    com seres doutro mundo.

E na verdade o estou: pena minh'alma
   nas sombras da amargura...
Homens! fugi de mim; não vos pertenço-  270
   sou outra criatura.




ArribaAbajo

O gênio e a morte



I

ArribaAbajo    Sobre as asas de fogo
da águia ardente que no espaço voa,
saudado pelo cântico das aves,
   de flores perfumado,
entre nuvens de púrpura -risonho  5
    nos céus assoma o dia.
o exército dos astros afugentam
   seus coruscantes raios;
e passeia garboso pelo espaço,
como triunfador pela campina,  10
donde expulsara as hostes inimigas.
Lá no meio da arena do triunfo,
como um olho de Deus devassa o mundo:
as plantas que a manhã de vida enchera,
com seu intenso ardor, bárbaro cresta-  15
qual jovem indiscreto, em loucos dias
   de vulcânica idade,
no coração desseca, mata, extingue
sentimentos que a infância alimentara...
    Da glória ao grau supremo  20
subiste, ó rei; humilha-te -vassalo
também és do Senhor -descer te cumpre.
Ei-lo que abdicou -já vai tardio
pela estrada do ocaso, e já tristonha
lhe escorre pelo rosto a luz enferma!  25
Sobre leito de chumbo se reclina,-
    e, no momento extremo,
   seus olhos chamejantes
extremo olhar saudoso à terra volvem.
Último arranco!... Cai desfalecido  30
   nos braços do crepúsculo.
morreu o dia; -e a noite piedosa
em seu manto de dó lhe envolve o túmulo.


II

    Que é feito, ó Primavera,
das frescas odoríferas grinaldas  35
   que a fronte te adornavam?
Murchas caíram; jazem esmagadas
aos pés de gelo do caduco inverno!
    Os pomos sazonados,
que pendiam das árvores frondosas,  40
orgulho e pompa dos alegres prados,
ei-los dispersos pelo chão molhado
do pranto que em tristeza o céu derrama,
ao ver-lhe a fronte merencória e pálida,
debruçada do cume das montanhas,  45
com lágrimas saudar do sol os raios,
qual mísero vivente, a quem torturam
   as galas da alegria.
Beijada pelos zéfiros -c'roada
de viçosas capelas, -pelos bosques,  50
jardins, e prados, e alcantis dos montes,
eu a vi passear; -vi toda a terra
de flores se cobrir, trajar verduras,
   ao toque de seus passos;
Vi... mas mudou-se da estação ridente  55
o quadro encantador; -e já bramidos
dos desatados temporais proclamam-
    que é morta a Primavera.


III

Morrem as estações, morrem os tempos!
Morrem os dias, como as noites morrem:  60
Também acaba o homem-
e o Anjo do extermínio, desdenhoso,
encara estultas pompas, que distinguem
o servo do senhor, o rei dos povos;
e fazendo correr-lhes pelas frontes  65
a rasoura da morte, traça o nível.
Que cabe aos homens todos.
tudo no mundo expira:
Só sobranceiro à lousa o Gênio altivo
nos vôos acompanha a eternidade!  70
Soberbo em seu poder persegue a morte,
e consegue vencê-la,
mil vítimas lhe arranca,
e da imortalidade nos altares
as mostra coroadas.  75
Em vão do manto esquálido
a bárbara sacode o voraz verme
no cadáver do sábio;
lá desce o Gênio intrépido,
em vão as frias cinzas lhe arremessa  80
nos abismos do olvido;
e, ao lume da lanterna da memória,
ajunta as cinzas, sopra o fogo santo
da santa poesia,
o sábio ressuscita e pasma o mundo!  85


IV

    Beleza, doce engano,
mimo, que o tempo deu, que o tempo acaba;
encantadora nuvem, mas efêmera,
que da cor do pudor n'os céus vagueia,
qual suspiro de amor que aos céus se eleva;  90
beijada pelo sol, tímida aurora,
também fenecerás! Trevas do túmulo
    aos lumes da existência
   sucederão funéreas;
serão consócios teus mudo silêncio,  95
sombras, escuridão, vermes, e terra.
Lestes, belas? Tremeis? Magos encantos
baceia a mão do tempo, arrasa a campa:
Porém do Gênio à voz -curva-se o tempo:
Quebra o sepulcro a laje aos pés do Gênio.  100
Não!... de todo não morre uma beleza
   de um Gênio idolatrada;
que a luz brilhante, que lhe anima os carmes
o luzento fanal, que o ilumina
   nas borrascas da vida,  105
    jamais, jamais se apaga.


V

    Cidades destruídas,
    impérios derrocados,
    oh! quantas, quantas vezes
o Gênio, qual brandão, vos esclarece  110
   as pálidas ruínas,
lê nelas vossa glória, e vos confia
    as trombetas da fama!...
    Se foge a tempestade,
    se as estações revivem,  115
se as noites reproduzem novos dias,
e os dias novas noites,
servos obedecendo à voz do Eterno,
mensageiro do Eterno o Gênio exerce
igual poder na terra!... A Natureza,  120
    no meio das procelas,
se a voz lhe escuta, abandonando as fúrias,
dissipando de um sopro atroz horrores,
surge risonha, como à voz divina,
saiu do caos informe, -encantadora,  125
toda nua, trazendo por adornos
nos seios o Verão, nas mãos o Outono:
Nos cabelos prendendo a Primavera,
por chapim de cristal calçando o Inverno.
    Do Gênio ouvindo o canto,  130
   remoçam-se as idades,
os mortos dos sepulcros se levantam,
   e vivem nova vida
   dos homens na memória.


VI

   Ó Anjo das ruínas,  135
voa ao teu reino, que é tarefa inútil
extinguir o que é belo no universo,
   enquanto o lume santo
   d'inspiração celeste
mentes iluminar predestinadas.  140
    Aos sons miraculosos
d'harpa do Gênio ressurgindo ovantes
   o saber, a virtude,
meigos encantos de gentil beleza,
hão de zombar de ti -quebrar-te o sólio,  145
    calcar-te aos pés a fronte.


VII

Como o gemer de vaga, que se quebra
    no sopé do rochedo;
como ribombo de trovão, que rola
   pelos longes do espaço,  150
ou eco de clarim perdido em ermos,
do Gênio a voz ecoa no infinito,
   e, por ela acordada,
    o semblante solene
ergue para saudá-lo a Eternidade,  155
lá soa o bronze, solfejando a nota
da alpercata da morte sobre as campas.
    O sol está no ocaso!!!
    O Gênio ansioso espera
o sinal de seu vôo ao Ser Supremo.  160
vede-lhe o pensamento: -é uma lira,
donde os dedos da Fé extraem destros
   melífluos sons divinos-
são os salmos do gênio agonizante:
e a última das notas é sua alma,  165
que se perde no céu! -De lá, ó morte,
    sorrindo a teu poder te desafia
pelo raio divino armada a destra,
   dos céus abroquelado;
   enquanto cá na terra,  170
sarcasmo a teu poder, seu nome troa,
como um brado de glória, enchendo o mundo




ArribaAbajo

No álbum duma senhora


ArribaAbajoMeu nome aqui deixara solitário
    escrito nessa cor;
com que desde nascido as faixas d'alma
   tingiu-me o dissabor;

meu nome aqui deixara solitário  5
    em traço negro incerto,
qual friso do buril da desventura
   em claro plano aberto;

a não temer que alguém, que não soubesse
    o que este nome diz,  10
ao vê-lo neste livro me insultasse
   chamando-me feliz.

Saiba, pois, quem o ler, que de uma Virgem
   no livro afortunado
seu nome escuro, como seu destino,  15
   escreve um desgraçado!

Sobre ele verta a Virgem uma lágrima
   do seu pranto celeste,
que talvez se desbotem os negrumes
   do luto que o reveste.  20

Sim, ó Virgem, do pranto de teus olhos,
   concede, sim, concede
uma lágrima triste ao pobre nome
   que lágrimas só pede!

De teus olhos quisera uma centelha  25
   um peito do vulcão;
ao contrário, porém, só pede pranto
   um morto coração!

O sol ilumina, a gala ofende
   ao solo mortuário:  30
só sobressaem os cristais do pranto
   dos mortos no sudário.

Eia, pois, cair deixa neste nome
   o teu pranto celeste;
que talvez se desbotem os negrumes  35
   do luto que o reveste.




ArribaAbajo

Estragos de amor


1 ArribaAbajoMiseráveis insensatos,
escravos da formosura,
curvados a seu aceno,
buscais vida no veneno
que vos leva à sepultura!

2 Nos seus braços reclinados,
beijando em ternos carinhos
divinas faces mimosas,
libais o néctar das rosas
sem reparar nos espinhos!

3 «Oh! loucos, vede a verdade,
conhecei essa ilusão,
por que viveis seduzidos?»
Embalde contra os sentidos
aflita brada a razão!...

4 Nada alcança: tudo cede
ao amoroso desmaio:-
lumiando o par gentil,
brilha amor como um fuzil,
mas ao fuzil segue o raio.

5 Lá do monte da esperança
cresta o fogo as verdes fraldas;
e de quanto possuía
só conserva a fantasia
secas, dispersas grinaldas.

6 Suspeitas, tiranias serpes,
nos peitos cravando os dentes,
com seu sangue se alimentam;
das chagas chamas rebentam,
das chamas novas serpentes.

7 Em furor e desespero
começa o triste a chorar,
vendo a estrada que seguiu;
morde o laço em que caiu,
mas não pode-o desatar!...

8 A razão, para vingar-se,
mais aumenta o seu flagício,
com semblante inexorável,
muda, surda, imperturbável,
assistindo ao sacrifício.

9 Tudo é dor, tudo agonia,
e queixumes contra o fado;
suspiros e pranto ardente,
desespero no presente,
saudades pelo passado!...

10 Té que vai desabrochando,
pelo pranto d'aflição
regada continuamente,
do desengano a semente
nas cinzas do coração.

11 Ergue a planta a fronte altiva,
mas de tristonha aparência;
folhas, tronco, é toda luto;
tem mirrado raro fruto;
esse fruto -é a experiência.-

12 Das ruínas levantado,
vê-se o espírito surgir;
vem com passo fatigado,
como guerreiro cansado,
à sua sombra dormir.

13 Presto acorda, e então, cedendo
da fome aos cruéis assomos,
alguns ramos segurando,
vai colhendo, e vai tragando
os amargos negros pomos.

14 Comeu, ergueu-se, é já outro!
foi-se do rosto a meiguice!
do tronco um ramo quebrado
serve ao triste de cajado-
eis a imagem da velhice.

15 Está tudo terminado!
está completa a sentença!
Aos fogos sucedem gelos,
que anunciam nos cabelos
a idade da indiferença!

16 Lá vai o velho mesquinho,
lá vai desacompanhado,
o caminho da existência,
nutrido pela exp'riência,
ao desengano arrimado.

17 Só seus pés tocam a terra,
os olhos do céu na luz,
entregue a culto profundo,
lá vai, fugindo do mundo,
cair nos braços da Cruz.

18 Lá expira... mas dizei-lhe-
amor! Vereis num transporte
como seus olhos cintilam,
como a um tempo se aniquilam
todas as forças da morte!!...

19 É que amor inexorável
nos seus planos iracundos,
se os mortais torna cativos,
nem minora o mal dos vivos,
nem respeita os moribundos.

20 Restaura as forças da vida,
não nos consente morrer;
porque lá nas sepulturas
seus tormentos e torturas
não se pode padecer.

21 Envenenados farpões
nos manda em suspiros ternos;
cinge aos olhos mago véu,
e pelos jardins do céu
nos encaminha ao inferno.

22 Fugi, humanos!... fugi
de seu veneno traidor!
sem culto, desamparados,
sumam-se, ao tempo votados,
altares, templos de Amor...




ArribaAbajo

A minha resolução


ArribaAbajoO que fazes, ó minh'alma!
coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras  5
te despreza, como ingrato,
coração, sê mais sensato,
busca outro coração!

Corre o ribeiro suave
pela terra brandamente,  10
se o plano condescendente
dele se deixa regar;
mas, se encontra algum tropeço
que o leve curso lhe prive,
busca logo outro declive,  15
Vai correr noutro lugar.

Segue o exemplo das águas,
coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?  20
Se aquele que tanto adoras
te despreza, como ingrato,
coração, sê mais sensato,
busca outro coração!

Nasce a planta, a planta cresce,  25
vai contente vegetando,
só por onde vai achando
terra própria a seu viver;
mas, se acaso a terra estéril
às raízes lhe é veneno,  30
ela vai noutro terreno
as raízes esconder.

Segue o exemplo da planta,
coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?  35
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
te despreza, como ingrato,
coração, sê mais sensato,
busca outro coração!  40

Saiba a ingrata que punir
também sei tamanho agravo:
se me trata como escravo,
mostrarei que sou senhor;
como as águas, como a planta,  45
fugirei dessa homicida;
quero dar a um'alma fida
minha vida e meu amor.




ArribaAbajo

A linguagem dos tristes


ArribaAbajoSe houver um ente, que sorvido tenha
gota a gota o veneno da amargura;
que nem nos horizontes da esperança
veja raiar-lhe um dia de ventura;

se houver um ente, que, dos homens certo,  5
neles espere certa a falsidade;
que veja um laço vil num rir de amores,
uma traição nos mimos da amizade;

se houver um ente, que, votado às dores,
todo com a tristeza desposado,  10
de cruéis desenganos só nutrido,
somente males a esperar do fado;

que venha, acompanhar-me na agonia,
qu'esta minh'alma, sem cessar, traspassa!
Venha, qu'há muito luto, a ver se encontro  15
quem sinta, como eu, tanta desgraça

Venha, sim, que talvez por nosso trato
uma nova linguagem seja urdida,
em que possam falar-se os desgraçados,
que do mundo não seja traduzida.  20

Por lei inexorável do destino,
quem gemer à desgraça condenado,
inda lidando no lidar do mundo,
há de viver do mundo desterrado.

E em que desterro! Os outros só nos tiram  25
os olhos do lugar do nascimento;
a desgraça, porém, do mundo inteiro
desterra o coração e o pensamento.

Ao menos a linguagem deste exílio
mais suportável torne a vida crua;  30
tenha ao menos a terra da desgraça
uma linguagem propriamente sua.

E quem tê-la melhor? Por mais que fale
o sedutor prazer em frase ardente,
por mais que se perfume e se floreie,  35
nunca é, como a dor, tão eloqüente.

Nos fenômenos d'alma o corpo sempre
do seu modo de obrar diversifica:
Pelas quebras da orgânica fraqueza
a força esp'ritual se multiplica.  40

Quando, livre, o esp'rito aos céus remonta,
da Eternidade demandando o norte,
toda força primeva recobrando-
tomba a matéria, e cai nas mãos da morte!

Quando o gás do prazer dilata o seio,  45
a força do sentir dormente acalma;
quando a pressa da dor o seio aperta,
a força do sentir se expande n'alma.

Assim novas palavras, novas frases,
nova linguagem, pede o sofrimento;  50
porque dobra o sentir, e duplas asas
p'ra vôos duplos colhe o pensamento:
Não, não pode em seus termos quase inertes,
esse falar comum de cada dia,
deste duplo sentir, d'idéias duplas,  55
exprimir fielmente a valentia.

Enganai-vos, ditosos! Vossas falas,
anos que falem, nunca dizem tanto,
quanto num só momento dizer pode
um suspiro, um soluço, um ai, um pranto.  60

Eia, pois, tristes! eia!... desde agora
uma nova linguagem seja urdida,
em que possam falar-se os desgraçados,
que do mundo não seja traduzida.

Veja o mundo, de gozos egoísta,  65
qu'os tristes nada têm de suas lavras:
que, orgulhosos na pátria da desdita,
nem dos ditosos querem as palavras.




ArribaAbajo

A José Pedreira França1



I

ArribaAbajoUm dia natalício em quantas faces
se pode desenhar!
que cenas de prazer e de pesares
nos pode retratar!

Anel d'oiro, ou de ferro, anel d'estala,  5
na cadeia da vida;
marco de légua pela morte ganha,
e para nós perdida.

Origem de uma fonte que começa
onde outra terminou;  10
berço de um tempo, mas também sepulcro
de um tempo que passou!

Porém por que razão sempre festivo
se mostra o rosto seu?-
Porque o ano que nasce esquecer deixa  15
o ano que morreu:

Porque enquanto na estrada da existência
a humanidade avança,
deixa sempre olvidar os desenganos
co'os olhos na esperança.  20

Mas o tempo, que corre desta sorte
p'ra todos os humanos,
oh! Pedreira feliz! -mudou de aspecto
no curso de teus anos.

O tempo, que se passa inertemente,  25
tem vida transitória;
mas o tempo contado por virtudes
tem sempre eterna glória.

Não serão pois cobertos os teus anos
do olvido pelo véu:  30
quando morram na mente dos ingratos,
com Deus serão no céu.

Não tens áureos brasões por hábil destra
com arte burilados;
não cinges toga ilustre, nem tens nome  35
no rol dos purpurados;

porém, sem as virtudes qu'em tu'alma
existem engastadas,
são títulos, brasões, fama, riquezas,
misérias enfeitadas.  40

São flores sem aroma, e cujo viço
efêmero não dura;
fosfóricos fanais, que a sorte acende,
e apaga a sepultura.

Que sempre encares com igual semblante  45
o Céu -e o Céu propício
não deixe a menor nuvem de desgosto
turvar teu natalício-

tais são os votos meus, nunca inspirados
por vil adulação;  50
quando minh'alma os escreveu, a pena
molhou no coração.

Tais são os votos meus na voz expressos,
de frouxa poesia,
que verte a lira pouco acostumada  55
aos hinos d'alegria;

filha de um estro fraco e perseguido
por fado sem piedade,
vagando peregrino em terra estranha
nos ermos da saudade.  60


II

Mas inda que a sorte
um estro me desse,
que aos astros pudesse
teu nome elevar;
enquanto vir triste  65
com dores pungentes
a pátria em correntes,
não posso cantar.

Não posso cantar;
enquanto vir bravos  70
rojar como escravos
infame grilhão:
Curvando a sicários
a fronte sublime!
Submissos, sem crime,  75
pedindo perdão!

Não posso cantar,
enquanto um malvado
poder infamado,
audaz, sem pudor,  80
com seu bafo infecta
Brasílio horizonte,
trazendo na fronte
-Prevaricador-;

Enquanto essa gente,  85
tão ímpia e tão vil,
meu caro Brasil
puder governar;
co'a pátria inundada
de luto e de pranto,  90
não posso ter canto,
não posso cantar.

Porém se algum dia
o fero domínio
do ímpio extermínio  95
tiver de morrer;
se o povo, esquecido
de loucos enganos,
um dia os tiranos
quiser abater;  100

se um dia, cansada
de tanta maldade,
soltar Liberdade
seus raios da mão,
e os ceptros pesados  105
dos reis fementidos,
por eles fundidos,
rolarem no chão:

E as nossas campinas
e prados virentes,  110
e os céus de contentes,
trajados de azul.
Ouvirem os hinos
da livre corte
da parte do Norte,  115
da parte do Sul;

e os grandes Andradas,
canecas, Machados
e mais nomeados
por alto valor,  120
de lá do Empíreo
tais cantos ouvindo,
saudarem, se rindo,
seu povo senhor;

então minha lira,  125
coberta de flores,
já livre, louvores
podendo entoar,
aos doces encantos
da quadra formosa  130
virá sonorosa
teus anos cantar.




ArribaAbajo

Epicédio à morte do Dr. José de Assis Alves Branco Muniz2



I

ArribaAbajoMorreu, enfim, morreu! Aquele Gênio,
para quem pareceu pequeno o mundo,
por milagre da Morte limitou-se
a um pedaço de terra! Ali com ele
ricos tesouros de um futuro imenso,  5
de mil triunfos avultadas palmas,
de glória mil coroas, tudo encerra,
aquele estreito chão no seio estreito!
São um mistério as dimensões de um tum'lo!
Morreu! aquela mágica trombeta,  10
que, das leis em defesa trovejando,
fez tremer e tingiu da cor do medo
de protervos mandões soberbas frontes,
jaz por terra calada! Aquela boca,
que em turbilhões sonoros de eloqüência  15
raios vibrava, gélida mordaça
para sempre fechou! O caudal rio,
que no curso afanoso prometia
tanta fertilidade ao pátrio solo,
seca total sorveu! Por que, ó Pátria,  20
não pôde o pranto teu de novo enchê-lo?
Por que não pôde férvido caindo
sobre a fatal mordaça derretê-la,
e de novo acordar da tuba as vozes?
As entranhas da morte são de pedra;  25
coração jamais teve a hidra ímpia;
carnes humanas come, bebe lágrimas;
só respira suspiros dolorosos
e ais agonizantes; comovê-la
não pode a tua dor aflita, Pátria!  30
Hás de vê-la dormindo aos ecos dela,
e o mostro rir-se de prazer cruento
ao ver o pranto teu banhar-lhe o sólio.
Mas não te desesperes, Mãe querida,
há nos cofres da dor certos segredos  35
que os míseros só sabem. São amigos,
amigos bem fiéis da mágoa os filhos.
Um gemido consola outro gemido,
uma lágrima outra. Desde o berço
para eterno chorar n'alma cavou-me  40
da desgraça o punhal fontes de pranto,
que de Assis pela morte transbordaram.
Pátria! seremos sócios na amargura!
baga com baga juntas, nossas lágrimas-
cristalina torrente de saudades-  45
unidas regarão do Herói a campa.



III


Fatal pressentimento deste golpe
três vezes tive; adivinhei três vezes
do sábio moço a prematura morte!


IV

Eu o vi inda imberbe num combate  50
desses em que são almas -combatentes,
e a intel'gência -espada: os sacros foros
da ciência da vida defendia,
dando vida à ciência. Extasiado,
qual uma ave rasteira, que contempla  55
condor gigante, que nos vôos roça
no semblante do sol soberbas asas,
bebi-lhe os rasgos da atrevida mente;
e concentrado em mim, disse comigo:-
    Não pode viver muito!  60


V

       Correm tempos:
Para o campo da imprensa denodado
se arroja o lidador. D'entusiasmo
aceso e de prazer, banhei minh'alma
na luz dos seus escritos. Cada linha  65
que deles lia atento me mostrava
uma estrada de glória ao novo Gênio!
Cada palavra sua era uma pegada
do progresso a correr, e cada sílaba
de patriotismo ardente uma centelha  70
que do saber ao sopro cintilava.
Vi-o, e pasmei de o ver, assim tão jovem;
e, concentrado em mim, disse comigo:-
      Não pode viver muito!


VI

       Na Tribuna,  75
prometendo um Demóstenes futuro,
jovem aparece; e vi o povo
imenso, pasmo, imóvel, todo ouvidos
a vê-lo combater, e Paladinos
formidáveis caindo aos golpes dele!  80
Vi sobr'ele lançando olhares torvos,
trêmulos d'ira, os Áulicos ralarem-se,
quando um sarcasmo seu rápido e fino,
voando num motejo improvisado
de leve sulco de um sorriso irônico  85
nos corações de orgulho intumescidos
lhes mastigava as fibras da vaidade.
Vi, e vi muitas vezes, confundidos
ante o moço orador os Mandatários
do despotismo, quando pretendiam  90
seus golpes rebater, presas as línguas,
disparatado o curso das idéias,
perderem-se de todo, e dar-lhe humildes
o vergonhoso culto do silêncio.
Vi-o, e pasmei de o ver, assim, tão jovem;  95
e, concentrado em mim, disse comigo:-
       Não pode viver muito!


VII

       Um quê bem certo
para tanto dizer razão me dava.
todo o sublime para o Céu deriva:  100
Era muito pequeno um crânio humano
para tal pensamento. De seus vôos
ao forte embate, as molas da matéria
estalam cedo, quando o gênio é grande.


VIII

A fatal profecia está completa!  105
o prisma, que três faces tão brilhantes
ao sol do novo mundo apresentava,
despedaçado está, ou refletindo
cores da eternidade à luz das campas!


IX

Morreu!... porém na hora derradeira  110
inda resplandeceu! O homem justo,
entre as vascas do eterno passamento,
em ânsias e fadigas se atribula,
mas no momento de deixar a terra,
para voar a Deus, forças recobra,  115
e como astro da fé no céu da morte,
qual em vida luziu, luzindo acaba.
E como a luz, que triste bruxuleia
prestes a se apagar, mas no lampejo
da convulsão final aviva o lume,  120
e com dobrado resplendor expira.
É como o sol no ocaso enlanguecido,
que desmaiado arqueja agonizante
do mar nas ondas apagando os raios,
mas que altivo e zeloso de seus foros,  125
p'ra morrer como sol, antes que morra

com duplicada luz alaga o mundo.
Assis assim morreu. Na ânsia extrema
da mortal agonia, toda inteira
su'alma concentrada num só ponto  130
para da carne disparar seu vôo,
luz celeste expandiu; ao clarão dela
o mundo apareceu-lhe como um doudo
enfeitado, brincando co'as alfaias;
sorriu-se, desprezou-o, e seu desprezo  135
todo se traduziu nessa sentença,
com que sábio fechou, morrendo sábio,
o livro d'ouro da existência sua.


X

O amor paternal, da esposa o pranto
também dos olhos pranto lhe arrancaram...  140
mas nunca tocar pôde o desespero,
de leve nem sequer, naquele peito
ungido em fé cristã. Da Providência
viu as mãos postas sobre as frontes de ambos-
e creu e resignou-se.  145


XI

       Esses fantasmas
tristes, negros, medonhos, vaporosos,
que na hora final o ímpio cercam,
sôfregos, como abutres esfaimados
farejando-lhe o leite, dele  150
nem ousaram fitar; visões celestes
nas madornas da morte o embalavam.


XII

Quebradas as cadeias que a prendiam,
livre, das penas sacudiu o barro,
e em leve adejo penetrou sua alma  155
as áureas portas da cidade eterna
entre aplausos risonha; e o seu arcanjo,
ao dar conta ao Senhor da missão alta
de a guardar sobre a terra, as níveas asas
mostrou tão limpas, quais do céu trouxera.  160


XIII

Chora, ó pátria, lamenta a infausta perda;
mas consola-te ao menos com lembrar-te
que teu filho desceu sem mancha ao túmulo.
Morreu!... mas grande foi. Da liberdade
filho amante nasceu; dela soldado,  165
morreu firme em seu posto. Da ciência
candidato fiel, morreu filósofo.
Era uma planta de primor nascida
em campo estéril, pedregoso e imundo;
mas tão cheia de vida, qu'inda nova  170
e em terreno tão mau, brotava aos centos
do tronco verde vigorosos ramos;
ramos cobertos de formosas flores,
e curvados de frutos. Encantado,
de a ver assim tão bela, o Rei Celeste,  175
antes que envenenada perecesse
no solo ingrato, transplantou-a em breve
para os pomares seus.


XIV

       Pátria, teu choro,
merecem, mais que o morto, os filhos vivos.  180
Ai! tristes dessas plantas que ficaram
no campo estéril, pedregoso e imundo!
Pela má região contaminados,
raça degenerada os dias contam
por ampulhetas grávidas de crimes.  185
começa a punição. Esse do Egito
anjo exterminador está conosco;
cada dia, um a um, nos vai ceifando
da liberdade os filhos primogênitos.
Assim a espada da justiça eterna  190
invisível nos fere, inopinada:
Assim os tetos da cidade ímpia,
do Senhor pela ira arremessado,
sem fuzil nem trovão, mudo, imprevisto,
o raio punidor fulmina e abate.  195




ArribaAbajo

Sobre o túmulo do Marechal Labatut



I

ArribaAbajoEis as cenas do mundo! A mesma liça
que o viu pela vitória laureado,
donde nos brados dos canhões acesos
da glória aos penetrais mandou seu nome,
veio (Grandes ouvi!) pedir, mendigo,  5
Uma esmola de terra!!


II

E quem o fez mendigo, sepultura
estrangeira buscar!? Não cerra França
aos mortos filhos seus braços maternos!
Mas não é outra a pátria do soldado  10
que o campo do triunfo, e esta terra
barateou seu sangue p'ra comprá-la.


III

Foi ele neste campo o mestre e o guia
de uma raça de heróis em cujas veias
fervia com o sangue o amor da Pátria!  15
Aqui, por sobre as frontes inimigas
passando como um raio

Que ao mesmo tempo espalha luz e morte,
      os servos fulminando,
sua espada de bravo a um bravo povo  20
       aqui viu esse povo
decidido no empenho de ganhá-la,
como um leão bramindo engolir chamas,
e vomitar na fronte do tirano
que tentava enfreá-lo!  25
Aqui o viu c'roado
de cívicas verbenas
com as cadeias fundidas.

No fogo do combate
o crânio esmigalhar do despotismo:  30
e a horda escrava que servia o monstro
fugitiva a correr, lançar-se às ondas,
ou cair tropeçando nas espadas.
Sentado em sua tenda de guerreiro
aqui nos braços recebeu do amigo  35

Os parabéns alegres,
que rindo repartiu com seus soldados,
e descansou, dormindo aos sons festivos
dos hinos marciais, que aos Céus levavam
entre vivas seu nome. Aqui... Não, cinzas,  40
aqui, perante os netos generosos
que gratos hoje vêm dar-vos seus cultos,
da traição dos avós não falaremos.
Do cristão sobre a campa a caridade
com letras imortais perdão escreve:-  45
Perdão para os ingratos!!!


IV

       Neste campo,
em que se lhe marcou n'um ponto misto
seu ocaso e nascente, resumiu-se
a sua vida inteira. Mais que a França  50
foste-lhe Pirajá: a França apenas
deu-lhe a luz da existência, e tu lhe deste
a imortalidade!


V
       E sempre grato
te foi o teu herói. Nas densas trevas  55
da imensa eternidade, porta incerta
da morte tateando, não perdia
de vista o Pirajá. «Amados campos
do meu melhor passado», soluçando
com voz fraca exclamou, «solo onde as palmas  60
colhi, que tão sedento cobiçava
nos meus sonhos de glória, lá deixei-vos
a minha alma plantada! Ah! quem me dera,
quando ele se partir, que mão amiga

lá plante o meu cadáver!»  65
Felizmente esta prece foi gravada
num coração de ouro. Quem é ele?
Quereis dizer seu nome? -nomeai-o,
mil tít'los lhe juntai: quanto ao poeta
basta chamá-lo -amigo.  70


VI

       Satisfez-se
a vontade final do moribundo.
dormir veio o soldado o sono eterno
   à sombra de seus louros.


VII

Eis aqui Labatut. Aguiar, Siqueira,  75
Jacome, abraçai vosso irmão d'armas!
Eis vosso General!! Mortos soldados,
que sem campas errais, das andrajosas
fardas que vos serviram de mortalha
a terra sacudi! vinde prostrar-vos  80
aqui em continência ante seus manes,
veteranos da nossa independência!
Braços cortados do possante corpo
que o trono levantou da liberdade,
vinde, vinde verter sobre esta pedra  85
uma lágrima, vinde! Enfeita o pranto
um semblante tostado nos combates,
quando é vertido assim.

       Povo, se és grato,
só te não satisfaças com trazê-lo,  90
dentro em teu coração leva este túmulo.




ArribaAbajo

Adeus ao mundo



I

ArribaAbajo Já do batel da vida
sinto tomar-me o leme a mão da morte:
   E perto avisto o porto
imenso nebuloso, e sempre noite,
    chamado -Eternidade!  5
Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas
   não tem de mais a aurora!!
Como requinta o brilho a luz dos astros!
como são recendentes os aromas
que se exalam das flores! Que harmonia  10
não se desfruta no cantar das aves,
no embater do mar, e das cascatas,
no sussurrar dos límpidos ribeiros,
na natureza inteira, quando os olhos
do moribundo, quase extintos, bebem  15
   seus últimos encantos!


II

Quando eu guardava, ao menos na esperança,
para o dia seguinte o sol de um dia,
de uma noite o luar para outras noites;
quando durar contava mais que um prado,  20
mais que o mar, que a cascata erguer meu canto,
e murmurá-lo num jardim de amores;
quando julgava a natureza minha,
desdenhava os seus dons: ei-la vingada:
Cedo de vermes rojarei ludíbrio,  25
e vida alardearão fracos arbustos
sobre meu lar de morto! A noite, o dia,
o inverno, o verão, a primavera,
a aurora, a tarde, as nuvens, e as estrelas,
a rir-se passarão sobre meus ossos!  30
Não importa: não é perder o mundo
o que me azeda os pálidos instantes
que conto por gemidos. Meu tormento,
minha dor, é morrer longe da pátria,
da mãe, e dos irmãos que tanto adoro.  35


III

Quando da pátria me ausentei, não tinha
nada, que lhes deixar, que lhes dissesse
o que eram eles dentro de minh'alma.
mendigo, a quem cedi pequena esmola,
deu-me quatro sementes de saudades;  40
ao meu jardim doméstico levei-as,
cavei, reguei a terra com meu pranto,
e plantei as saudades. Soluçando
chamei ali os meus: «Aqui vos deixo
(disse apontando à plantação) em flores  45
minh'alma toda inteira; aqui vos deixo
um tesouro enterrado. Jóias, oiro,
riquezas, não, não tem, porém na terra
estéril não será.» Ondas de pranto
afogaram-me a voz: houve silêncio;  50
palpei de novo o chão; vi que de novo
cavado estava! A terra se afundara,
e as sementes nadavam sobre lágrimas,
que minha mãe e minha irmã choravam...
Replantei-as, orei, beijei a terra,  55
e parti... Trouxe d'alma só metade;
e o coração?... deixei-o num abraço.


IV

Certo estou de que a planta, já crescida,
terá brotado flor. Se ao menos dado
me fosse colher uma... ver a terra  60
pelo pranto dos meus santificada!
Se uma dessas saudades enfeitar-me
viesse a minha essa, ou meu sudário,
ou, pela mão materna transplantada,
encravar-me as raízes no sepulcro...  65
É tão pouco, meu Deus!!... Eu não vos peço
soberbo mausoléu, estátua augusta
de túmulo de rei. Assaz desprezo
   esses gigantes de oiro
com entranhas de pó. Mortalha escassa  70
de grosseiro burel, que bordem lágrimas;
terra só quanto baste p'ra um cadáver,
e as minhas saudades, e entre elas
uma cruz com os braços bem abertos,
que peça a todos preces. Terra, terra  75
perto dos meus e no terrão da pátria,
é só quanto suplico.


V

       A morte é dura,
porém longe da pátria é dupla a morte.
Desgraçado do mísero, que expira  80
longe dos seus, que molha a língua, seca
pelo fogo da febre, em caldo estranho;
que vigílias de amor não tem consigo,
nem palavras amigas que lhe adocem
o tédio dos remédios, nem um seio,  85
um seio palpitante de cuidados
onde descanse a lânguida cabeça!

Feliz, feliz aquele, a quem não cercam
nesse momento acerbo indiferentes
olhos sem pranto; que na mão gelada  90
sente a macia destra d'amizade
num aperto de dor prender-lhe a vida!

Feliz o que no arfar da ânsia extrema
de desvelada irmã piedoso lenço,
úmido de saudades vem limpar-lhe  95
as frias bagas dos finais suores!

Feliz o que repete a extrema prece,
ensinada por ela, e beijar pode
o lenho do Senhor nas mãos maternas!

Desgraçado de mim!... Talvez bem cedo  100
longe de mãe, de irmãos, longe da pátria
tenha de me finar... Ramo perdido
do tronco que o gerou, e arremessado
por mão de Gênio mau à plaga alheia,
mirrarei esquecido! Os céus o querem,  105
os Céus são imutáveis: aos decretos
do Senhor curvarei a fronte humilde,
como cristão que sou. Eternidade,
recebe-me a teu bordo!... Adeus, ó mundo!


VI

Já sinto da geada dos sepulcros  110
o pavoroso frio anregelar-me...
A campa vejo aberta, e lá do fundo
um esqueleto em pé vejo a acenar-me...
Entremos. Deve haver nestes lugares
mudança grave na mundana sorte;  115
quem sempre a morte achou no lar da vida
deve a vida encontrar no lar da morte.

Vamos. Adeus, ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus, que vou viagem de finados...  120
Adeus... adeus... adeus!

Adeus, ó sol que, amigo iluminaste
meu pobre berço com os raios teus...
Ilumina-me agora a sepultura:-
Adeus, meu sol, adeus!  125
Florezinhas, que quando era menino
tanto servistes aos brinquedos meus,
vegetai, vegetai-me sobre a campa:-
Adeus, flores, adeus!

Vós, cujo canto tanto me encantava,  130
da madrugada alígeros orfeus,
uma nênia cantai-me ao pôr da tarde:
Passarinhos, adeus!

Vamos. Adeus ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...  135
Adeus: que vou viagem de finados!...
Adeus!... adeus!... adeus!




ArribaAbajo

A minha vida



I

ArribaAbajo    Este mundo é-me um deserto
por onde um vulcão passou,
e gravada a minha história
em traços negros deixou.

    São-lhes tetos bronzeados  5
escuros, medonhos céus,
onde bramam tempestades
em contínuos escarcéus.

    Só, por ele vai minh'alma,
nos destroços tropeçando,  10
com passo tardio e incerto
tristemente caminhando.

    Marcha... marcha... enfim, cansada
de tão longo caminhar,
nalguma pedra que encontra  15
descansa, e põe-se a chorar.

    Olha o céu... nem uma estrela!
Olha a terra... é negro chão!
Clama em brados por socorro,
só responde o furacão!  20

    Nos olhos seca-lhe o pranto...
Continua a caminhar,
e noutra pedra distante
descansa, e põe-se a chorar.


II

É triste o seu fadário: mas ao menos  25
oh! bálsamo do céu, piedosas lágrimas!
Da infeliz peregrina a dor pungente
um pouco mitigais.
       E só me alento

quando posso chorar: são meus prazeres  30
um banquete de lágrimas! Mil vezes
alegre ter-me-ão visto entre os alegres,
conversando, soltar ditos chistosos
a rir e fazer rir. Um drama a vida
não é? Porque julgar-se do semblante,  35

do semblante, essa máscara de carne
que o homem recebeu para entrar no mundo,
o que por dentro vai? É quase sempre,
se há estio no rosto, inverno n'alma.
Confesso-me ante vós; ouvi, contentes!  40
O meu riso é fingido; sim, mil vezes

com ele afogo os ecos de um gemido
qu'imprevisto me chega à flor dos lábios;
mil vezes sobre as cordas afinadas
que tanjo, o canto meu acompanhando,  45
cai pranto. Oh! praza ao céu qu'inda o não vísseis!

Eu me finjo ante vós, que o fingimento
é no lar do prazer prudência ao triste.
Louco fora por certo o que cantasse
d'exéquias hino em bodas: ou de noiva,  50
qu'em transportes de amor o esposo abraça,
crepe de viuvez lançasse ao tálamo.
Eu me finjo ante vós porque venero
o sublime das lágrimas; conheço-as;
são modestas Vestais, vivem no ermo,  55
aborrecem festins; olhos que o fogo
do banquete acendeu-lhes são odiosos:
Descidas lá do céu, Virgens do Empírio,
têm vestes de cristal, temem manchá-las.
Bem fechadas nos claustros de meus olhos,  60
dentro em meu coração hei de escondê-las,
guardá-las bem de vós, contentes, hei-de,
porque a dor me não traia neste empenho,
zelosa e vigilante sentinela,
em meus lábios trazer constante um riso.  65


III

Hei de fingir-me ante vós,
porque sei que o desgraçado,
se a desgraça não oculta,
é de todos desprezado:

Que o feliz, que goza os frutos  70
dos pomares da ventura,
não conhece o gosto acerbo
da peçonha da amargura;

que aos tristes consoladoras,
palavras nos lábios seus,  75
são as palavras de Cristo
na boca dos Fariseus.


IV

Nestes versos vos dou minha vida:
Minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,  80
longe deles um pranto sem fim.

   É veneno de arábico aroma,
entre fumo sutil disfarçado;
é cadáver de carnes despido,
com vestidos de gala trajado.  85

É sepulcro, onde, o escárnio da morte,
mausoléu majestoso se arvora;
morte, trevas e terra por dentro:
Vida, luzes e pompa por fora.

    Nestes versos vos dou minha vida,  90
minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,
longe deles um pranto sem fim.

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