Glosa
Mote
Quem Feliz-asno se chamade-certo é asno feliz.
Qualquer burro pela lama
5
enterra pata e nariz,
mas este, que com ardis
chegou a ser senador,
é besta d'alto primor,
é decerto asno feliz.
10
Glosa
Mote
Beijo a mão que me condenaa ser sempre desgraçado;obedeço ao meu destino,respeito o poder do Fado.
(Pe. José Maurício)
Sentindo a perseverança
da paixão que me domina,
de achar ao mal medicina
não alimento esperança,
não sinto a menor mudança
15
neste amor tão malfadado;
se este amor exagerado
a mil desgraças me liga,
esta constança me obriga
a ser sempre desgraçado!
20
Há um destino. -A razão
da paixão na imensa vaga
de pronto seu facho apaga,
e nos deixa a escuridão!
Desse destino a impulsão
25
eu sinto se me examino:
sem luz, sem guia e sem tino,
nada cogito, nem quero;
não penso, não delibero,
obedeço ao meu destino.
30
Quando em calma cogitava,
calmo, estudando a verdade,
a razão e a liberdade
sempre fortes, figurava,
mas ai, triste! nem sonhava
35
ver-me um dia neste estado!
Agora desenganado
por tão acerba lição,
mais que ao poder da razão,
respeito o poder do Fado!
40
Glosa
Mote
Ainda no mar do ciúmeFervem centelhas de amor.
Não lhe dissipa o fulgor,
tanto que quando o amador
chora da ingrata o quebranto,
por entre as bagas do pranto
fervem centelhas de amor.
10
Glosa
Mote
Dois corações que se amam,sem falar se comunicam.
E tão bem se verificam
5
com manobras tão seguras
que, trabalhando às escuras,
em falar se comunicam.
Glosa
Mote
Soa o bronze, expira o dia,eu triste fico a gemer;eis qual vive o infelizeis aqui pois, meu viver.
Vendo pois, da natureza
o quadro todo mudado,
comparo-me ao seu estado,
me punge mortal tristeza
já não vendo esta beleza
15
que o sol faz o mundo ter.
Vendo a noite já descer
com suas cores de morte,
lendo nela minha sorte,
eu fico triste a gemer.
20
Assim entregue ao azar
triste vítima do fado,
vivo sempre contristado
e de contínuo a penar;
debalde busco encontrar
25
da felicidade o matiz
tudo que me cerca diz:
«Vê lá das trevas no horror
a imagem triste da dor;
eis qual vive o infeliz.»
30
Ouço a sentença da sorte,
mais se magoa o meu peito,
e ainda à vida sujeito,
lamento não ver a morte,
de dor em vivo transporte,
35
só desejo não morrer;
desejo então mais sofrer,
porém, como sou cativo,
nem posso morrer nem vivo.
eis aqui o meu viver.
40
Glosa
Mote
Junto de uma sepulturaà sombra de seu salgueiro,lamentando a minha sorte,chorei o meu cativeiro.
Ali, triste meditando
em minha cruenta sorte,
parecia estar co'a morte
horas felizes passando.
Da brisa o sussurro brando,
15
corrente do ribeiro,
das flores o grato cheiro
nada achava então suave
era qual dos mortos ave
à sombra de seu salgueiro.
20
Toquei a laje pesada
penetrado de agonia,
sentiu essa pedra fria
minha alma, triste, gelada.
Eis que a voz descompassada
25
ouvi do canto da morte;
pareceu-me em um transporte
seu triste acento escutando,
que também 'stava chorando,
lamentando a minha sorte.
30
Então, já desesperado,
entregue a pungente dor,
conheci todo o rigor
de meu desumano fado;
e nesse penoso estado,
35
à sombra desse salgueiro
que me era tão lisonjeiro
por exprimir minha sorte,
em tristes hinos de morte
chorei o meu cativeiro.
40
Glosa
Mote
Quebrou amor por despeitoas cordas da minha lira.
Com isto não satisfeito,
5
cego nume aceso em ira,
do estro o fogo me tira
e desde o fatal momento
rebentaram sem alento
as cordas da minha lira.
10
Um cartucho de confeito,
num dia de patuscada,
nas ventas da minha amada,
quebrou amor por despeito.
Ela, vendo o tal sujeito,
15
com uma pedra lhe atira;
mas amor, p'ra que o não fira,
faz o corpo desviar
e a pedra foi quebrar
as cordas da minha lira.
20
Glosa
Mote
Pagode sem bebedeiraNão é coisa de rapazes.
Repreendendo-a da asneira
5
lhe disse: «Márcia, o que fazes?»
Ela então, fazendo as pazes,
respondeu-me com carinho;
«gentes, pagode sem vinho
não é coisa de
rapazes.»
10
Glosa
Mote
Ou são quatro as Graças belasOu tu és uma das três.
em certa noite de Reis
e lhe disse uma chalaça:
«Ou há de mais uma Graça,
ou tu és uma das três.»
10
Glosa
Mote
Um só momento de amorfaz feliz um desgraçado.
dá-me, dá-me por favor
5
um suspiro, um ai magoado;
que um ai de amor, temperado
em duro e cruel transporte,
até nas ânsias da morte
faz feliz um desgraçado.
10
Oh! meu Deus, que desconsolo!
Por fora não tem cabelo,
por dentro não tem miolo.
(Edição Melo Braga, p. 344)
Cabeça!... Força é dizê-lo
por fora não tem cabelo,
por dentro não tem miolo.
(Antologia Brasileira, de Werneck, 13ª ed. p. 606)
Cravo, rosa, em jarra fina
5
de ver tenho tido ensejo.
Mas, senhora, flor em tina
é a primeira vez que vejo.
Deus, para provar aos homens
toda a sua autoridade,
10
enviou-nos um bom tempo
que é pior que a tempestade.
Causa pena e causa espanto,
e até mesmo causa dó
ver morder a tanta gente
15
um homem de um dente só.
Para mostrar que é um sábio
e filho de boa gente
e dos passados ministros
ser em tudo diferente,
20
sua Excelência da Guerra
em tudo o que der à luz
em vez de assinar de nome
pretende assinar de cruz.
A peça
Degolação
25
foi mui bem representada.
entre os muitos inocentes
foi a peça degolada.
Cada um de nós no mundo
fazemos nossa figura;
30
tu entisicas as partes
eu me encarrego da cura.
Cheguei-me a ela,
5
tremeu de pejo...
furtei-lhe um beijo,
pôs-se a chorar.
Eram-lhe aquelas lágrimas
na face nacarada
10
per'las da madrugada
nas rosas da manhã.
Santificada
naquele instante,
não era amante,
15
era uma irmã.
Dobrados os joelhos
os braços lhe estendia,
nos olhos me luzia
meu inocente amor.
20
Domina a virgem
doce quebranto,
seca-se o pranto,
cresce o rubor.
Nestes teus lábios
25
de rubra cor,
quando tu ris-te
sorri-se amor.
Dos lindos olhos,
tens o fulgor,
30
se p'ra mim olhas
raios de amor.
De teus cabelos
de negra cor,
forjam cadeias
35
brincando amor.
Neles p'ra sempre,
servo ou senhor,
viver quisera
preso de amor.
40
Rosas que tingem
fresco rubor
nas tuas faces
espalha amor.
Se de minh'alma
45
com todo o ardor,
chego a beijá-las
morro de amor.
Tua alma é pura
celeste flor,
50
só aquecida
por sóis de amor.
Já em ternura,
já em rigor,
dá vida e morte,
55
ambas de amor.
Quando a perturba
casto pudor,
encolhe as asas
tremendo amor.
60
Se do ciúme
sente o fulgor,
em mar de chamas
se afoga amor.
Se me concedes
65
terno favor
terei por lume
somente amor.
Porém no templo
mandarei pôr
70
o teu retrato
em vez de amor.
(Romance)
Foste ingrata aos meus extremos,
5
não te peço gratidão;
perdão -para os meus carinhos,
aos meus amores -perdão!
Eu era ente da terra,
eras um querubim!
10
Deus tirou-te dos seus anjos,
não nasceste para mim.
Perdoa a meus amores
esta estulta elevação;
perdão para os meus carinhos,
15
aos meus amores -perdão!
O crime que cometi
foi muito punido já,
castigou-me o teu desprezo,
maior castigo não há.
20
Castigado, reconheço
quanto é justa a punição.
Perdão -para os meus carinhos,
aos meus amores -perdão!
Pouca vida já me resta!
25
Eu sinto que esta amargura
tão intensa muito cedo
há de abrir-me a sepultura.
Do crime que fiz de amar-te,
vem dar-me a absolvição:
30
Perdão -para os meus carinhos,
aos meus amores -perdão!
Se me adoras, se me queres,
como dizes com ardor,
dá-me um beijo tão-somente
35
em prova do teu amor...
A paixão em que me abraso
dilacera o peito meu...
Dá-me prazer, dá-me vida,
dá-me, dá-me, um beijo teu.
40
Amor anima e acende
em chamas do céu nascidas...
Dois corações num abraço,
em um beijo duas vidas.
Uma vida que me falta...,
45
a metade do meu ser
quero num beijo amoroso
dos teus lábios receber.
Sumiu-se, mas ainda escuto,
seus gemidos, que aflição!
50
E esta mancha deste sangue
não se apaga. Oh! maldição!
Espectro, descansa,
que ao triste homicida
as dores do inferno
55
começam na vida.
Ei-lo ali com o mesmo ferro.
Oh! que terror! que tortura!
Cavando junto a meu leito,
a abrir-me a sepultura.
60
Espectro, piedade;
não caves assim...
Eu dei-te um só golpe
tu mil sobre mim.
Acabou-se a minha crença,
65
sem crença devo morrer:
Quando deixei de crer nela,
no que mais poderei crer?
Onde a verdade
pode fulgir,
70
se até um anjo
sabe mentir?
Como um anjo me jurou,
como um anjo me sorriu,
como um anjo perjurou,
75
quebrou a jura -mentiu!
Onde a verdade...
No olhar e nas palavras
onde a inocência respira,
em tudo que diz -verdade,
80
só encontrei a mentira.
Onde a verdade...
Que mais desejas?
Tudo te dei;
de tudo em troca
85
nada alcancei.
Dei-te meu peito
em pranto e ais;
dei-te minha alma;
que queres mais?
90
Juraste eterna
fidelidade;
seguiu-se à jura
a falsidade.
Em toda parte
95
vejo rivais;
a fé perdi-te,
não creio mais.
Se não me queres,
se não me adoras,
100
quando me queixo
que tens que choras?
Ah! não me prendes
no pranto teu;
não quero um pranto
105
que não é meu.
Mas, oh! perdoa!
Foi ilusão;
dos meus tormentos
tem compaixão.
110
Perdoa, esquece
o meu rigor;
não fere a ofensa
que vem de amor.
Se acaso a mulher que tu amas
5
te tratou com acerbo rigor,
trovador, ah! por isso não chores,
oh! não creias, por Deus, em amor.
O amor da mulher é a nuvem
quando o vento a impele no ar...
10
O amor da mulher é volúvel,
é tão vário qual onda do mar.
O amor da mulher é um frágil
pequenino, adoidado batel,
que vagueia sem norte, sem rumo,
15
té quebrar-se em ignoto parcel.
O amor da mulher é luzerna
numa noite de inverno a luzir;
é estrela do céu entre nuvens
que a furto se vê reluzir.
20
A mulher tem o dom da beleza
tem maneiras que sabem levar...
Mas no meio de seus atrativos
a mulher tem o dom de enganar.
Um exemplo tu tens em Helena
25
que os muros de Tróia abateu,
que infida, deixando o consorte,
para os braços de Páris correu.
A mulher tem feitiço nos olhos
e nos lábios veneno letal;
30
a mulher nos ilude chorando
e sorrindo nos crava o punhal.
O amor da mulher, como a rosa
desabrocha, mas logo fenece;
a quem hoje a mulher idolatra,
35
amanhã menospreza, aborrece.
Trovador, ah! esquece essa ingrata,
não mendigues a sua afeição;
oh! despreza a quem te maltrata,
não suspires por ela mais não!
40
Eu sinto angústias
me sufocar;
não há remédio,
senão chorar.
Eia, choremos;
45
comece o canto;
também cantando
se verte o pranto.
O canto às vezes
é brisa d'alma
50
que o mal consola
e a dor acalma.
E cada letra
que o canto diz,
um ai exprime
55
do infeliz!
O canto é prece
que voa a Deus,
se um triste canta
os males seus...
60
E livre o canto
no ar se isola;
o céu penetra
e Deus consola.
Depois que a ingrata
65
feriu-me tanto,
que de mim fora,
sem este canto!...
Talvez que as chagas
fossem mortais,
70
se as não curasse
com estes ais.
Quando a alma ao infortúnio
5
assim ligado se tem,
como termo da desgraça
a morte não longe vem.
Quando eu deixar de chorar,
quando contente me rir,
10
não se enganem, desconfiem,
que não tardo a sucumbir.
Vem, oh! morte, ver meu pranto.
não receies, podes vir;
choro nos braços da vida,
15
nos teus braços me hei de rir.
Muitas vezes um prazer
que parece de ventura,
não é mais que um riso d'alma
vendo perto a sepultura.
20
O feliz ri-se da vida
por ver nela o seu jardim;
o desgraçado, na morte
por ver da desgraça o fim.
Ah! não deixes que me perca
5
nesta imensa escuridão;
ó anjo que me cegaste,
vem ao menos dar-me a mão.
Ao avistar-te nos olhos
a luz divina senti,
10
e por perder-te de vista,
a minha vista perdi.
Ah! não deixes...
Se eu cair, dá-me teus braços,
dá-me pelo amor de Deus,
15
que talvez recobre a vista
caindo nos braços teus.
Ah! não deixes...
O tempo, que tudo muda
5
não minora a minha dor;
já não tenho primavera,
já não vive a minha flor.
Só encontro no deserto
bafejo consolador;
10
fechai-vos, jardins do mundo,
já não vive a minha flor.
Para as chagas da minh'alma
5
mais dolorosas tornar,
nas chagas cospe desprezos;
não tem dó do meu penar.
Zelando a vida que odeia,
que deseja torturar,
10
não mata, sangra as feridas;
não tem dó do meu penar.
A ingrata, a fementida,
me jurou constante amar;
hoje entregue a meu rival
15
não tem dó do meu penar.
Esse coração ingrato
que nada pode abalar,
petrificando meu pranto
não tem dó do meu penar.
20
Das saudades que na ausência
fizera amor vegetar,
arranca d'alma as raízes
não tem dó do meu penar.
O punhal n'alma me enterra
25
e depois de apunhalar,
conta as gotas, bebe o sangue;
não tem dó do meu penar.
Dos olhos que fitos nela
nunca cessam de chorar,
30
sedenta pede mais prantos;
não tem dó do meu penar.
Nestas veias cujo sangue
muito cedo há de esgotar,
injeta o fel do ciúme;
35
não tem dó do meu penar.
Com meus ais faço no céu
de dor os astros chorar;
Lília, tão perto de mim,
não tem dó do meu penar.
40
Ao ver-me continuamente
de pranto o rosto banhar,
além de aumentar meu pranto,
não tem dó do meu penar.
A mesma morte a quem peço
45
venha meus dias cortar,
cruenta foge de mim;
não tem dó do meu penar.
Em vez de vir compassiva
minha dor aliviar,
50
sorrindo vê o meu pranto;
não tem dó do meu penar.
Busco às vezes negra noite
para meu pranto ocultar;
o dia rouba-me as trevas,
55
não tem dó do meu penar.
De males furor insano
sobre ti vá me vingar,
já que tu, traidora ingrata,
não tem dó do meu penar.
60
Aqui nasceram saudades
5
plantadas por minha mão,
nasceram -devem regá-las
pranto do meu coração.
Pranto amargo de minh'alma
orvalhe bem estas flores...
10
Verta aqui saudosa mágoa
que sinto por meus amores.
Aqui nasceram saudades, etc.
De minha vida a ventura
5
teus lábios guardam consigo,
dá-me um só beijo e verás
se é mentira o que eu te digo.
Como a flor, do sol a um beijo,
se quiseres, podes ver,
10
a minh'alma, semimorta,
num teu beijo reviver.
De minha vida a ventura, etc.
Só esperá-lo me alenta,
me conforta o fado meu;
15
imagina só por isso
quanto pode um beijo teu.
De minha vida a ventura, etc.
Tem coroa de rainha,
5
roxa cor na casca tem,
quando racha, me retrata
a boquinha de meu bem.
Nos meus lábios sequiosos
dum néctar sinto a doçura
10
quando sedento lhe ponho
a boca na rachadura.
Pela primeira vez vi
num jardim pela manhã,
o meu bem que em vez de flores
15
só trazia uma romã.
De ti fiquei tão escravo
De ti fiquei tão escravo
depois que teus olhos vi,
que só vivo por teus olhos,
não posso viver sem ti.
Contemplando o teu semblante
5
sinto a vida me escapar.
num teu olhar perco a vida,
ressuscito noutro olhar.
Mas é tão doce
morrer assim.
10
Lília, não deixes
de olhar p'ra mim.
Num raio de teus olhares
minh'alma inteira perdi.
Se tens minh'alma nos olhos,
15
não posso viver sem ti.
A qualquer parte que os volvas,
minh'alma sinto voar,
inda que livre nas asas,
presa só no teu olhar.
20
Mas é tão doce
prisão assim.
Lília, não deixes
de olhar p'ra mim.
Que era meu fado ser teu
25
ao ver-te reconheci,
não se muda a lei do fado,
não posso viver sem ti.
Por não ver inda completa
minha doce escravidão,
30
se me ferem teus olhares,
choro sobre meu grilhão.
Mas é tão doce
prisão assim.
Lília, não deixes
35
de olhar p'ra mim.