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No álbum de uma veneziana

Bem quisera, oh bela virgem,

hoje extrair de meu peito

algum suave perfume,

em sinal do meu respeito.

Quisera na minha lira
5

cadenciar algum hino,

com que louvasse os encantos

desse teu rosto divino.

Mas temo, temo que o peito,

de gemer já fatigado,
10

em vez de cantar, exale

um suspiro magoado.

Ah! temo, temo, acredita,

que a minha fúnebre lira,

em vez de entoar um hino,
15

só triste nênia desfira.

Ah! tu cuidas, bela virgem,

que é feliz todo o vivente?

Inda estás no albor da vida,

tens uma alma inda inocente.
20

Não; tu me vês peregrino,

errando de terra em terra:

Mas, oh virgem, tu não sabes

que dor o meu peito encerra.


Veneza, maio, 1835

A meu amigo D. J. G. de Magalhães

   Como é bela a Natura!

Pode o parto de um gênio em febre intensa

   rivalizar tais cenas?

   Ver das águas a queda ruidosa

   deslizar entre seixos, formando
5

   de cristal mil festões, que se esmaltam

   da palheta do íris, pintando

retab'los, onde o toque da mão mestra

em matiz variado delineia

sucessivas belezas, como a idéia,
10

que outra idéia desperta, vinculando

das sensações o quadro reanimado;

onde terna saudade em ledo arroubo,

   volteia esperançosa

sobre as asas divinas da memória,
15

que em seu grêmio renova eras passadas;

misteriosa fênix de nossa alma!

   Propércio e Cíntia,

   Catulo, Horácio,

   mecenas, tudo
20

   do antigo Lácio

patente sobre as ruínas vejo errarem,

como nuvens de fósforo cerúleo,

ou vapores num lago, matutinos,

ou nas selvas noturnos pirilampos.
25

E tu, oh linda Zenóbia,

que com teu pranto nutriste

estas águas sempiternas,

e solitária carpiste

tua coroa, teu cetro,
30

armadas, marmóreos paços,

vastos templos de Palmira,

que Roma fez em pedaços.

Já foste Paládio, e ídolo

do teu povo soberano;
35

mas quebrou-te o templo, as aras,

o iconoclasta Romano.

Vem, princesa desgraçada,

vem solitária comigo,

vem chorar a antiga glória,
40

que eu também choro um amigo.

Se ora invoco teus manes neste ensejo,

não turbo as régias cinzas, que humilhadas

no exílio findaram sem momento.

Como tu, solitário a vida gemo,
45

e a passada ventura, que gozara,

entre amicais amplexos, venturoso.

Mas que voz na soidão remonta aos ares?

Celeste Querubim baixa do céu,

e na flauta divina exalta o hino,
50

que a terra a Jeová diurna envia.

Mas não; alto prodígio se levanta;

   providente Natura

companheiro me envia; alado vate,

   Homero da floresta,
55

em melódico metro, o estro exalça,

meus suspiros conforta, adoça as mágoas.

Salve, oh vate Rouxinol,

salve, à luz misteriosa

deste archote, que de noite
60

faz a terra duvidosa.

Salve, oh Lua alvinitente,

mãe de amor, do vate amante,

do silêncio grata esposa,

salve, salve neste instante!
65

Mas quem turba teu manto de silêncio,

e a voz levanta em prolongado ronco?

   São as do Anio

   tartáreas águas,

   que sempre vivem
70

   quais minhas mágoas.

   Da história imagem,

   das estações

   vivo retrato

   seus borbotões;
75

   qual vida, e morte,

   de vaga em vaga,

   se esconde, e surge,

   se acende, e apaga.

Assim batem as águas rugidoras,
80

que os átomos confundem, dilatando

a contínua torrente, que retrata

   do infinito a imagem!

Onde está o infinito, oh Deus Eterno?

Esse marco onde esbarra a mente humana,
85

que sem tino volteia titubante,

e no abismo do peito se aprofunda,

face a face encontrando a consciência?

Oh consciência, ao teu clarão se rasga

o véu das ilusões! Ele nos mostra
90

das paixões o troféu dentro do túmulo,

e ao pé quadro da vida, que demonstra

o nada da vaidade, e o desengano

   majestoso sentado

na cadeira da escola da verdade,
95

donde colhe a virtude os seus ditames!

Pálida Lua, teus suaves raios,

que plácidos se esbatem nas campinas,

e as fugitivas ondas argenteiam,

da consciência nossa a imagem pintam,
100

que fala ao coração com tal potência,

sem nos lábios volver um som de frase.

Misterioso acento, alta harmonia

desenvolve a Natura em seus concertos.

Enquanto a voz uníssona do Anio,
105

que em equóreos cilindros vai rolando,

   e entre seixos ribomba,

de medonho fragor o ar pejando;

canoro rouxinol prelúdio exalta,

e sublime se acorda ao som horrível,
110

que as águas tangem em contínuos vórtices

entre o limo, e as areias das cavernas,

variando as estrofes; lá prolonga

suavíssimo gorjeio, que se perde

em ventrílocos ecos; quais soluços
115

de enamorada virgem, que receia

do coração trair ternos afetos.

Volve a paz, o silêncio, ronca a onda

   em perpétuo murmúrio;

da fadiga repousa alado vate,
120

e inspirada canção alto redobra.

Mais sublime retoma o retornelo,

em agudos sibilos elevando-se;

quebra a voz; vem morrendo suspiroso;

doce, e doce remonta, enche o espaço;
125

majestoso se espraia, floreando;

qual rojão que remonta além das nuvens,

e no ar arrebenta um firmamento

de efêmeras estrelas luminosas.

Volve a paz, o silêncio, ronca a onda
130

   em perpétuo murmúrio;

da fadiga repousa alado vate,

e inspirada canção alto redobra.

Melancólico entoa em nova escala

amorosa canção, que invejam dúlias:
135

té que alfim tiritando se arrebata,

entrecorta o trinado, e pouco a pouco

em fluente florido se evapora.

Volve a paz, o silêncio, ronca a onda

   em perpétuo murmúrio;
140

da fadiga repousa alado vate,

e inspirada canção alto redobra.

Mesclado efeito de sublimes notas,

ora forte, ora lento vai soltando;

finge o pranto, sorri-se, e desenvolve
145

insólita harmonia, que assimilha

batalhões com clarins, rufos, e tímbalos;

emaranha um confuso regorjeio,

que se perde num som prolongadíssimo.

Triunfante cala a cítara,
150

desaparece qual relampo;

ronca a onda sempre a mesma,

e o silêncio toma o campo.

Oh Rossini das aves, tu que buscas

   a soidão, o silêncio,
155

pra teu canto esmaltar sem o marulho

da vigília do dia; e como um gênio,

que no leito desdobra mil prodígios

ao cansado mortal em grato sonho,

   nesta hora me recordas
160

ao coração lanhado imagens ternas,

tão tristes, que ante mim se desenrolam

   qual penacho de fumo

de apagado brandão junto ao esquife,

que um cadáver de virge'avaro oculta.
165

Oh Rossini das aves, que linguagem

teu discurso soltou? Não é da terra.

   Ah! cantas porventura

os fastosos anais, a decadência,

os triunfos, e a queda dos Romanos?
170

A saudade, as delícias da amizade,

ou a história amorosa de uma vítima?

Marmóreos átrios, áureos peristilos,

conquistas dessa indústria, que assoberba

a terra, o mar, os montes, e os abismos,
175

tudo o tempo desfez co'a mão dos séculos.

   Sibilinas paráfrases

   de místicos oráculos,

que o futuro previam, não previram

   essa mãe de desastres
180

   cimitarra de Totila,

que a Palestra, o Ninfeu, a Academia,

e mais d'arte primores derrocara

nesse mundo do belo, que Adriano

colocara engenhoso sobre a encosta
185

das ridentes colinas, que te adornam,

   oh decantada Tibur!

Qual túmulo sagrado, o viajante

vem teu solo beijar, e espavorido

desses restos augustos que te cobrem,
190

vai na pátria narrar tais maravilhas,

maldizendo a ignorância, e Caracala.

Esta, outrora soberba, áurea cidade

minha imagem retrata em quadro icônico!

Onde está teu Liceu, onde o teu Foro?
195

Os teus templos, e muros formidáveis?

Que sepulcro encerrou os Paladinos?

Eleva, eleva moles gigantescas,

pelo gênio das artes inventadas,

oh vaidoso mortal! marca os teus fastos
200

com marmóreos padrões; que o dia chega

em que, a um leve aceno do destino,

com teus paços irás dormir na terra.

Novos combros de areia gera um vento,

que outro vento derruba, nivelando-os.
205

   Muros reticulares

   de calcinada argila,

que arrendadas abóbadas sustentam,

de grinaldas de amoras adornados,

em vão querem mostrar primeva pompa.
210

Onde outrora tangeu Horácio a lira,

e Tibulo chorou ternos amores,

   mortais serpes se enroscam,

aguardando findar pastor incauto,

que a fadiga do sol chama ao repouso.
215

Sobre o alto das colinas,

que em torno ao Anio vecejam,

vis choupanas, restos sacros,

inda glória mal lampejam.

Teus acantos de Corinto,
220

e o teu luxo oriental,

jazem na terra, e aos insetos

servem hoje de pousal.

Mas, oh Deus, se a vista volvo

ao Catilo, e suas águas,
225

lá no templo da Sibila

vão findar as minhas mágoas.

Supina Tibur, espraia

no horizonte larga vista,

vê como geme na terra
230

a Rainha da conquista.

Como tu, mudei de aspecto;

já me viste rico, ufano,

quando junto ao meu amigo

te saudei lá do Lucano.
235

Onde vás, Peregrino estudioso?

Em que albergue feliz pedes pousada?

Acaso sobre um túmulo deserto

entre rotos sofitos,

na cítara brasília merencório
240

teus suspiros a Deus grato sublimas?

E baixando ao amigo, também sentes

no ádito do peito,

como ele, trespassar-te agra saudade,

que fere o coração, e ilude a mente?
245

Se a mansão de Petrarca,

nas Colinas Euganeas, visitares,

no marmóreo portal grava estas linhas:

«Se junto, ou longe

da Laura diva
250

a lira altiva

tangeste sempre:

Qual tu, o amigo

sSaudoso agora,

de mim se lembra,
255

e por mim chora.»


Tivoli, maio de 1835

Em resposta a meu amigo M. de Araújo Porto Alegre

Não era noite, nem o sol brilhava;

mas do céu as estrelas rutilantes

com branda luz os ares perfumavam;

e nas águas azuis, dormentes águas,

que Veneza circulam com cem braços,
5

os celestes fanais, e a casta lua

suas belas imagens balançavam.

outro céu esse lago parecia.

Eram dous céus! Veneza em meio estava,

como um astro que parca luz emana.
10

O leão de São Marcos inda eu via;

a torre esbelta, o gótico palácio,

   e a ponte dos suspiros.

Mas tudo, tudo

deixar devia,
15

antes que o dia

amanhecesse,

e desfizesse

quadro tão belo.

A mão do escravo
20

obediente

maquinalmente

já martelava

o fatal bronze;

pancadas onze
25

o ar vibrava.

Triste e choroso

teus versos lia,

e de saudade

me enternecia.
30

Teus versos lendo,

fantasiava

que te escutava;

e que assentado

inda a meu lado
35

te estava vendo.

Já para responder-te preparado

a amizade invocara,

e cravados no céu os olhos tinha.

Mas a hora fatal gelou-me o arroubo!
40

Alerta o gondoleiro me esperava;

partir... deixar Veneza era forçoso.

Co'os teus versos nas mãos, tu em minha alma,

na gôndola pus pé; saudei Veneza;

e co'os olhos em lágrimas nadando:
45

   Adeus, Veneza, eu disse,

adeus, adeus, marítima cidade;

decaída Rainha do Adriático.

   Eu suspirava ainda;

a gôndola do cais se ia afastando,
50

e do grande canal sulcando as águas,

quando vozes ouvi: era o barqueiro,

que ao compasso do remo recitava,

com monótona voz, porém saudosa,

to vate de Sorrento os doces carmes.
55

   Tudo então repousava;

veneza ao longe iluminada eu via,

   como um céu estrelado.

O esquife brandamente deslizava,

as sonolentas águas despertando,
60

qual negro mergulhão de argênteo rostro,

ou qual cisne de luto revestido.

Por que tão curta foi noite tão bela?

Ah! quem nunca deixou pátrias devesas,

quem de um amigo não chorou a ausência,
65

   nem de uma amante a perda,

gozar não pode em solitária noite

esta doce impressão, que alma sufoca.

   Tomei terra em Fusina;

arqua deixei, onde habitou Petrarca;
70

ábano, que por ser de Lívio pátria,

   ainda hoje se ufana;

e na crastina aurora saudei Pádua,

ao som da melodia encantadora,

que ao sol nascente o rouxinol tributa.
75

Pela segunda vez vi seus palácios,

seu templo semi-árabe, que outrora

de Antônio repetiu sacros acentos.

Visitei de Vicenza os monumentos.

Em Montebelo recordei prodígios
80

   do armipotente Lannes.

Eis-me em Verona alfim, oh caro amigo!

Já vi seus mausoléos,e o anfiteatro,

que Roma, e o Coliseu me está lembrando;

o Coliseu, que juntos vezes tantas
85

ao triste albor da lua visitamos!

Tudo a memória,

doce tormento,

neste momento,

me está narrando,
90

sem omissão;

e a cada folha

da nossa história,

que vai passando,

pungente espinho
95

me vai varando

o coração.

Sempre a teu lado

vivi contente;

a ti ligado,
100

uma vontade

só nos unia;

vera amizade

nos apertava.

Se triste estava,
105

tu me alegravas;

em ti vivia,

contigo ria.

Se me dizias:

sou teu amigo,
110

eu como um eco

te repetia.

Era um exemplo

nossa união.

Mas quis a sorte,
115

sempre inimiga,

atormentar-nos,

e separar-nos

por algum tempo;

desde esse instante
120

a dor pintou-se

no meu semblante;

mas só a morte

dará um corte

ao laço santo,
125

que nos prendeu;

se poder tanto

o justo céu Lhe concedeu.

Vai, meu suspiro,

vai ver o amigo,
130

que te deseja

no seu retiro.

À Roma adeja,

deixa-a, e te inclina

à Palestrina;
135

chega ao abrigo

onde ele pousa;

aí repousa,

suspiro meu.


Verona, 12 de maio de 1835

Por que estou triste?

Ah! não queiras saber por que suspiro;

por que geme minha alma, como a rola,

que outro canto não tem senão queixumes,

   com que magoa os ares.

Ah! não me inquiras... Se chegar tu podes,
5

ao través de meus olhos, à minha alma,

verás que o rosto meu assaz explica

   o que nela se passa.

Dirás, talvez, que injusto me lastimo;

qu'inda possuo um pai, qu'inda mãe tenho,
10

qu'inda um amigo aperta-me em seus braços,

   e proscrito não erro.

Mas que importa tesouros tais possua,

se gozá-los não posso? Se na ausência,

da saudade o farpão continuamente
15

   o peito me trespassa?

De gota em gota o matutino rócio

enche, e pende do lírio o débil cálix,

que oprimido co'o peso se lacera,

   desbota, e alfim falece.
20

Uma gota após outra um lago forma,

novas gotas de chuva o lago aumentam,

transborda enfim, e dá a um rio origem,

   que nas planícies rola.

Eis de meu coração a fida imagem.
25

Repetidos pesares pouco a pouco,

males amontoados desde a infância

   a existência me azedam.

Procuro embalde no festim da vida

um lugar para mim. Se uno meu canto
30

ao hino de alegria, a voz me falta,

   e o coração suspira.

Oh Ancião de Téos, feliz foste;

por amores contavas os teus dias!

Dias ditosos! Eu os meus numero
35

   só pelos meus pesares.

Mal vibravas da lira os fios de ouro,

para de heróis cantar preclaros feitos,

em vez de ressoar de Atride o nome,

   amor, dizia a lira.
40

E eu, oh destino! se de Amor intento

terno o nome entoar, rebelde a lira

só suspiros exala, e as cordas gemem

   ao toque de meu dedo.

Suspirar, suspirar... Tal é meu fado!
45

Por que o céu fez-me assim? Ao céu pergunta,

por que deu ele ao sol ígneos fulgores,

   e palidez à lua?

Enquanto o sabiá doce gorjeia,

gemem na praia as merencórias ondas;
50

e ave sinistra, negra esvoaçando,

   agoureira soluça.

Ao lado do cipreste verde-negro,

desabrocha a corola purpurina

a perfumada rosa; e junto dela
55

   pende a roxa saudade.

Eleva-se a palmeira suntuosa,

e desdobra nos ares verdes leques,

e perto da raiz, à sombra sua,

   definha humilde arbusto.
60

Eis da Natura o quadro! Isto harmonia,

isto beleza, e perfeição se chama!

Eu completo a harmonia da Natura

   co'os meus tristes suspiros.

Vê agora se à lei posso eximir-me
65

que a suspirar me obriga?... Oh alma minha,

arpeja a que possuis, única fibra,

   exala teus suspiros.


Turim, 15 de maio de 1835

A flor suspiro

Eu amo as flores

que mudamente

paixões explicam

que o peito sente.

Amo a saudade,
5

o amor-perfeito;

mas o suspiro

trago no peito.

A forma esbelta

termina em ponta,
10

como uma lança

que ao céu remonta.

Assim, minha alma,

suspiros geras,

que ferir podem
15

as mesmas feras.

É sempre triste,

ensangüentado,

quer seco morra,

quer brilhe em prado.
20

Tais meus suspiros...

Mas não prossigas,

ninguém se move,

por mais que digas.


A experiência

Experiência! Médico tardio,

tua voz útil fora, se mais cedo

   em nossa alma soasse!

De tropeço em tropeço vai-se a vida,

como o rio entre seixos se despenha;
5

   nada o curso lhe tolhe.

Das paixões o marulho estrepitoso,

como o som da cascata caudalosa,

   cobre, abafa teu eco.

Em jogo pueril, vendando os olhos,
10

o infante, na planice, embalde ensaia

   da estrada andar em meio.

Ângulos forma; alfim se esbarra a um tronco;

assim andamos nós olhivendados

   pela estrada da vida!
15

Cai-nos a venda do barranco às bordas,

quando nas suas lúbricas crateras

   já nossos pés deslizam.

Vem a velhice, que melhor te escuta,

refletimos então; porém que importa!
20

   O tempo é já passado!

Do que serve ao cadáver o remédio?

um mestre ao moribundo? um guia àquele,

   que marcha ao cemitério?


Os suspiros da pátria

Donde vêm estes suspiros?

Donde vêm tão magoados?

Que a mim chegam tão quebrados!

Que peito os pôde conter?

Que distância eles venceram?
5

Que longos mares passaram?

Que ventos atravessaram,

para aqui virem morrer?

Estes tão tristes suspiros

aqui não foram nascidos;
10

não; suspiros tão doídos

quem podia aqui gerar?

Só uma mãe malfadada,

que vê seus filhos lutando,

nos céus os olhos fitando,
15

assim pode suspirar.

Numa praia solitária

bate a vaga moribunda

menos triste e gemebunda,

pejando o ar de seus ais.
20

Vós, gemidos dos desertos,

entre as folhas vagueando,

nas cavernas ululando,

tanto horror vós não causais.

Suspiros, donde vindes? -Mal vos ouço,
25

em meu peito murmura o eco vosso

surdo, funéreo, como a voz que soa

longe no ermo, da enchente que se arroja

de alpestre rocha, em borbotões fervendo,

e se esconde da terra nas entranhas;
30

e minha alma estremece apavorada,

como de uma harpa a corda magoada.

Suspiros, donde vindes? -Sois da Pátria?

Ah! sois da Pátria... Sim, eu vos conheço

por esse acento de aflição, de angústia,
35

por esta dor, que me causais, tão agra.

   Tu suspiras, oh Pátria!

Co'os teus os meus suspiros se misturam.

   E que al fazer eu posso?

Se é surda a Providência às preces tuas,
40

que pode a frágil mão de um filho inútil?

Os teus suspiros

a mim chegaram,

e me abalaram

o coração.
45

Socorro dar-te

embalde intento,

e só aumento

minha aflição.

Qual naufragante
50

que uma onda impele,

outra o expele

ao alto-mar;

e de onda em onda

sendo rolado
55

já lacerado,

vai encalhar.

Mas na praia não achando

um asilo protetor,

o alento último exala,
60

e a alma envia ao Criador.

Assim morreis, suspiros, em minha alma,

depois de haver o Oceano magoado.

Mas, oh Pátria, quem causa mágoas tuas?

Ah! não fales, não digas... sofre... espera.
65

Eu conheço teu mal. Ah! não são estes,

qu'inda os pulsos têm lívidos dos ferros,

recém-livres, costumes têm de escravos,

estes não são, que ao teu porvir brilhante

as portas abrirão; são os seus filhos.
70

Espera, espera, que o porvir é grande;

e a vontade do Eterno, que os teus montes,

o teu céu, os teus rios nos revelam,

será cumprida um dia: espera, espera.

Ainda ontem te ergueste de teu berço;
75

   mal um passo ensaiaste,

e não é crível que amanhã já morras.

Como em torno do sol os astros giram

   em círculo perpétuo,

em torno do seu Deus as Nações marcham,
80

e de tal Astro à luz jamais se eclipsam;

crê em Deus; que ele só salvar-te pode.

E vós, que a fronte ergueis de nós à cima,

vós, que empunhais da governança o leme,

vós, que velar deveis, até quando
85

fareis da Pátria o patrimônio vosso,

   e tolhereis seus passos?

Corai, corai de pejo, envergonhai-vos

de encher o excelso assento de poeira,

de poeira que sois, que um leve sopro
90

dispersa, e acaba, e nem vestígios deixa

   para o crástino dia.

Nulidades, que humanas formas cobrem,

empolas, que se geram num minuto,

e que noutro minuto se desfazem,
95

como bolhas de espuma, que brincando,

de tênue tubo o infante cair deixa,

e no meio da queda desaparecem;

que fizestes, que em vossa glória fale?

Nada!... Passastes como secas folhas,
100

   que os ventos remoinham.

Basta, enfim basta de ilusão, de engano.

   mira a Pátria a grandeza;

vós a empeceis; deixai o campo livre

à Juventude, do progresso amiga.
105

Eu vos saúdo, Geração futura!

   Só em vós eu confio.

   Crescei, mimosa planta,

sobre a terra da Pátria só regada

   com lágrimas e sangue.
110

crescei, crescei da liberdade, oh filhos,

para a Pátria salvar, que vos aguarda.


O homem probo Evaristo Ferreira da Veiga

Tudo está profanado!

As vestes da virtude o vício adornam;

da lisonja nas aras arde o incenso

que só devera embalsamar o templo!

Murchas flores, que a fronte ao vício ornaram,
5

atiram-se em despeito ao altar do Eterno.

   Tudo está profanado!

Levanta a estupidez a hirsuta coma

   coberta de poeira,

e a sacode no rosto da Ciência,
10

ou no alcáçar da lei se assenta ufana;

a Moral a seus pés serve de sólio,

   de cúpula o capricho.

   Tudo está profanado!

   A cívica coroa
15

dá-se à ambição, que sobe intumescida

como a onda do mar, e tudo alaga.

Exauriram-se os nomes das virtudes,

e um só não há que ao crime se não desse.

Os lugares são prêmios da baixeza,
20

da feia adulação, da vil intriga!

O hino cantam da vitória; e a Pátria

geme aflita co'o peso da ignorância

dos homens, cuja estrela é o egoísmo;

e até a lira, para mor opróbrio,
25

   vendidos sons só verte!

   Tudo está profanado!

Como posso louvar-te, ilustre Veiga,

santuário da honra foragida?

Que nome te darei? que flor? que incenso?
30

Como o bronze que soa em torre excelsa,

   chamando a Deus os homens,

tu bradaste, pregaste o amor da Pátria;

a teus brados os homens surdos foram,

   e tu enrouqueceste.
35

   Apóstolo da ordem,

caíste, enfim caíste! -Mas com glória!

Caíste, mas sem nódoa! Sim, caíste!

Mas Sócrates também sofreu a morte!

Qual se vê nas cidades arrasadas,
40

o templo solitário, esparsos bustos,

rotas colunas, capitéis dispersos,

combros de terra, montes de ruínas;

e no meio, inda envolta de poeira,

uma estátua, que o tempo respeitara,
45

e que os olhos atrai do peregrino;

assim te eu vejo em pé! e assim um dia

a geração futura, pesquisando

no meio das relíquias desta idade

alguma cousa inteira, pura e bela,
50

sacudirá o pó, que hoje te lançam,

e dirá: Eis aqui um Homem probo.

   Mas que digo? -Ainda vives!

Envenena-se a flor, se a serpe a morde,

e a virtude definha, conculcada!
55

Mas tu amas a Pátria, como eu amo;

   amas com amor puro,

sem mescla de interesse, como se ama

uma mãe terna, que não tem tesouros,

mas só lágrimas tem para legar-nos.
60

Ah! praza ao céu que a estrada em que brilhaste,

   seja aquela em que morras.


A Bíblia em um dia de tristeza

É qual estreito vaso o peito humano,

que trasborda, ou se quebra, se fermenta

   o veneno que encerra.

De gota em gota o fel da desventura

n'alma a tristeza vai-nos embebendo,
5

té que o corpo converte-se em masmorra,

   de que a alma fugir busca.

Oh! quem vê uma flor que em prado brilha,

parecendo exalar vida, e doçura,

e rir-se em cada pétala viçosa,
10

   acaso dizer pode

se ela foi pela serpe inficionada?

Se em vez de vida, a morte só lhe lavra

   o delicado estame?

Quem pode ver o formigueiro oculto,
15

que o humano coração rói, e lacera?

Se eu sofro, ou não, só eu, só Deus o sabe.

mas feliz quem nos seios de sua alma

acha uma grande idéia que o consola,

como uma taça de suave néctar,
20

que lhe acalma as entranhas sequiosas.

Quem se resigna à dor não sofre tanto.

que veneno aí há que um bem não faça?

Ou que remédio que não cause um dano,

segundo o caso, e leve circunstância,
25

que à vista perspicaz escapa às vezes?

Não, não és tu, Filosofia humana,

   quem me robora o peito!

Sábias lições de sofrimento ditas;

mas o valor acaso dar tu podes?
30

Quantas vezes o mal frustra a ciência!

pura fonte conheço, inexaurível,

onde sempre o infeliz adoça as dores.

Livro sagrado,

vem consolar-me,
35

vem saciar-me

na minha dor.

Meu peito ansiado

de ti carece,

sem ti falece
40

o meu vigor.

A ti recorro

triste e sedento,

que este tormento

me faz gemer.
45

Dá-me socorro

no mal extremo,

vem, senão temo

à dor ceder.

Cada palavra,
50

que me vás dando,

é qual um brando,

suave mel.

Já em mim lavra

a paz do empíreo;
55

do meu martírio

se adoça o fel.


Julho de 1836

Ao Coronel Antônio de Sousa Lima de Itaparica

Oferece o autor o Cântico de Waterloo

Quem melhor que um herói sopesar pode

as cinzas de outro herói? Quem melhor que ele

pode dar o valor aos grandes feitos?

Tu vás a Waterloo; tu vás sentar-te

aos pés desse leão, que as mãos dos homens
5

sobre vasta pirâmide elevaram,

para narrar às gerações futuras

raros prodígios da potência humana.

Intrépido soldado peregrino,

que depois de salvar Itaparica,
10

guardaste na bainha a espada ufana,

e as ciências cultivas incansável;

a teus olhos, de ver insaciáveis,

já vai a terra parecendo estreita!

Se te é grato escutar os sons da lira;
15

se tu, que viste de Virgílio o túmulo,

de Horácio a casa, e a casa de Mecenas,

podes com gosto murmurar meus versos,

este cântico aceita, que te ofreço

em sinal de respeito, e de amizade.
20


Napoleão em Waterloo

Tout n'a manqué que quand tout avait réussi.

Napoleão em S. Helena (Memorial)



Eis aqui o lugar, onde eclipsou-se

o Meteoro fatal às régias frontes!

E nessa hora em que a glória se obumbrava,

além o sol em trevas se envolvia!

Rubro estava o horizonte, e a terra rubra!
5

dous astros ao ocaso caminhavam;

tocado ao seu zênite haviam ambos;

ambos iguais no brilho, ambos na queda

tão grandes como em horas de triunfo!

Waterloo!... Waterloo!... Lição sublime
10

este nome revela à Humanidade!

Um Oceano de pó, de fogo, e fumo

aqui varreu o exército invencível,

como a explosão outrora do Vesúvio

até seus tetos inundou Pompéia.
15

O pastor que apascenta seu rebanho;

o corvo que sanguíneo pasto busca,

sobre o leão de granito esvoaçando;

o eco da floresta, e o peregrino

que indagador visita estes lugares:
20

Waterloo!... Waterloo!... dizendo, passam.

Aqui morreram de Marengo os bravos!

Entretanto esse Herói de mil batalhas,

que o destino dos Reis nas mãos continha;

esse Herói, que co'a ponta de seu gládio
25

no mapa das Nações traçava as raias,

entre seus Marechais ordens ditava!

O hálito inflamado de seu peito

sufocava as falanges inimigas,

e a coragem nas suas acendia.
30

Sim, aqui stava o Gênio das vitórias,

medindo o campo com seus olhos de águia!

O infernal retintim do embate de armas,

os trovões dos canhões que ribombavam,

o sibilo das balas que gemiam,
35

o horror, a confusão, gritos, suspiros,

eram como uma orquestra a seus ouvidos!

Nada o turbava! -Abóbadas de balas,

pelo inimigo aos centos disparadas,

a seus pés se curvavam respeitosas,
40

quais submissos leões; e nem ousando

tocá-lo, ao seu ginete os pés lambiam.

Oh! por que não venceu? -Fácil lhe fora!

Foi destino, ou traição? -A águia sublime

que devassava o céu com vôo altivo
45

desde as margens do Sena até ao Nilo,

assombrando as Nações co'as largas asas,

por que se nivelou aqui co'os homens?

Oh! por que não venceu? -O Anjo da glória

o hino da vitória ouviu três vezes;
50

e três vezes bradou: -É cedo ainda!

A espada lhe gemia na bainha,

e inquieto relinchava o audaz ginete,

que soía escutar o horror da guerra,

e o fumo respirar de mil bombardas.
55

Na pugna os esquadrões se encarniçavam;

roncavam pelos ares os pelouros;

mil vermelhos fuzis se emaranhavam;

encruzadas espadas, e as baionetas,

e as lanças faiscavam retinindo.
60

Ele só impassível como a rocha,

ou de ferro fundido estátua eqüestre,

que invisível poder mágico anima,

via seus batalhões cair feridos,

como muros de bronze, por cem raios;
65

e no céu seu destino decifrava.

Pela última vez co' a espada em punho

rutilante na pugna se arremessa;

seu braço é tempestade, a espada é raio.

Mas invencível mão lhe toca o peito!
70

E' a mão do Senhor! barreira ingente

basta, guerreiro! Tua glória é minha;

tua força em mim stá. Tens completado

tua augusta missão. -És homem;- pára.

Eram poucos, é certo; mas que importa?
75

Que importa que Grouchy, surdo às trombetas,

surdo aos trovões da guerra que bradavam:

Grouchy, Grouchy, a nós, eia, ligeiro;

O teu Imperador aqui te aguarda.

Ah! não deixes teus bravos companheiros
80

contra a enchente lutar, que mal vencida

uma após outra em turbilhões se eleva,

como vagas do Oceano encapelado,

que furibundas se alçam, lutam, batem

contra o penedo, e como em pó recuam,
85

e de novo no pleito se arremessam.

Eram poucos, é certo; e contra os poucos

armadas as Nações aqui pugnavam!

Mas esses poucos vencedores foram

em Iena, em Montmirail, em Austerlitz.
90

Ante eles o Tabor, e os Alpes curvos

viram passar as águias vencedoras!

E o Reno, e o Manzanar, e o Adige, e o Eufrates

embalde à sua marcha se opuseram.

Eram os poucos, que jamais vencidos
95

os dias seus contavam por batalhas,

e de cãs se cobriram nos combates;

o sol do Egito ardente assoberbaram,

a peste em Jafa, a sede nos desertos,

a fome, e os gelos dos Moscóvios campos.
100

Poucos que se não rendem; -mas que morrem!

Oh! que para vencer bastantes eram!

A terra em vão contra eles pleiteara,

se Deus, que os via, não dissesse: Basta.

Dia fatal, de opróbrio aos vencedores!
105

Vergonha eterna à geração que insulta

o Leão que magnânimo se entrega.

Ei-lo sentado em cima do rochedo,

ouvindo o eco fúnebre das ondas,

que murmuram seu cântico de morte.
110

Braços cruzados sobre o largo peito,

qual náufrago escapado da tormenta,

que as vagas sobre o escolho rejeitaram;

ou qual marmórea estátua sobre um túmulo.

Que grande idéia o ocupa, e turbilhona
115

naquela alma tão grande como o mundo?

ele vê esses Reis, que levantara

da linha de seus bravos, o traírem.

Ao longe mil pigmeus rivais divisa,

que mutilam sua obra gigantesca;
120

como do Macedônio outrora o Império

entre si repartiram vis escravos.

Então um riso de ira, e de despeito

lhe salpica o semblante de piedade.

O grito ainda inocente de seu filho
125

soa em seu coração, e de seus olhos

a lágrima primeira se desliza.

e de tantas coroas que ajuntara

para dotar seu filho, só lhe resta

esse Nome, que o mundo inteiro sabe!
130

Ah! tudo ele perdeu! a esposa, o filho,

a pátria, o mundo, e seus fiéis soldados.

Mas firme era sua alma como o mármore,

onde o raio batia, e recuava!

Jamais, jamais mortal subiu tão alto!
135

ele foi o primeiro sobre a terra.

Só, ele brilha sobranceiro a tudo,

como sobre a coluna de Vendôme

sua estátua de bronze ao céu se eleva.

Acima dele Deus, -Deus tão-somente!
140

Da Liberdade ele era o mensageiro.

Sua espada, cometa dos tiranos,

foi o sol, que guiou a Humanidade.

Nós um bem lhe devemos, que gozamos;

e a geração futura agradecida:
145

NAPOLEÃO, dirá, cheia de assombro.


18 de junho de 1836

Ao general Lafaiete

Nascido em virgem plaga Americana,

onde da independência o livre sopro

   os homens vivifica;

onde de azul cetim num céu sem nódoa

lúcido gira o disco coruscante,
5

   que ao vate o gênio inflama;

sem que do medo a destra me agrilhoe,

porém venerabundo, a mente exalço

   ao herói de dous Mundos.

Tu, da glória no céu, não dado a muitos,
10

rutilas fulgurante a par de Washington,

   co'a luz que a liberdade

de seu divino rosto escapar deixa,

qual cometa fatal à tirania.

   Oh grande Lafaiete!
15

Oh portentoso nome! honra da França!

Nome, que no orbe cresce, como em bosques,

   altos, frondosos cedros

nos alcantis do Líbano se elevam,

e as tormentas, e os raios assoberbam
20

   contra eles fulminados.

De nós aprenderão os filhos nossos

a repetir teu nome, ainda no berço,

   com inocentes lábios;

nossos filhos aos seus, estes aos netos
25

irão passando intacta esta lembrança;

   como através dos evos

as colossais pirâmides, que emblemas

são da grandeza, e da existência eterna,

   ovantes têm passado.
30

Mas é grande ardimento! Ave sem canto,

longe de seu vergel peregrinando,

   em remontado vôo

querer modular sons, cantar teu nome!

Simpática afeição, mágico impulso
35

   a ti porém me arrasta;

e de prazer o coração no peito

expande-se a teu nome, qual se expande,

   em perfumado eflúvio,

o doce aroma do ananás gostoso.
40

E tu, qual prazer sentes, quando tomas

esse infante em teus braços?

   Esse infante gentil, de heróis progênie,

filho de Zenowiez, hoje sem Pátria

   que um Déspota roubou-lha?
45

Qual te anima alegria esperançosa,

quando de Kosciuszko vês o sangue

   girar em suas veias,

e as estranhas nutrir-lhe ainda tenras?

Oh! como é grato levantar nos braços
50

   o filho de um guerreiro,

que malfadado sim, mas virtuoso,

sobranceiro se mostra à sorte adversa!

   Ah, praza a Deus clemente

que por ti embalado esse menino,
55

por ti n'água lavado do batismo,

   raro exemplo seguindo

de seus nobres maiores, seja um dia

o que foi Kosciuszko, e o que tens sido.

   Oh! se o porvir contemplo,
60

quem sabe se ainda um dia!... Mas não podem

humanas mãos romper o véu de trevas,

   com que a Providência

esconde a mortais olhos o futuro.

Em sibilino arrojo não pretendo
65

   interpretar mistérios.

Cresça o jovem Emílio sempre ao lado

do imortal Lafaiete, e aprenda, e saiba

   amar a liberdade.


Paris, janeiro de 1834

Às senhoras brasileiras

Nas veias o sangue já não me galopa,

nem sacros furores nos lábios me fervem;

a lira canora do cisne Beócio

   deixei sobre a trípode.

Os risos fagueiros do Gênio da Pátria
5

agora me inspiram idéias suaves.

Os vossos encantos, oh belas patrícias,

   eu canto dulcíssono.

Império das graças, oh sexo mimoso,

vós sois o princípio da nossa existência;
10

dos nossos prazeres orige' inefável;

   sem vós que seríamos?

A lua que brilha num céu azulado,

e os raios argênteos no rio reflete,

é quadro bem lindo! porém vossas faces
15

   têm graças mais nítidas.

Os dias que alegres convosco passamos,

são horas bem curtas, são breves instantes;

e os breves instantes da ausência saudosa

   são noites bem tétricas.
20

O canto das aves, que soa nos bosques,

é grato aos ouvidos do homem selvagem;

porém vossas vozes têm mais melodia

   que as vozes dos pássaros.

A rosa tem cheiro que o ar embalsama,
25

a rosa tem cores que esmaltam os prados;

porém para imagem da vossa beleza

   a rosa é inválida.

As águas têm perlas, o céu tem estrelas,

os campos têm flores, a terra tem ouro;
30

mas vós venceis tudo; vós sois da Natura

   a obra protótipa.

Por vós afinaram mil vates as liras;

por vós mil guerreiros à glória voaram;

e até nações cultas por vós sacudiram
35

   seu jugo tirânico.

Oh Anjos da terra, da Pátria ornamento,

donzelas, esposas, e mães carinhosas,

na luta, que temos co'o vil despotismo,

   mostrai-vos magnânimas.
40

Os vossos encantos de prêmio só sirvam

a quem ama a Pátria, ao sábio, e ao justo.

Deixai que ociosos, e os nossos imigos

   no lodo revolvam-se.


1831

A minha lira

Quando o sol era o meu astro,

e a minha mente inspirava,

no enlevo do estro inflamado

alegre a lira eu vibrava.

Co'a Grécia, e Roma sonhando,
5

colhendo flores da história,

à minha Pátria querida

hinos tecia de glória.

No fogo da mocidade,

nessa estação da alegria,
10

cantava gratas mentiras,

amores qu'eu não sentia.

Às vezes também chorava;

e tu, oh lira pressaga,

já teu destino previas,
15

e o pranto que ora te alaga.

Qual na rosa que emurchece

seca o orvalho que a aljofrava,

assim secou-se em meus lábios

o riso que os enfeitava.
20

Minha voz enrouqueceu-se,

meu coração enlutou-se,

e o astro que me aclarava

em densa treva nublou-se.

Antes que o sopro do tempo
25

murchasse a flor de meu rosto,

a palidez já o tinge,

causada pelo desgosto.

A folha na primavera,

se pelo inseto é roída,
30

assim perde o verde esmalte,

assim murcha, e cai sem vida.

Deixei a prezada Pátria,

deixei a mãe carinhosa;

perdeu então minha lira
35

sua voz harmoniosa.

Ao som das vagas do Oceano

foi minha lira aprendendo

a suspirar quando choro,

a ir comigo gemendo.
40

Companheira de meu fado,

pelo mundo vagueando,

juntos os Alpes subimos,

estranhas terras pisando.

Nos Alpes, como num trono
45

que me alçava além do mundo,

a glória do Onipotente

entoei venerabundo.

Entre góticas pilastras,

arroubado no infinito,
50

cantei a vida futura,

consolo de um peito aflito.

Sentado sobre ruínas,

achei um eco na lira;

e sobre o nada da vida,
55

deu-me sons qu'eu nunca ouvira.

Entre campas, e cipestres,

sozinho num cemitério,

chorando a sorte de um vate,

na lira achei refrigério.
60

Solitário entre os viventes,

do mundo desconhecido,

como a planta errante d'água

apenas tenho vivido.

A glória, esperança vária,
65

sonho falaz do acordado,

febre que os Gênios inspira,

só me não tem inspirado.

Amiga melancolia,

consumidora saudade,
70

vós envolveis os meus dias

desta triste suavidade.

Em cada estação ostenta

diverso aspecto a Natura;

ora de cristais se adorna,
75

ora de fresca verdura.

As aves também renovam

seu canto co'a Natureza;

tudo muda, só minha alma

conserva sua tristeza.
80

Único bem qu'eu possuo,

oh minha estimada lira,

companheira de infortúnios.

comigo chora, e suspira.


1836

O canto do cisne

Meus versos são suspiros de minha alma,

sem outra lei que o interno sentimento;

e como o fumo que do fogo se ergue,

sobem ao céu, e perdem-se nos ares.

Como o aceso turíbulo balança
5

ante o altar, de incenso alimentado,

suavíssimos perfumes exalando,

   assim minha alma oscila

das ilusões do mundo afadigada;

e suspirando então pelo infinito,
10

humilde a Deus seu pensamento exalça.

Cada pensamento meu,

como uma baga de incenso,

do turíbulo de minha alma

sobe ao alcáçar do Imenso.
15

Eis por que ainda no da vida exílio,

entre o véu de tristeza que me enluta

alguns assomos de prazer ressumbram,

   como do pirilampo

na escuridão da selva a luz lampeja;
20

   eis por que minha lira

inopinados sons desliza às vezes;

eis por que ainda para mim um riso

   a Natureza enfeita;

eis por que a noite presta-me seu bálsamo,
25

e na aurora que surge encantos acho.

Eco para meus suspiros

eu acho na Natureza;

e para a voz de minha alma

um acento de tristeza.
30

Ah! porventura a lira abandonada,

que rota e muda jaz de pó coberta,

   porventura ainda vive?

A lira morre, quando mais não soa,

morre, quando, estalando a última corda,
35

evapora o seu último soluço.

Assim sou eu sobre a terra;

é minha alma como a lira,

que morre, quando não geme;

que vive, quando suspira.
40

Como vive o proscrito em riba estranha?

   No pensamento apenas,

nos quadros de sua alma, tristes quadros,

como a noite sem lua, e sem estrelas;

quadros nublosos, pela mão traçados
45

   da pálida Saudade.

Oh mundo, oh mundo, exílio de minha alma!

Vida, cruel tirano que me prendes!

O que é a vida? Um contínuo

passar das trevas à aurora;
50

cadeia que nos arrasta,

turbilhão que nos devora.

Eis a vida!... E depois?... Mistério horrível!

Infinito, onde o espírito se perde,

como um átomo no espaço;
55

deserto, onde vagueia a fantasia,

repouso, e asilo incerta procurando,

como nos areais da ardente Arábia

o peregrino afadigado busca,

para a sede aplacar, mesquinha fonte,
60

e um ramo que lhe abrigue os lassos membros.

Talvez que amanhã se ultime

a sentença do proscrito,

e que livre das cadeias,

vagueie nesse infinito.
65

E quem sabe se a voz da Eternidade

   agora me revela,

que este manto, que enoita a Natureza,

como do esquife o mortuário pano,

para sempre a meus olhos cobre a terra?
70

Quem sabe se ao raiar da aurora crástina,

   a seu hino de vida

um eco faltará de minha lira,

   de minha alma um gemido?

   Cada minuto da vida
75

   pode ser o derradeiro;

   da vida ao nada há um ponto,

   e o homem passa-o ligeiro.

O Cisne que desliza à flor do lago,

perlas formando co'o bater das asas,
80

   mudo a garganta alonga,

e só da morte a voz nela ressoa;

como uma flauta que do tronco pende

   por amoroso voto,

   pelo vento agitada,
85

embalança, e suaves harmonias

   exala de seu tubo:

Assim a voz do cisne se desata,

   pela morte inspirado;

   assim se melodia,
90

para doce entoar o hino extremo.

Mas acaso sabe o Cisne,

terno canto desferindo,

que em cada acento que solta,

a vida lhe vai fugindo?
95

Companheiro do Cisne, o tenro arbusto

   que uma só vez floresce,

e quando assim se adorna, murcha, e morre,

como no dia nupcial a esposa,

sabe ele porventura que essas flores
100

   são as galas da morte?

A lâmpada que expira, e um clarão solta,

acaso sabe se lhe míngua o óleo?

O rio que no prado se resvala,

   acaso dizer pode:
105

Amanhã terá fim minha corrente?

E o zéfiro que brinca saltitando

sobre as frescas corolas, sabe acaso,

se ainda existirá no sol seguinte?

Nós acaso conhecemos
110

melhor que eles nossa sorte?

Podemos dizer: este hino

é nosso hino de morte?

Eu canto como o Cisne, sem que saiba

se é meu último canto;
115

como o arbusto que brota mortais flores,

minha alma se dilata, e aromas verte;

como a luz que falece, e se afogueia,

em sacro amor meu coração se inflama;

como o rio que manso se desliza,
120

como o ligeiro zéfiro que adeja,

   devolvem-se meus dias,

como vagas do mar, um após outro,

e não sei qual será o derradeiro.

Inda um suspiro, minha alma,
125

como o Cisne hoje exalemos.

Se amanhã virmos a aurora,

novos hinos entoemos.

Cantemos, cantemos

co'a noite, e co'o dia,
130

seja nossa vida

contínua harmonia.


FIM DOS SUSPIROS POÉTICOS